Possibilidade de Dirceu blogar da cadeia esbarra em questões de segurança
A defesa do ex-ministro José Dirceu entrou com um pedido na Justiça para que ele possa continuar atualizando seu blog, mesmo dentro da prisão. Especialistas em direito consultados pelo UOL reconhecem existir a possibilidade de o pedido ser aceito, mas afirmam não ter conhecimento sobre casos parecidos. Segundo eles, o argumento da liberdade de expressão esbarra em duas questões: as limitações impostas na cadeia e a manutenção da segurança pública.
Isso porque a liberdade de expressão, um direito garantido por lei, tem restrições no caso de detentos. Eles não podem se comunicar da forma como bem entenderem com o mundo externo, e esses limites variam de acordo com o tipo de pena cumprida. Esse direito também não pode comprometer a segurança pública, permitindo, por exemplo, que condenados continuem exercendo atividades criminosas atrás das grades.
“Dependendo do conteúdo postado, esse blog pode causar problemas e até afetar a segurança interna do presídio. O blog coloca o detento em contato com o mundo exterior e cria uma liberdade virtual diferente da liberdade estabelecida na prisão”, explica Marco Aurélio Florêncio Filho, professor de direito penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Se não pode usar o celular, por que poderia usar um blog?”
Dirceu foi condenado a dez anos e dez meses de prisão, no julgamento do mensalão, e está detido desde 15 de novembro. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, o advogado José Luis Oliveira Lima alega que seu cliente tem direito de se expressar, sem detalhar como seria feita a atualização da página na internet.
O UOL tentou contato com o advogado, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem. O pedido é mantido em sigilo e foi encaminhado à seção psicossocial da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal. Depois de analisado, ele será encaminhado ao juiz responsável pela decisão.
Contato externo
Por conta da dificuldade de usar computadores na prisão, uma possibilidade seria a atualização do blog fora da cadeia: Dirceu escreveria o conteúdo à mão e o entregaria para outra pessoa digitalizá-lo. Mesmo nessa hipótese, seria necessária uma autorização para manter o blog, segundo Victor Haikal, advogado especialista em Direito Digital e sócio do escritório Patricia Peck Pinheiro.
Isso porque o preso tem garantido o direito de enviar e receber correspondências, mas não quando bem entenderem. As datas são pré-determinadas de acordo com o presídio e com a pena, o que dificultaria a atualização constante de um blog. Além disso, lembra Marco Aurélio Florêncio, é comum haver uma checagem no conteúdo das cartas.
A lei 7.210 prevê que os detentos tenham contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação, desde que eles “não comprometam a moral e os bons costumes”.
Esses direitos podem ser suspensos ou restringidos pelo diretor do presídio – desde que este apresente os motivos para sua decisão. Por isso, o administrador do presídio teria de autorizar a atualização do blog mesmo após uma possível decisão judicial favorável a Dirceu.
Atualizações
O blog de José Dirceu continua sendo atualizado com a assinatura “equipe do blog”.
A situação é a mesma na página oficial e perfis em redes sociais de Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, que também está preso. “As mídias http://www.delubio.com.br , http://www.facebook.com/delubiosoares e @delubiosoares estão sendo administradas por seus companheiros do PT e da CUT”, diz um comunicado no site.
Cíntia Rosa Pereira de Lima, professora de direito civil da USP (Universidade de São Paulo), afirma não haver problema com esse tipo de atualização “terceirizada” de redes sociais --desde que feita com o consentimento do dono da conta. “É possível usar uma espécie de ‘procurador’, dando a senha daquele perfil para ele passar alguma mensagem. Legalmente não há nenhum problema em fazer isso.”
Atualização na cadeia
A ideia de atualizar legalmente um blog na cadeia foi colocada em prática por John McAfee, fundador da empresa de antivírus com seu sobrenome. Depois de ser detido na Guatemala sob suspeita de assassinar um vizinho, ele publicou um post de dentro da prisão. Isso foi há um ano, antes de o empresário ser extraditado para os Estados Unidos.
"Estou em uma prisão da Guatemala [...]. Pedi um computador e magicamente um apareceu. O café também é excelente [...]. Acredito, a propósito, que blogar de dentro da cadeia deve ser uma atividade revolucionária. Vamos ver se isso pega", escreveu na ocasião.
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