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PF barra entrada no Brasil de belga preso e expulso do país na ditadura

Guilherme Balza

Do UOL, em São Paulo

08/04/2014 17h23

A PF (Polícia Federal) barrou a entrada no Brasil do belga Jan Honoré Talpe, 80, que desembarcou no Aeroporto Internacional de Guarulhos (Grande São Paulo) no último sábado (5) para participar de um congresso e de um simpósio em São José dos Campos (97 km de São Paulo), entre os dias 6 e 16 de abril.

Durante a ditadura, Talpe ficou preso por seis meses no Dops (Departamento de Ordem Pública e Social) de São Paulo e foi expulso do país em 30 de setembro de 1969, por meio de um decreto do presidente Costa e Silva. O belga, que era professor e padre na década de 60, participou da greve dos metalúrgicos de Osasco (Grande SP) em 1968 e era considerado subversivo pelo regime militar.

Ele viajou para participar do 7º Congresso Nacional dos Pequenos Agricultores de Cana-de-Açúcar (Conapa) e do 10º Simpósio dos Pequenos Agricultores de Arroz, a convite do Ilaese (Instituto Latinoamericano de Estudos Socioeconômicos), eventos em que ele daria palestras sobre a ditadura militar.

Segundo o advogado Bruno Alves, contatado por organizadores dos eventos para defender o estrangeiro, Talpe ficou detido entre 6h e 17h nas dependências da PF, que pretendia enviá-lo de volta à Bélgica no primeiro avião. “Ele foi tratado como se fosse um criminoso comum, um traficante de drogas ou coisa do tipo.”

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A defesa do estrangeiro diz ter apresentado ao delegado provas de que ele foi detido no Dops e expulso do país por razões políticas. Dessa maneira, não poderia ser impedido de entrar no Brasil em função da Lei da Anistia. Ainda assim, de acordo com Bruno Alves, o delegado da PF disse que era necessário obter um requerimento de anistia para liberar a entrada do professor.

Diante do impasse, Alves apresentou à 2ª Vara Federal de Guarulhos, que funciona no aeroporto, um habeas corpus com pedido de liminar para liberar a entrada dele no país, sob o argumento de que decreto de expulsão não teria validade por ter sido expedido durante a ditadura.

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“Inconsistência jurídica”

A Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro) proíbe o ingresso no Brasil de estrangeiros expulsos do país. A expulsão ocorre quando um estrangeiro comete um crime em território brasileiro e é condenado por sentença transitada em julgado.

O juiz federal Paulo Marcos Rodrigues de Almeida, que estava de plantão, concedeu liminar para autorizar o ingresso do belga no Brasil e escreveu na decisão que a expulsão dele não tem mais legitimidade “em razão de absoluta inconsistência jurídica, à luz da Constituição da República de 1988 e da própria Lei da Anistia.”

Segundo o advogado, Talpe só não foi colocado em um avião de volta para a Bélgica, com decolagem prevista para 15h, porque o próprio juiz entrou em contato com a PF e pediu que aguardassem a conclusão da análise do pedido de liminar. “É uma coisa surreal, completamente fora de seu tempo. Ele passou por tudo aquilo na ditadura pelo Estado brasileiro e agora é submetido a isso”, disse Alves.

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Outro lado

Procurada pela reportagem, a PF afirmou, por meio do setor de comunicação social, que o belga foi "impedido de entrar no Brasil em razão de ter sido verificado no sistema de controle de entrada de estrangeiros que havia um impedimento para sua entrada, ter um decreto de expulsão contra si, já executado". 

A PF citou o Estatuto do Estrangeiro para justificar o impedimento do ingresso do idoso. "De acordo com o Estatuto do Estrangeiro, todo aquele que já tiver sido expulso não pode retornar ao território nacional. Não cabe à Polícia Federal analisar as razões da expulsão do indivíduo, apenas executar o controle de fronteiras."