Topo

Operações da PF não são fruto de instrumentalização nem de descontrole, diz ministro da Justiça na Câmara

Ao lado de deputados, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (esq.), fala em audiência na Câmara sobre as operações da Polícia Federal - Alexandra Martins/Agência Câmara
Ao lado de deputados, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (esq.), fala em audiência na Câmara sobre as operações da Polícia Federal Imagem: Alexandra Martins/Agência Câmara

Camila Campanerut

Do UOL, em Brasília

04/12/2012 10h41Atualizada em 04/12/2012 15h52

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, negou nesta terça-feira (4) em audiência na Câmara que a Polícia Federal sofra interferência política em suas operações. "As operações da PF não são fruto de instrumentalização nem de descontrole. Posso afirmar que a Polícia Federal não é mais uma polícia de governo, mas uma polícia de Estado", disse Cardozo e audiência pública nas comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado e da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados.

Segundo Cardozo, quando houve a deflagração da Operação Monte Carlo, que investigava o bicheiro Carlinhos Cachoeira, "se dizia que o ministro da Justiça estava instrumentalizando a Polícia Federal", pois os investigados não tinham relação com o atual governo.

No entanto, segundo ele, quando a investigação tange pessoas ligadas à base de sustentação do governo, "o que se afirma é que o ministro da Justiça perdeu o controle sobre a Polícia Federal".

"A Polícia é de Estado e não se submete a qualquer situação de ordem política", afirmou Cardozo.

O ministro afirmou que tem havido "muita controvérsia e muita discussão" acerca dos desencadeamentos da Operação Porto Seguro e que o convite para falar na Câmara é uma oportunidade "ímpar" de esclarecer os fatos. Cardozo acrescentou que a Polícia Federal faz, em média, mais de uma operação por dia. “Sempre que pessoas do mundo político ou econômico são investigadas há muita tensão, controvérsia e confusões.”

O ministro já havia sido convidado para falar na Câmara antes da deflagração da Operação Porto Seguro, que investiga o esquema de fraudes e venda de pareceres em agências reguladoras do governo e em órgãos como a Advocacia Geral da União e a Secretaria do Patrimônio da União. A Polícia Federal, que comandou a operação, é subordinada ao Ministério da Justiça, comandado por Cardozo.

Inicialmente, Cardozo falaria sobre a crise de segurança pública no Estado de São Paulo, mas decidiu iniciar sua audiência na Câmara falando sobre a operação, que prendeu seis pessoas e indiciou 18 desde o último dia 23 de novembro.

A presença de Cardozo na Câmara é resultado do acordo entre parlamentares da base governista e da oposição para evitar a aprovação de uma convocação – que obrigaria a ida do ministro.

"Blindagem" e bastidores da operação

O ministro da Justiça admitiu que mesmo tendo o poder de fiscalizar e coibir ações da Polícia Federal em casos de abuso, ele não utiliza essa prerrogativa para “blindar” um ou outra pessoa conforme seu interesse ou interesse do governo, uma vez "não vivemos mais na ditadura militar".

“Essa situação permitiria uma verdadeira blindagem institucional das autoridades superiores. Diante dessa realidade, seja o sigilo, seja com blindagem institucional que se faz com autoridades superiores, o ministro da justiça só deve tomar ciência das operações para cumprir seu papel de fiscalização”, afirmou.

“Se o ministro da Justiça tiver ciência [de alguma operação da PF] em momento que não seja admissível, ele incorrerá em uma ilegalidade”, emendou. "No momento em que a operação vai ser deflagrada, ele [o ministro da Justiça] é a avisado, este é o modelo e é o modelo correto”, completou.

Em relação à  Porto Seguro, o ministro declarou que foi informado de maneira genérica, no dia anterior, de que haveria uma operação envolvendo um órgão do governo.

“Ainda na quinta-feira (22), informei a presidente Dilma Rousseff que haveria uma operação da PF no dia seguinte envolvendo órgão do governo, mas sem detalhes, porque eu não os tinha naquele momento”, disse Cardozo.

O ministro manteve sua agenda de quinta-feira e viajou para Fortaleza (CE), onde seria o anfitrião de um encontro de ministros do Mercosul. “Somente na manhã de sexta-feira (23, dia em que a Porto Seguro foi deflagrada), de volta a Brasília, tive um encontro com o doutor Leandro Daiello Coimbra, diretor-geral da Polícia Federal, em minha residência, e aí pude tomar conhecimento do teor de todos os mandados que haviam sido cumpridos naquele dia”, disse.

Limites da operação

Cardozo fez questão de frisar que, o modo como a polícia trabalha hoje, de forma independente, impede, inclusive, que ele seja responsabilizado por orientar as investigações ou deixar de investigar alguém.

“[Se] Pudesse o ministro de Estado da Justiça saber daquilo que tramita no inquérito sob sigilo, bastava que alguma situação, que alguma informação vazasse para dificultar as investigações. Ele seria o primeiro suspeito. Poderia até mesmo, por via reflexa, envolver a chefia do Executivo, trazendo instabilidade e dificuldades evidentes do ponto de vista da compreensão dos fatos”, destacou.

De acordo com o ministro, não houve excessos na atuação da Polícia Federal ao prender indiciados e fazer mandados de busca e apreensão em órgãos públicos como MEC (Ministério da Educação), AGU (Advocacia Geral da União), Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), ANA (Agência Nacional de Águas) e Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).

Segundo Cardozo, as interceptações telefônicas da polícia só tiveram início a partir de março deste ano, cerca de um ano depois do início da investigação, que focava, até então, na análise de documentos entregues pelo ex-servidor do TCU (Tribunal de Contas da União), na quebra de sigilos bancários dos irmãos Vieira (Paulo, Rubens e Marcelo) e na análise das trocas de e-mails entre os investigados. 

Entenda a operação Porto Seguro

Iniciada em março de 2011 e divulgada no último dia 23 de novembro, a Operação Porto Seguro da Polícia Federal resultou em 43 mandados de busca e apreensão, seis prisões e o indiciamento criminal de 18 pessoas no Estado de São Paulo e no Distrito Federal.

Quem pode ir ao Congresso

José Eduardo Cardozo, ministro da JustiçaFoi hoje à Câmara e foi convidado para falar sobre o mesmo assunto nesta quarta-feira em audiência pública da CCJ do Senado
Luís Inácio Adams, advogado-geral da UniãoDeve ir à audiência conjunta da CCJ na quarta-feira e em outra comissão na quinta-feira
Gleisi Hoffmann, ministra da Casa CivilDeve ir à audiência pública conjunta de comissões na quinta-feira
Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio ExteriorDeve ir a audiência pública na quinta-feira
Rubens Vieira, ex-diretor da AnacFoi convidado para audiência na CI (Comissão de Infraestrutura) do Senado. A audiência ainda não tem data
Marcelo Guaranys, diretor-presidente da AnacFoi convidado para audiência na CI (Comissão de Infraestrutura) do Senado. A audiência ainda não tem data

Os envolvidos participavam, segundo a polícia, de fraudes e compra de pareceres técnicos de diversos órgãos públicos para beneficiar empresas privadas. De acordo com a Polícia Federal, Paulo Vieira, diretor afastado da ANA (Agência Nacional de Águas), seria o chefe da quadrilha que praticava corrupção e tráfico de influência em órgãos do governo federal.

O esquema foi denunciado pelo ex-servidor do TCU (Tribunal de Contas da União) Cyonil Borges. O ex-auditor recebeu a oferta de R$ 300 mil por um parecer, aceitou parte do dinheiro, R$ 100 mil, mas, se arrependeu, devolveu a quantia e delatou o caso à polícia. Em entrevista à "Folha de S.Paulo", ele diz que nunca tocou no dinheiro para não caracterizar o crime de corrupção.

Além de Paulo Vieira, seus dois irmãos, Rubens Vieira, ex-diretor da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), e Marcelo Vieira, empresário, são acusados de participar do esquema. Rubens e Paulo foram soltos na última sexta-feira (30).

Por meio de interceptação telefônica, a PF identificou pagamentos feitos por Paulo Vieira a ex-chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Noronha. A filha dela, Mirelle Nóvoa Noronha Oshiro, já foi exonerada do cargo comissionado de assessora técnica na Anac, onde trabalhava com Paulo Vieira.

Considerada como “peça-chave” do esquema, Rosemary teria a função de intermediar reuniões de “autoridades” com os interessados nos pareceres técnicos pagos e na indicação de pessoas para cargos em agências do governo. Para isso, ela usava sua proximidade com o ex-presidente  Luiz Inácio Lula da Silva.

Foi Lula quem nomeou Rosemary para o cargo em 2003. Até a semana passada, ela foi mantida pela presidente Dilma Rousseff. Rosemary era quem cuidava da agenda de Lula em São Paulo.

Outros órgãos como o MEC (Ministério da Educação), a AGU (Advocacia Geral da União) e a SPU (Secretaria do Patrimônio da União) também tiveram servidores citados como membros do esquema. O ex-advogado-adjunto da União, José Weber Holanda, foi exonerado do cargo e sofre um processo de investigação no órgão pela negociação de um parecer com Paulo Vieira.  Ele era o braço direito de Luís Inácio Adams na AGU, de quem era ainda amigo pessoal. Em entrevista,  Holanda negou fazer parte de um esquema de venda de pareceres jurídicos do governo para favorecer interesse privado e disse não ter nada a esconder.

No MEC, dois servidores foram afastados: o consultor jurídico Esmeraldo Malheiros dos Santos e Márcio Alexandre Barbosa Lima. O primeiro seria o intermediário para pareceres favoráveis e foi exonerado. O segundo foi quem ofereceu a senha a Paulo Vieira para consultar informações da faculdade da família de Vieira no ministério.

Na Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), vinculada ao Ministério dos Transportes, três servidores estão entre os 18 indiciados. Dois deles foram exonerados: Ênio Soares Dias, chefe de gabinete da agência e Glauco Alves Cardoso, procurador-geral do órgão. O ouvidor Jailson Santos Soares foi afastado.

A assessora da SPU Evangelina de Almeida Pinho também foi exonerada do cargo e uma sindicância interna foi instaurada no órgão para apurar possíveis irregularidades praticadas na secretaria.

Outras conversas interceptadas pela PF identificaram que o grupo investigado teria interesse em regularizar um empreendimento portuário na Ilha de Bagres, em Santos (SP), de propriedade do ex-senador Gilberto Miranda, e se reuniu com o número dois da SEP (Secretaria de Portos), Mário Lima Júnior, que continua no cargo.