Topo

Leia a transcrição da entrevista de Márcio Thomaz Bastos à Folha e ao UOL

Do UOL, em Brasília

22/08/2012 07h00

Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, participou do "Poder e Política", projeto do UOL e da Folha conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 21.ago.2012 no estúdio do UOL em São Paulo.

 

 

 

Márcio Thomaz Bastos– 21/8/2012

 

 

Narração de abertura: O advogado Márcio Thomaz Bastos tem 77 anos. Foi ministro da Justiça no governo de Lula, de 2003 a 2007.

Formado em direito pela USP, Thomaz Bastos é um dos mais famosos criminalistas do Brasil. Já advogou para Lula, Antônio Carlos Magalhães e Eike Batista, entre outros.

Thomaz Bastos também é conhecido por assumir causas impopulares. Foi ele quem defendeu os estudantes da USP acusados de afogar um calouro de medicina. Bastos também defendeu os jovens de Brasília que atearam fogo e assassinaram um índio pataxó. E, recentemente, foi advogado de Carlinhos Cachoeira.

Como ministro da Justiça, Bastos ficou conhecido por atribuir mais rigor à atuação da Polícia Federal. Fora do governo, voltou a advogar. Em 2012, participa do julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal como advogado de um dos réus.

Folha/UOLOlá internauta. Bem-vindo a mais um "Poder e Política - Entrevista".

Este programa é uma realização do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL. A gravação hoje está sendo realizada no estúdio do UOL em São Paulo.

O entrevistado desta edição é o advogado, ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que veio aqui pessoalmente até o estúdio do UOL em São Paulo.

Folha/UOL: Olá, Márcio, tudo bem?
Márcio Thomaz Bastos:Bem, e você Fernando?

Folha/UOL: Eu começo perguntando uma coisa mais leve para o sr. O sr. tem algum ritual específico antes de começar um julgamento no Supremo Tribunal Federal, alguma superstição? Como é que o sr. se prepara?
Márcio Thomaz Bastos:Olha, eu sou supersticioso, sim. Eu tenho alguns tiques, algumas manias que eu procuro conservar. Uma delas, por exemplo, é usar a mesma beca. Isso eu já disse em outros lugares. Eu tenho uma beca antiga que deve ter uns 20 anos. Uma beca, assim, que não é de grande textura, não é muito cara. Uma beca barata que foi comprada e eu comecei a achar que aquela beca me dava sorte. E é a que eu uso até hoje. Uma vez eu fui à França, e em Paris me deram um endereço. E eu procurei e comprei uma beca muito bonita, de seda pura. Cara, 500 euros custou na época, quando eu valia mais. E aí eu trouxe a beca. Mas aí eu fiquei com medo de usar. A cada julgamento eu adiava a estreia porque eu falava: “Bom, aquela outra está dando sorte”.

Folha/UOL: E nunca estreou?
Márcio Thomaz Bastos: E nunca estreei. A beca está guardada lá no meu escritório e eu tenho essa beca antiga que eu estou usando agora, nesse julgamento da chamada Ação Penal 470.

Folha/UOL: Vamos falar então dessa Ação Penal 470, mais conhecida como mensalão. Ontem, segunda-feira, 20 de agosto, [houve] um relativo revés para vários advogados de defesa, inclusive o sr., que apresentaram uma petição questionando a forma como o julgamento é conduzido de maneira “fatiada”, como se convencionou dizer. Há algo ainda que a defesa possa fazer para modificar isso?
Márcio Thomaz Bastos: Não, não acredito. Nós colocamos a questão numa petição respeitosa onde vários itens foram formulados e articulados. Um deles era exatamente esse, que o fatiamento contraria o regimento interno do Supremo Tribunal Federal. Essa posição é uma posição esposada e sustentada pelo ministro Lewandowski e pelo ministro Marco Aurélio, inclusive.

Ela foi indeferida. Ela foi considerada preclusa, esse lado da questão. Mas teve uma virtude que foi importante. É que o relator, o ministro Joaquim Barbosa, acabou por explicitar, pela primeira vez, qual é o roteiro do julgamento. Então ele colocou quem ele vai julgar, quando ele vai julgar, que grupos ele vai julgar, que itens ele vai julgar. O que para nós, advogados, já é um grande auxílio, um grande conforto. Porque muitos advogados... Eu, por exemplo, sou daqui de São Paulo. Muitos advogados são de outros lugares. Então, a presença deles pessoalmente se faz indispensável para prestar atenção, para assistir, para ver como julgamento vai no dia em que seus clientes estão sendo focalizados pelo voto do relator, pelo voto do revisor e pelos outros votos. Agora nós já sabemos isso. Eu acho que só por isso a petição valeu a pena.

Folha/UOL: Tem algum aspecto principal que o sr. poderia destacar que pode, ao final deste julgamento, ser apresentado como algum ponto de ilegalidade? Que pode provocar nulidade de parte ou do todo??
Márcio Thomaz Bastos: Preocupa-me, bastante, essa questão do ministro Peluso. O ministro Peluso, todos sabemos, vai se aposentar. Provavelmente sua última sessão será no dia 30 [de agosto de 2012], na quinta-feira da semana que vem. E, a seguir esse rito, anunciado pelo ministro-relator [Joaquim Barbosa], e, pelo que eu entendi, só apresentará as penas ao final do julgamento... O ministro Peluso corre o risco, por suposto, por hipótese, de apresentar um voto condenatório contra alguém sem fixar a pena. O que leva a crer que esse voto do ministro Peluso será um voto nulo. Porque será um voto amputado.

Folha/UOL: Ele não pode também fixar pena no caso do voto dele, na sua opinião?
Márcio Thomaz Bastos: Pode.

Folha/UOL: E, nesse caso, seria nulo?
Márcio Thomaz Bastos: Olha, eu acredito que seria questionável, na medida em que ele se antecipa.

Pela decisão da última sessão da semana passada, que está no site do Supremo, em relação a qual nós apresentamos essa petição, cada ministro votará do jeito que quiser. Cada ministro saberá definir o caminho do seu voto.

Então, isso em tese, permite até que, por exemplo, o revisor, ministro Lewandowski, leia seu voto inteiro. Ou qualquer outro ministro da Corte leia seu voto inteiro porque, segundo seu entendimento, isso seria melhor. Acredito que agora...

Folha/UOL: Mas por que isso poderia provocar uma nulidade?
Márcio Thomaz Bastos: Provocar uma nulidade porque ele anteciparia uma parte do seu voto e não anteciparia o resto. É uma situação curiosa.

Agora, o que seguramente tornará nulo o voto do ministro Peluso será aquele voto que ele apresentar um veredicto de condenação sem dar uma pena. Aí eu não acredito que esse voto possa ser validamente computado.

Folha/UOL: Ou seja, ou ele vota e dá a pena, aplica a pena no caso de uma eventual condenação, ou o voto dele não teria validade??
Márcio Thomaz Bastos: Não teria vigência, não teria eficácia. Eu acredito que sim.

Folha/UOL: O que se diz é que a defesa acha bom que o ministro Peluso não vote porque, em tese, ele seria um daqueles que estaria na ponta mais garantista, muito rígido e que eventualmente acabaria condenando a maioria dos réus. É isso mesmo?
Márcio Thomaz Bastos: Não, eu não acredito. Eu, por exemplo, gostaria muito que o ministro Peluso participasse do julgamento inteiro, participasse das discussões que ainda vão acontecer. Esse é um fato importante no julgamento. É a discussão entre os ministros.

Até aqui, nós estamos vendo um monólogo do relator. Depois nós vamos ouvir o revisor. E, depois, durante os debates, vai haver trocas de ideias, trocas de impressões. E o ministro Peluso é um homem muito treinado para isso e muito talentoso para isso. Eu tenho visto grandes debates onde ele vira julgamentos no Supremo pela sua intervenção de improviso.

Então, eu acho uma pena se nós não tivermos o ministro Peluso, como  parece que nós não vamos ter, até o fim do julgamento.

Folha/UOL: Do ponto de vista objetivo, então: o ministro Peluso,  eventualmente, poderá votar apenas nos casos em que o ministro relator e o ministro revisor já tiverem apresentados os votos. E o voto dele, Peluso, para valer, terá que ser, nesses casos, com voto e a sentença das penas??
Márcio Thomaz Bastos: E a pena, com certeza. Ele terá sentenciar e condenar, nos casos em que ele for condenar, e aplicar a pena.

Folha/UOL: E no caso de um ministro relator não ter lido o voto para algum dos réus, o ministro Peluso não pode, na sua opinião, se antecipar e ler o voto dele para todos os réus? Nesse caso, seria válido?
Márcio Thomaz Bastos: Pelo que está escrito na decisão da Corte de quinta-feira passada, poderá.

Folha/UOL: Pois é. E não seria uma inversão? Não há regra de que o relator precisa votar primeiro?
Márcio Thomaz Bastos: Foi exatamente por isso que nós nos insurgimos contra a regra adotada, contra aquela regra do fatiamento que ficou um pouco obscura. Porque, afinal de contas, se falou em fatiamento mas não se disse qual era o fatiamento, qual era a linha, qual era a sequência do fatiamento e essas questões dos ministros votarem. Isso tudo ficou em aberto e alguma parte ainda continua aberta.

Folha/UOL: E, no seu entendimento, isso vai ser motivo de disputa ao final, se o ministro Peluso resolver antecipar o voto por completo.
Márcio Thomaz Bastos: Olha, é difícil dizer agora. Mas eu acredito que sim, que vai ficar uma situação... Seria como se o ministro-revisor ou qualquer outro ministro antecipasse o seu voto colocando antes do voto do ministro relator.

Folha/UOL: Teve um aspecto muito curioso nesse julgamento que foi o réu, Carlos Alberto Quaglia, que teve o todo o seu processo remetido para a primeira instância porque o Supremo descobriu que, durante anos, de 2008 a 2010, estava intimando o advogado errado desse réu. Então, os ministros decidiram, por unanimidade ali, que o caso deveria ser extraído. Esse réu sai do grupo e vai para a primeira instância. Qual é a gravidade desse equívoco cometido pelo Supremo Tribunal Federal?
Márcio Thomaz Bastos:Olha, num processo desse tamanho, num processo com 250 volumes quase, 256 volumes, é de espantar que não tenha mais equívocos desse tipo. Porque é muito difícil dominar esse processo. É muito difícil ter uma visão clara para qualquer secretaria, para qualquer ministro ter uma visão totalizante global desse processo.

Agora, no caso do Quaglia, desse acusado, eu acredito que o Supremo agiu certo ao cindir, mas não agiu certo ao mandar para a primeira instância. Porque, se ele está mandando para a primeira instância... O ministro Marco Aurélio fez até uma brincadeira. Falou: “Finalmente um juiz natural para um dos acusados”. Se ele está mandando esse para a primeira instância é que ele aceita a tese de que alguns réus não têm o foro privilegiado. O foro por prerrogativa.

Então, a minha questão de ordem foi apresentada no pórtico do julgamento, na abertura do julgamento, é que deveria prevalecer nos votos do ministro Marco Aurélio e do ministro Lewandowski porque qual é a razão lógica ou antológica que levou o plenário da Corte a cindir o julgamento e não continuar o julgamento cindido no Supremo. Tinha que fazer um outro processo mas, por coerência com a negativa da questão de ordem, tinha que fazer um outro processo dentro Supremo e não mandar para a primeira instância. Eu acho que o Supremo aí, com todo o respeito que eu tenho pela Corte, o Supremo aí foi incoerente. Usou dois pesos e duas medidas.

Folha/UOL: Agora, para quem está de fora, para leigos olhando o Supremo Tribunal Federal, principal tribunal de justiça do país, embora o sr. diga que é um processo muito grande, que podem haver equívocos como esse, não era o caso, depois de tanto tempo, que o Supremo tivesse um cuidado extra pra evitar esse tipo de erro, que me parece que ser um erro grosseiro, durante vários anos intimar um advogado errado?
Márcio Thomaz Bastos: Olha, eu acho e penso sinceramente isso que é muito difícil deixar não escapar algum tipo de erro burocrático. Porque o erro que houve aí foi exatamente isso: Eles começaram a intimar um advogado que já tinha saído e não intimaram o advogado que tinha entrado. Eu acho difícil, num processo junto artificialmente como esse. Porque, na minha opinião, ele é uma confederação de condutas que estão sendo examinadas, nós vamos ver pelo tamanho dos votos. Um voto de mil páginas, um voto 1300 páginas, um voto de 1500 páginas, são coisas assim desmedidas. São coisas que estão numa hiper dimensão. Então, é natural que aconteçam essas coisas. Eu acho até que aconteceu pouco até agora. Esperamos que não aconteçam outros mas eu não imagino que se possa dominar isso como ele fez. Porque é matéria demais, é página demais, é apêndice demais, são autos demais, são laudos demais, são intimações, são ritos burocráticos excessivamente grandes.

Folha/UOL: No caso de haver condenações, há recursos que estão aí a disposição da defesa. Os embargos de declaração, embargos infringentes. Gostaria que o sr. explicasse ambos e dissesse qual a chance que, na sua opinião, o sr. possivelmente deve ser otimista em relação a isso, eles tem de prosperar o final do processo e se, por conta desses embargos, evidentemente, quem for condenado vai acabar ficando sem a pena de detenção pelo enquanto isso estiver em julgamento.
Márcio Thomaz Bastos: É, sehouver alguma pena de prisão a ser cumprida, ela só será cumprida depois que a sentença transitar em julgado, o acórdão transitar em julgado. Esse acórdão é suscetível a ser atacado por embargos de declaração, que é quando existe deficiência, omissão, obscuridade do acórdão. E num acórdão, como esse que deve ter mais de mil páginas, seguramente haverá. Então, esse recurso, eu acredito que todos os advogados ou o Ministério Público oporá. Acho que ninguém deixará de colocar embargos declaratórios para ter um acórdão mais bem esclarecido, sanado de todas as suas omissões e obscuridades.

Folha/UOL: O relator terá que ser o ministro Joaquim Barbosa?
Márcio Thomaz Bastos:O relator, nos embargos declaratórios, é o ministro relator mesmo. Existe um outro embargo infringente que é aquele embargo em que quatro ministros tenham votado num outro sentido. Então, eles dão direito a um embargo que examina o mérito. Nesse será nomeado um outro relator pra discutir isso.

Agora, toda essa questão, todo esse julgamento, todo esse tempo, toda essa exposição on-line ao vivo que está acontecendo, mostra a necessidade de um aggiornamento, na minha opinião. Eu acho que...

Folha/UOL: Uma atualização?
Márcio Thomaz Bastos: ... a grande lição que nós vamos tirar é que é preciso atualizar um pouco os ritos. Afinal de contas, o Supremo Tribunal Federal, como todo o mundo judiciário, o mundo da advocacia, hoje tem acesso, tem domínio sob essas ferramentas tecnológicas que facilitam a vida. Do modo que eu acredito que também o modelo de votação, o modelo de exposição, vai acabar sendo contagiado por essa necessidade de modernização disso. De que não tenhamos esse mundo de juridiquês que nós temos aí. Quando eu falo isso não me refiro ao juiz só. Eu me refiro também aos advogados, me refiro ao Ministério Púbico. Todo o nosso universo é muito ainda discursivo.

Folha/UOL:  Que tipo de medida ou tecnologia poderia ser usada para, primeiro, abreviar um pouco o período em que são realizados esses julgamentos e, número dois, para torna-los mais próximos da vida real, sobretudo em relação ao linguajar utilizado?
Márcio Thomaz Bastos: Eu acredito que isso pela prática e por uma vocação. Eu conheci nos Estados Unidos há alguns anos uma ONG cuja função exclusiva, cujo objetivo era traduzir a linguagem judicial para a linguagem comum. De um modo em que todos os cidadãos tivessem acesso, por um vocabulário básico, a aquilo que acontecia nas cortes, nos juízes, aquilo que os advogados diziam e escreviam. Eu acredito que aqui nós temos que caminhar nessa direção. Porque um processo como esse realmente é um processo que tem que ser longo.

Folha/UOL: Agora, do ponto de vista da tecnologia, por exemplo, vamos pensar: votos impressos, o ministro lê o voto inteiro... Tipo, colocar o voto on-line, apresentar antes, não ler o voto inteiro, ter um resumo. O que o sr. acha?
Márcio Thomaz Bastos:O caminho da tecnologia é importante, mas ele tem que ser cortejado com princípio da ampla defesa, que é fundamental. Acredito, por exemplo, que o ministro relator, para fazer um trabalho de diminuir o tempo do seu voto, ele possa se referir a outras decisões que o Tribunal já tenha tomado ou trechos de doutrina, como ele fez, sem ler esses trechos.

Agora, toda a fundamentação de fato, ou ele distribui os votos antes, que foi um dos nossos requerimentos que foi indeferido, que ele nos entregasse os votos para que nós pudéssemos ler, acompanhar a leitura e, aí, ele podia resumir na sua exposição ou então ele tem que ler literalmente porque aquilo, a exposição dos fatos, dos documentos, das provas é fundamental para que isso seja depois, eventualmente, refutado ou discutido em alguma instância.

De modo que existem meios. Se, por exemplo, o voto do ministro relator, o voto do ministro revisor, os votos de todos os outros ministros fossem entregues à acusação e à defesa, entregues escritos ou entregues on-line, eles podiam mandar por um iPad, podiam botar no site do Supremo a que a gente tivesse acesso. Eu acho que isso criaria condições para que ele resumisse o voto, para que ele levasse o voto de uma maneira mais sucinta.

Folha/UOL: Deixe-me voltar um pouco para os embargos. Só depois que os embargos forem julgados é que as penas, evidentemente, poderão ser cumpridas pelos réus. Serão expedidos os mandados, inclusive se houver caso de pedido de prisão. Pela sua experiência, quanto tempo vai ser necessário para que isso tudo seja desbastado ali, que todos os embargos sejam julgados?
Márcio Thomaz Bastos: Olha, esse processo está andando bem depressa. Esse processo está andando mais depressa do que outros processos. Mas eu acredito que esse acórdão, até ele ser redigido... Porque o acórdão...

Folha/UOL: É longo...
Márcio Thomaz Bastos: É longo. E o acórdão tem que incluir os votos de todos os ministros. Então o acórdão tem que passar pela revisão do relator dos outros ministros, todos, para ver se as suas posições estão corretas. Eu acho que isso leva alguns meses. Alguns meses, no mínimo.

Folha/UOL: E, antes do acórdão ser publicado, evidentemente, nenhum mandado de prisão vai ser expedido. É isso? Ou não?
Márcio Thomaz Bastos: Mesmo depois do acórdão publicado, existem embargos que impedem que o acórdão transite em julgado. Então, se houver mandado prisão, ele será expedido quando a sentença transitar em julgado. Está sumulado pelo Supremo...

Folha/UOL: Estamos falando então que, neste ano [2012], evidentemente, esse caso não termina?
Márcio Thomaz Bastos: Não, não termina. Não acredito que termine, [ou] que haja a menor hipótese de terminar...

Folha/UOL: Em 2012?
Márcio Thomaz Bastos: Não acredito. Porque, veja...

Folha/UOL: E em 2013?
Márcio Thomaz Bastos: Quando se dizia que o ministro-relator levaria três sessões para ler o seu voto e o ministro-revisor levaria quatro sessões para ler o seu... O que nós vimos é que isso não é realidade. Porque o ministro relator, para ler dois itens da sua... ou um item, o terceiro [item], ele levou duas sessões. Então o ministro Lewadowiski que, se anuncia, tem um voto mais extenso do que o voto do relator, vai levar mais tempo que isso. Então vai demorar.

E os ministros que votam, nós não saberemos qual é o tamanho dos seus votos. Como é que eles vão fazer, se eles vão resumir, se eles vão aderir ao voto do revisor ou ao voto do relator. Então, não dá para saber antes.

Folha/UOL: Ou seja, o julgamento demora um pouco mais ou bem mais? O sr. acha que é o caso de imaginar que ele vai ser concluído em meados de outubro pelo andar dessa carruagem no momento??
Márcio Thomaz Bastos: O julgamento em si?

Folha/UOL: O julgamento em si.
Márcio Thomaz Bastos: Eu acredito que ele vá tomar setembro inteiro, pelo jeito.

Folha/UOL: E pode ir...
Márcio Thomaz Bastos: E poderia até entrar em outubro.

Folha/UOL: E, depois, meses pra publicação do acórdão.
Márcio Thomaz Bastos: Depende muito de tecnologia. Depende muito da organização que já tiver sido feita. E depois virão os embargos de declaração e os embargos infringentes.

Folha/UOL: Isso tudo já no ano que vem?
Márcio Thomaz Bastos: Isso tudo eu acredito que já no que vem. Mas é um trabalho ainda pra bastante tempo. Eu, que estava na iminência de me aposentar, estou adiando essa aposentaria por conta disso.

Folha/UOL: E nesse caso, evidentemente, se houver condenação com prisão, só ao longo do ano que vem em algum momento.
Márcio Thomaz Bastos: Só no trânsito em julgado, se houver algum tipo de condenação à prisão.

Folha/UOL: Deixa eu perguntar sobre a composição atual do Supremo. Parece que há uma certa beligerância extremada em algumas sessões, a gente percebe, entre os ministros. É dentro do esperado ou há um exagero?
Márcio Thomaz Bastos: Olha, eu acredito que não há exagero não. Acho que eles têm falado naquilo que um grande advogado, Dario de Almeida Magalhães      , chamava de temperatura alta, que é natural nos debates. Nos debates judiciários é natural que isso aconteça. No júri você vê isso. Nos tribunais estaduais, nos tribunais federais você vê isso.

Agora, esse Supremo Tribunal Federal, na sua composição atual, tem tido um papel muito importante no Brasil. Muito importante. Ele tem atuado em relação a uma porção de temas que antes eram assim proibidos, era como ele não pudesse de debruçar sobre eles. Ele [o STF] fez isso com as células-tronco. Ele fez isso com o sistema de cotas, com a união homossexual, com a Raposa Serra do Sol, que é uma questão importante.

Então ele olhou e decidiu questões fundamentais para setores tradicionalmente oprimidos na nossa sociedade. O aborto, as pesquisas de célula-tronco, tudo isso. Então, eu acho que esse Supremo teve um papel que mostra que ele é um Supremo muito mais voltado para a nação brasileira, para a sociedade brasileira, do que os seus predecessores, os seus antecessores. De modo que ele tem um papel importante.

Agora, ele é mais vivo. Eu acompanho o Supremo desde que o Supremo estava no Rio [de Janeiro], antes de ir para Brasília. Você, provavelmente, não tinha nascido. Mas, o que se vê é que o Supremo de hoje é muito mais vivo. A TV Justiça tem um papel nisso. Ela tem, sem dúvida nenhuma. Como os meios de comunicação...

Folha/UOL: O sr. gosta da TV Justiça?
Márcio Thomaz Bastos: Eu gosto da TV Justiça.

Folha/UOL: Acha uma boa ideia mantê-la como é?
Márcio Thomaz Bastos:Eu tenho dúvida.

Folha/UOL: Ah, é? Por quê?
Márcio Thomaz Bastos: Eu tenho dúvida porque eu não sei se a TV Justiça não aumenta essa beligerância, essa vivacidade, digamos assim, dos debates do Supremo.

Folha/UOL: O sr. concebe a possibilidade de, eventualmente, cancelarem a transmissão?
Márcio Thomaz Bastos: Não, não, não.Eu acho que a TV Justiça veio para ficar definitivamente.

Folha/UOL: Mas o que fazer então?
Márcio Thomaz Bastos:Eu acho que não tem o que fazer. O que tiver que fazer tem que fazer com TV Justiça. Acho que a transmissão das sessões é uma coisa que, se não tivesse sido feita, talvez fosse melhor em alguns aspectos. Mas, ela veio pra ficar, definitivamente. Não há a menor possibilidade de se tirar a TV Justiça do sistema e dos rituais da justiça brasileira.

Folha/UOL: O sr. participou durante o governo do ex-presidente Lula das discussões sobre indicações, nomeações, de vários ministros do Supremo. Do ministro Joaquim Barbosa, por exemplo, e de outros. O sr. se arrependeu de algum que o sr. tenha ajudado a nomear?
Márcio Thomaz Bastos: Não, de maneira nenhuma. De maneira nenhuma. Eu acho que todos os ministros que a gente... que o presidente indicou e depois nomeou têm tido carreiras muito bem sucedidas, têm tido percursos importantes.

O ministro Joaquim Barbosa faz jus ao seu currículo. O ministro Peluso igualmente. O ministro Ayres Britto tem uma carreira importante dentro do Supremo. E assim como todos os outros: a ministra Carmen, o ministro Lewandowski... São escolhas que me parecem muito corretas e voltadas para esse espírito que eu te disse, Fernando. Que é o espírito de botar o Supremo mais com a sua face olhando a nação brasileira e menos fechado sobre si mesmo.

Folha/UOL: Vou perguntar sobre um aspecto específico. Uma ação do ministro Joaquim Barbosa. Ele reclamou agora, formalmente a OAB, contra o advogado Antônio Sérgio Pitombo. Qual a sua avaliação sobre a atitude do ministro Joaquim?
Márcio Thomaz Bastos: Olha, ele foi vencido. Ele propôs que o Supremo representasse a ordem contra o advogado Antônio Sérgio Pitombo e ficou vencido por larga maioria. Acho que ele não estava correto nesse momento.

Agora, Rui Barbosa dizia uma frase muito importante que, para os advogados como eu, que são questionados frequentemente a esse respeito. Uma vez ele questionava duramente um ministro do Supremo Tribunal Federal. Então foi censurado por isso. Aí ele disse: “Eu tenho o dever de respeitar a instituição. E tenho o direito de criticar os seus membros”. De modo que as críticas que se fazem à atuação... Nesse caso, por exemplo, eu acho que o ministro Joaquim não acertou. Como eu acho que, indeferindo a nossa petição, o Supremo não acertou. Eu acho que o transcorrer do julgamento vai mostrar que nós estávamos certos. Essa petição feita pelos 20 advogados que foi examinada ontem. Mas é a luz desse princípio. Você respeita a Corte. Você não tem, em relação a Corte, aquilo que Rui Barbosa também chamava de “respeito supersticioso” que os advogados tem pelo Supremo Tribunal Federal. Mas, se prezava sempre o direito de discordar das decisões.

Folha/UOL: Falando da Corte, institucionalmente houve uma discussão pré-julgamento do mensalão sobre se alguns dos ministros, um, dois ou três falava-se, não deveriam se declarar impedidos nesse caso. Um caso muito saliente foi o do ministro Dias Tóffoli. O sr. acha que ele tomou a decisão correta ao não se declarar impedido até agora?
Márcio Thomaz Bastos:Eu acho é uma decisão que estava dentro da consciência dele de juiz e ele a tomou e ela não foi confutada. Havia a possibilidade do Ministério Público fazer isso. De algum defensor fazer isso, mas ninguém quis fazer de modo que eu acho que a participação dele estáabsolutamente pacificada.

Folha/UOL: Saindo um pouco do mensalão. O sr. foi advogado de Carlos Cachoeira. Deixou o caso. Por quê?
Márcio Thomaz Bastos: Olha, por razões que nada tem a ver com o mérito da causa. Esse é o máximo que eu possa falar pelo estatuto da Ordem.

Folha/UOL: Houve, durante o seu trabalho que teve como cliente Carlinhos Cachoeira, muitas discussões, muitos questionamentos sobre o sr. ter aceito essa causa. Isso daí não desgasta a imagem do advogado nesse caso? O sr. já falou muito a respeito. Hoje, já passado algumas semanas, qual é a sua avaliação depois de ter trabalhado nessa causa de Carlinhos Cachoeira?
Márcio Thomaz Bastos: Olha, eu trabalhei junto com uma equipe muito esforçada, muito brilhante durante o tempo em que foi possível. Trabalhamos intensamente. Acredito que com relativo êxito no médio e no longo prazo. Houve um momento em que, consensualmente, nós decidimos desfazer esse contrato de trabalho.

Agora, esse papel do advogado, de defender contra a maré, é comum. Na minha vida, eu já tive centenas de casos em que eu advogava para o inimigo público. 

Folha/UOL: O sr. ainda é o advogado do dr. Roger Abdelmassih?
Márcio Thomaz Bastos:Sim. Por falar nisso, sou. Esse era um dos casos...

Folha/UOL: Ele está foragido, é isso?
Márcio Thomaz Bastos: É. Eu nunca mais soube do paradeiro dele. Não tenho nenhuma noção

Folha/UOL: Como é que o sr. continua advogado...
Márcio Thomaz Bastos: Eu tenho procuração, continuo advogando. Não existe mais nenhum processo andando que nesse sítio do meu convívio com ele...

Folha/UOL: Tem só o mandado de...
Márcio Thomaz Bastos:Eu tenho um mandado. Estou cuidando nas cortes superiores. Da questão, continuamos advogados. Eu e o dr. José Luís de Oliveira Lima.

Folha/UOL: E é correto ele estar foragido, o sr. acha? Ou era melhor ele se apresentar?
Márcio Thomaz Bastos: É um direito de todo ser humano de furtar-se a prisão e aspirar a liberdade. Não é uma questão de ser direito ou não ser direito. É o instinto da liberdade que é muito forte. E as pessoas...

Folha/UOL: Não fala com ele com regularidade?
Márcio Thomaz Bastos: Não, nunca mais falei.

Folha/UOL: No caso de Carlinhos Cacheira, falou-se muito sobre como é que o sr. poderia receber os seus honorários se ele é uma pessoa toda encrencada com a justiça e com a suspeita de que tenha muitos recursos ilegais no seu patrimônio. Como o sr. resolve um problema desses?
Márcio Thomaz Bastos:Olha, eu resolvo, primeiro, prestando as minhas contas a quem eu devo prestá-las: à Receita Federal, ao COAF, essas coisas. E, segundo, fazendo o compliance do recebimento dos honorários. Eu acho que todos os profissionais têm o dever de fazer isso, de investigar a origem dos recursos. Os advogados criminais são uma situação específica, mas eu trabalho com muito cuidado nisso. Não é porque, em relação a isso, que eu não falo também por vetar sob sigilo profissional. Eu estou absolutamente tranquilo em relação a isso.

Folha/UOL: É claro que a essa causa o sr. cobraria 15 milhões por hora. Foi publicado esse valor. Procede?
Márcio Thomaz Bastos: Eu não falo sobre honorários porque....

Folha/UOL: Mas é perto disso?
Márcio Thomaz Bastos: ... faz parte do sigilo profissional, Fernando. Se não eu falaria. Muito boa essa.

Folha/UOL: Mas é muito fora de propósito esse valor?
Márcio Thomaz Bastos:É... Olha, eu não falo sobre essa questão.

Folha/UOL: É verdade que o ex-presidente Lula e a presidente Dilma ficaram um pouco chateados com o sr. quando o sr. assumiu essa causa de Carlinhos Cachoeira?
Márcio Thomaz Bastos: Olha, eu não senti isso não. Não senti nem do presidente, nem da presidenta. Ao contrário disso, as minhas relações com eles são normais. Hoje eu não sou mais ministro, hoje sou advogado.

Folha/UOL: O fato de o sr. ser ex-ministro da Justiça impõe algumas limitações para aceitar clientes?
Márcio Thomaz Bastos: Olha, eu não acredito. Eu fui ministro da Justiça faz cinco anos. Eu saí, cumpri uma quarentena, voltei a trabalhar lentamente, mas eu não sou mais ministro da Justiça. Eu sou advogado. Eu fui advogado 45 anos antes de ser ministro da Justiça. Parei [por] quatro. Voltei a ser advogado de novo. De modo que eu sou mais advogado que ministro da Justiça. Ministro da Justiça foi um episódio extremamente importante na minha vida. Foi onde eu acho que fiz um trabalho muito fundante no Brasil. Mas depois saí e voltei pra advogar. Hoje não tenho mais nenhuma...

Folha/UOL: O sr. conviveu muito com o ex-presidente Lula quando ele era presidente. Conviveu também com a então ministra Dilma, agora presidente. Quais as vantagens e as desvantagens de cada um, comparativamente?
Márcio Thomaz Bastos:Olha, é difícil dizer. A presidente Dilma é uma pessoa... Eles são diferentes. Lula é um animal político, um animal estadista. Um animal com uma vocação muito grande e uma intuição muito forte das coisas. A presidenta Dilma talvez seja mais racional. Mais lógica. Mas ambos se completavam, na minha opinião. E a sucessão foi muito feliz porque a presidenta Dilma pegou o legado do presidente Lula e o está levando ao limite das últimas consequências possíveis dentro da incerteza geral que é o mundo e que é o Brasil.

Folha/UOL:  O sr. acha que já está definido o quadro eleitoral na cidade de São Paulo, pela sua experiência, para prefeito? Em quem o sr. vai votar?
Márcio Thomaz Bastos: Pelo jeito, não. Eu vou votar no Fernando Haddad. Eu tenho amigos candidatos. Eu sou muito amigo do governador Serra. Mas eu vou votar no Fernando Haddad que é meu colega de ministério e eu acredito que vai ser um grande prefeito.

Folha/UOL: O sr., há alguns anos, passou por um tratamento sério de saúde. Se recuperou. Como está a sua saúde hoje? Como foi todo esse processo?
Márcio Thomaz Bastos: Olha, eu estou terminando um check-up a duras penas por causa desse caso do mensalão. Eu estou fazendo uma vez por semana. Agora já estou no fim. E estou bem do câncer que eu tive no pulmão. Eu já tive alta porque já passaram cinco anos. Eu fiz os exames regularmente. A única lição que eu tirei disso é que é fundamental você fazer um check-up depois de uma certa idade, pelo menos. Se fazer um check-up todo ano. Porque o meu eu peguei num acaso absoluto. Foi porque eu fiz check-up. Eu tirei uma radiografia do pulmão pedida pelo cardiologista que queria ver o estado das minhas coronários, e apareceu um tumor no pulmão. E aí eu pude operar precocemente e me salvar. Então, eu acho que essa lição é uma lição importante para todo mundo.

Folha/UOL: O sr. está bem de saúde agora.
Márcio Thomaz Bastos:Estou bem de saúde. Estou bem, sim.

Folha/UOL: O sr. é religioso? Frequenta alguma igreja?
Márcio Thomaz Bastos: Não. Eu sou católico de origem. Católico de família. Mas eu não professo nenhuma religião também.

Folha/UOL: Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, muito obrigado por sua entrevista à Folha de S.Paulo e ao UOL.
Márcio Thomaz Bastos: Obrigado você, Fernando. Para mim é uma alegria ter podido estar aqui. Espero que, de alguma forma, contribuí para que a gente entendesse as complicações da vida.

Folha/UOL: Com certeza. Muito obrigado.
Márcio Thomaz Bastos:De nada. Obrigado você.