Índios do Araguaia criam comissão da verdade própria para investigar crimes da ditadura
Os índios da etnia Aikewara, conhecidos como suruís do Pará, criaram uma comissão da verdade própria para investigar crimes cometidos pela ditadura militar. Os suruís vivem na terra indígena Sororó, que se espalha pelos municípios de São Domingos do Araguaia, Brejo Grande e São Geraldo do Araguaia, no sudeste do Pará, região onde a Guerrilha do Araguaia atuou nas décadas de 60 e 70.
Comissão da Verdade apura mortes de índios que podem quintuplicar vítimas da ditadura
A Comissão Nacional da Verdade começou a investigar, em outubro deste ano, o desaparecimento de aproximadamente 2.000 índios da etnia Waimiri-Atroari durante a ditadura militar. O sumiço dos indígenas, cujo território se estendia de Manaus ao sul de Roraima, ocorreu entre 1968 e 1983, época em que o governo federal construiu a rodovia BR-174 --ligando a capital amazonense a Boa Vista-- para atrair à região projetos de mineração de multinacionais.
Segundo a psicanalista Maria Rita Kehl, uma dos sete integrantes da Comissão Nacional da Verdade, a ideia de se criar uma comissão da verdade própria surgiu dos próprios índios.
“Ficamos no Araguaia entre 14 e 21 de outubro e passamos pela aldeia dos suruís. Após entrevistarmos alguns indígenas, eles acharam que era a hora de criar uma comissão da verdade deles, a partir da sugestão de um jovem cacique, que está na universidade”, afirmou.
De acordo com Kehl, os suruís foram torturados para contribuir com os militares no combate à guerrilha, fornecendo informações sobre os militantes e indicando onde eles estavam. “Eles não fizeram uma resistência política e não sabiam bem o que estava acontecendo. Como não tinham o que dizer, foram bastante torturados.”
A psicanalista afirma que o trabalho da comissão da verdade dos suruís irá abastecer a Comissão Nacional da Verdade. “O que nós iriamos fazer eles decidiram que eles mesmos vão fazer. "
A Comissão Nacional se reunirá entre 16 e 18 de novembro para tratar dos suruís e de outros povos indígenas que teriam sido vítimas da ditadura, entre eles os waimiris-atroaris, cuja população reduziu em mais de 2.000 durante a ditadura.
Outros casos
Outro povo indígena cujas supostas violações estão sendo estudadas pela Comissão Nacional da Verdade é o Arara, que também vive no sudeste do Pará. Segundo a psicanalista, os araras foram “empurrados” para o oeste em razão das fronteiras agrícolas --uma multinacional da fruticultura passou a produzir na área ocupada pelos indígenas.
A comissão também recebeu documentos e informações de crimes praticados contra os índios pataxós, da Bahia, que teriam sido inoculados com vírus da malária em 1967 pela Aeronáutica, fato que deu origem, no ano seguinte, à CPI do Índio, encerrada meses depois com a decretação do AI-5 (Ato Institucional número 5).
Com relação aos potiguaras, da Paraíba, a comissão irá apurar a ocupação pelo Exército de uma área dos índios, que teriam sido despejados para dar lugar a uma madeireira. Há ainda relatos de violações contra os guaranis-kaiowás, do Mato Grosso do Sul, e os avá-canoeiros, do Tocantins.
Um dos responsáveis por pesquisar violações e encaminhá-las à Comissão da Verdade é Marcelo Zelic, vice-presidente da organização Tortura Nunca Mais de São Paulo e coordenador de uma pesquisa sobre crimes cometidos pela ditadura contra povos indígenas.
Zelic cita o exemplo das dificuldades vividas pelos guaranis-kaiowás hoje para afirmar que o tratamento dado aos povos indígenas ainda carrega marcas dos anos de chumbo. “Estamos em 2012, com democracia, e mais de 250 lideranças indígenas foram fuziladas nos últimos 12 anos. Como mudar essa realidade sem fazer uma crítica ao passado?”, questiona.
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