Maioria no STF condena dois réus do Banco Rural no julgamento do mensalão
Seis dos atuais dez ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já votaram pela condenação dos réus Kátia Rabello, ex-presidente do Banco Rural, e José Roberto Salgado, ex-vice-presidente operacional do banco, pelo crime de gestão fraudulenta de instituição financeira, no julgamento do mensalão.
Votaram pela condenação de ambos o relator, Joaquim Barbosa, o revisor, Ricardo Lewandowski, além dos ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármem Lúcia.
Até o momento, cinco ministros votaram pela absolvição de Ayanna Tenório, ex-vice-presidente do banco, contrariando voto do relator Joaquim Barbosa. Vinícius Samarane, ex-diretor estatutário e atual vice-presidente do Banco Rural, foi condenado por cinco ministros, até o momento --apenas Lewandowski o absolveu.
Segundo a Procuradoria Geral da República, autora da denúncia, o Banco Rural disponibilizou R$ 3 milhões para o PT e outros R$ 29 milhões para agências do empresário Marcos Valério, por meio de empréstimos fraudulentos, para financiar o "valerioduto" --que teria sido usado para comprar o apoio de parlamentares aliados no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
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Os quatro dirigentes do Banco Rural são acusados de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta de instituição financeira e evasão de divisas --exceto Ayanna Tenório, que é acusada apenas dos três primeiros delitos. Neste momento, os ministros votarão apenas no que diz respeito à gestão fraudulenta, deixando para outro item a análise sobre os demais crimes.
Cármem Lúcia
A ministra Cármen Lúcia, a última a votar nesta quarta (5), apresentou seu voto em apenas 15 minutos. Ao justificar sua decisão, a ministra disse que os empréstimos ao PT e às agências de Marcos Valério não eram verdadeiros, não importando a finalidade destes.
Cármen Lúcia afirmou também que houve descumprimento de normas vigentes por parte dos dirigentes do banco. "Houve descumprimento de todas as regras até mesmo em relatórios apresentados", destacou a ministra.
Dias Toffoli
Ao condenar os três réus, Dias Toffoli disse que as práticas no Banco Rural tinham como objetivo "fugir da fiscalização" do Banco Central e que as transações não respeitaram as regras do sistema bancário. "É inequívoca a prática divorciada dos regulamentos que regem as transações bancárias."
O ministro afirmou que a própria auditoria externa contratada pelo banco apontou irregularidades nas suas operações financeiras.
A respeito de Kátia Rabello, Toffoli disse que a ré ignorou os pareceres técnicos que apontam risco nos empréstimos. Com relação a Vinícius Samarane, o magistrado considerou que o acusado agiu com dolo ao ocultar as irregularidades.
Segundo o ministro, estão "cabalmente" provadas as acusações contra a alta cúpula do Banco Rural. "Não há como concluir pela inexistência do dolo."
Luiz Fux
Em seu voto, Fux afirmou que "há um verdadeiro pacto de silêncio que ronda esse tipo de crime de gestão fraudulenta" e que nesses “megadelitos”, em que há o envolvimento de várias pessoas, os agentes não necessariamente se conhecem.
O ministro disse que o prejuízo do Banco Rural com os empréstimos foi de R$ 200 milhões. "Não é um prejuízo do banco, é um prejuízo para a economia popular." Fux considerou haver provas “concretas, absolutas, insuperáveis” de que houve gestão fraudulenta.
O magistrado concordou com a tese da acusação de que os empréstimos contraídos junto ao Banco Rural pelas agências de Marcos Valério e o PT eram “ideologicamente falsos”, já que eram fraudados. "Isso está claro como a água."
Fux afirmou que estava com o seu voto pronto e também iria condenar Ayanna Tenório, mas mudou de ideia ao ouvir o voto do revisor, que a absolveu. "Há uma dúvida razoável sobre a participação da Ayanna Tenório", disse. “Para ter paz de espírito, eu vou acompanhar o eminente revisor no sentido de absolver Ayanna Tenório. Não há prova suficiente para condená-la."
Por fim, Fux afirmou que "infelizmente, a entidade [Banco Rural] serviu de uma verdadeira lavanderia de dinheiro".
Rosa Weber
Para Rosa Weber, foi configurada gestão fraudulenta pela falta de transparência nas transações entre o banco e as agências. "A empresa do mesmo grupo [de Marcos Valério] estava sendo cobrada judicialmente enquanto os empréstimos eram concedidos pelo Banco Rural."
Ao concordar com denúncia da Procuradoria Geral da República sobre as negociações irregulares entre o PT, as empresas de Marcos Valério e o Banco Rural, a ministra Rosa Weber afirmou que “não se trataram de verdadeiros empréstimos, mas simulacros fraudulentos”.
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A ministra afirmou que chamou a atenção dela a maneira como Marcos Valério foi utilizado pelo Banco Rural para o banco ter mais influência no Banco Central. Weber citou o tráfico de influência feito por Marcos Valério, que intermediou reuniões com membros do governo e em algumas delas Kátia Rabello estava presente.
Weber afirmou que as defesas dos réus tentaram responsabilizar o ex-presidente do banco, José Dummont, morto em 2004, pelas irregularidades. Ele presidia o banco na época em que foram realizados alguns empréstimos. "Senti a tentativa de imputar as acusações a José Dummont", disse. “Não é possível atribuir-lhe a responsabilidade exclusiva”, afirmou a magistrada.
A ministra votou pela condenação de Samarane por entender que, embora ele não tenha assinado os empréstimos nem as renovações, ele omitiu dolosamente as informações.
Com relação à Ayanna Tenório, a ministra seguiu o revisor e concluiu “inexistir quadro probatório seguro de que tenha agido com dolo”. Ela afirmou não haver provas que comprovem que Tenório teve participação nas fraudes e citou documento que menciona que o seu cargo no banco era mais técnico.
Voto do revisor
Segundo o ministro-revisor, Ricardo Lewandowski, não há provas de que Tenório tenha responsabilidade nos empréstimos fraudulentos do banco para as agências de Marcos Valério. “Não fiquei convencido que a ré tenha agido de forma fraudulenta e ardilosa na gestão da instituição financeira”, disse Lewandowski.
O ministro afirmou que Valério e seus ex-sócios, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, confirmaram que não conheciam Tenório. "Não há nenhuma prova nos autos de que tivesse mantido contato com Marcos Valério."
Lewandowski afirmou também que Ayanna Tenório não tinha experiência profissional no setor bancário e citou depoimentos de testemunhas que comprovariam isso. O ministro argumentou que a carreira profissional da ré era focada em recursos humanos e gestão, o que não daria a ela conhecimentos sobre o setor bancário.
Para o advogado criminalista Gustavo Badaró, que é professor de direito processual da USP (Universidade de São Paulo) e acompanhou na redação do UOL a sessão de hoje, o ministro considerou que não há prova que Tenório tenha tido a intenção de agir de forma fraudulenta. "Ele entendeu que não há prova do que chama dolo específico, da intenção, o que levou à absolvição em relação à gestão fraudulenta", afirmou o advogado.
Sobre Vinícius Samarane, o revisor afirmou que a Procuradoria não conseguiu provar a culpa do réu na renovação dos empréstimos às agências de Marcos Valério e ao PT. O ministro afirmou que, nas datas em que as renovações foram feitas, o réu não ocupava cargo com poder decisório sobre isso.
"Entendo que o Ministério Público, data vênia, não logrou em provar a participação do réu nos determinados fatos", afirmou Lewandowski. "[Samarane] não era gestor e não podia ser agente do crime de gestão fraudulenta", acrescentou.
O ministro disse também que, embora o próprio Samarane tivesse afirmado que ocupava cargo de direção, provavelmente para se gabar diante dos colegas, "na verdade, antes de 2004, não era diretor estatutário e não tinha poder para aprovar nenhuma transação bancária".
Após Lewandowski concluir seu voto, Joaquim Barbosa pediu a palavra e rebateu argumentos do colega, afirmando que Ayanna Tenório não agiu com "candura".
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Outro lado
Presentes hoje no STF, os advogados de dois dirigentes não quiseram comentar, por enquanto, os votos dos ministros. "É ruim, né?", limitou-se a dizer o advogado de Kátia Rabello, José Carlos Dias. O defensor afirmou que só conversaria nesta quinta (6) com a imprensa, após a conclusão dos votos dos demais ministros.
Assim como ele, o advogado de José Roberto Salgado, Márcio Thomaz Bastos, afirmou que não faria nenhum comentário hoje sobre o número já desfavorável ao seu cliente.
Para o advogado Maurício de Oliveira Campos Júnior, defensor de Vinícius Samarane, não houve surpresa nos votos de absolvição a Ayanna Tenório, mas ocorreu uma “confusão” na avaliação das atividades realizadas por Samarane. "O voto do revisor (...) foi mais criterioso. Ele soube distinguir uma condição funcional de empregado de uma condição de gestor de uma instituição financeira. Lamentavelmente os demais ministros não fizeram a mesma distinção e atribuíram a Vinícius Samarane uma função que nem dele era, porque ele não era gestor do banco", afirmou.
O advogado de Ayanna Tenório não estava no Supremo na sessão desta quarta e um auxiliar da defesa não quis comentar os votos.
Próximos votos
Pela ordem regimental, proferirão nesta quinta-feira (6) os votos sobre os réus do Banco Rural os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Carlos Ayres Britto, que, como presidente da Suprema Corte, é sempre o último a votar.
O ministro Celso Peluzo, que completou 70 anos na segunda-feira, teve que se aposentar compulsoriamente do STF e não julgará os próximos réus do processo, deixando a Corte com dez ministros.
Réus já condenados
Até o momento, a Suprema Corte já condenou o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e peculato (uso de cargo público para prática de desvios).
Também foram condenados os publicitários Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz (ambos ex-sócios de Valério) e Henrique Pizzolato (ex-diretor de marketing do Banco do Brasil) por peculato e corrupção (passiva para Pizzolato e ativa para os publicitários). O ex-diretor do BB também foi condenado por lavagem de dinheiro.
As condenações estão relacionadas com os contratos das empresas de Valério com o Banco do Brasil e com a Câmara dos Deputados. A única absolvição, até o momento, foi a do ex-secretário de Comunicações do governo Lula, Luiz Gushiken, por falta de provas.
Julgamento fatiado
A pedido do relator, o julgamento vem sendo realizado em partes ou “fatias” para facilitar, na visão de Barbosa, o entendimento dos cenários em que cada um dos réus está inserido nos núcleos e delitos que compuseram o complexo esquema de corrupção que ganhou a denominação de mensalão.
Pela ordem divulgada por Barbosa, o primeiro item votado foi o 3 (corrupção no Banco do Brasil e na Câmara dos Deputados) e agora os ministros analisam o item 5 (sobre gestão fraudulenta). Em seguida, serão apreciados os itens 4 (sobre lavagem de dinheiro), 6 (referente à corrupção envolvendo partidos da base aliada do governo Lula), 7 (lavagem de dinheiro por parte do PT), 8 (evasão de divisas) e 2 (formação de quadrilha).
Apenas ao final do julgamento dos itens do processo os ministros irão discutir e definir as penas que deverão ser aplicadas aos réus condenados.
Entenda o dia a dia do julgamento
Entenda o mensalão
O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O processo tem 38 réus --um deles, contudo, foi excluído do julgamento no STF, o que fez o número cair para 37-- e entre eles há membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil). No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.
O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.
O tribunal analisa acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.
*Colaborou Guilherme Balza, em São Paulo
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