Novas regras vão acabar com caixa dois em campanhas? Especialistas respondem
As novas regras eleitorais, que impõem tetos de gastos de campanha e impedem financiamento por empresas, inibem e dificultam, mas não garantem que candidatos a prefeitos e vereadores das 5.570 cidades brasileiras deixarão de recorrer em suas campanhas à prática do caixa 2, o dinheiro ilegal e não contabilizado. É o que afirmam promotores, advogados e economistas ouvidos pela UOL sobre as normas que estarão em vigência nas próximas eleições municipais, que serão realizadas no mês de outubro.
"Aquelas pessoas que costumam infringir a lei não mudarão de comportamento porque há regras mais rígidas. Infelizmente, é o comportamento humano, essas pessoas vão buscar meios para continuar praticando o caixa 2. Mas haverá um controle maior das finanças das campanhas por parte da Justiça Eleitoral", afirma Patrick Salgado, procurador regional eleitoral em Minas Gerais. Ele atua há dez anos no Ministério Público Eleitoral.
O procurador estima que o pleito de outubro reunirá cerca de 90 mil candidatos.
As doações de empresas a políticos e partidos foram consideradas inconstitucionais pelo STF (Supremo Tribunal Federal), em setembro de 2015 e já foram proibidas para as eleições deste ano. A ação que contestou as contribuições empresariais no financiamento político foi movida em 2013 pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), com o argumento de que o poder econômico desequilibra a disputa eleitoral.
Em novembro, o Congresso Nacional manteve o veto da presidente Dilma Rousseff ao financiamento empresarial de campanhas eleitorais. Dessa forma, prevaleceu o entendimento do STF.
Por sua vez, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) diminuiu o tempo de campanha, que começará no dia 16 de agosto e terá 45 dias de duração, metade do tempo das disputas anteriores. Em dezembro, o órgão judiciário que organiza as eleições estabeleceu também um teto para os gastos, o que antes era feito pelos próprios candidatos
Disputa menos desigual
"O desafio é modernizar os mecanismos de controle das instituições. Por exemplo, que seja obrigatória a contabilização das doações em sistemas online e de fácil verificação, para que não só as instituições, mas que o próprio eleitor tenha meios de fazer seu próprio controle", afirma Livianu.
De acordo com a legislação, as candidaturas são obrigadas a registrar as doações em até 72 horas após efetivada a transferência dos valores. Técnicos do Ministério Público Eleitoral desenvolvem uma ferramenta chamada "Conta Suja" para a verificação das contas dos candidatos.
"Qualquer movimentação financeira suspeita será detectada por essa ferramenta, que possibilita um controle concomitante dos gastos e das receitas das campanhas. Um relatório de inteligência será produzido e enviado rapidamente ao promotor da cidade que poderá decidir abrir uma investigação sobre determinada candidatura", afirma Salgado.
Para as pessoas físicas, o limite de doação é de 10% dos rendimentos brutos declarados no Imposto de Renda no ano anterior. Quem não paga o Fisco pode doar 10% sobre o limite de rendimentos estipulados para isenção do IR.
"Na prática, as empresas 'investiam' em determinados políticos, que, eleitos, passavam a usar seus mandatos para atender aos interesses dessas empresas", afirma o advogado Luciano Caparroz.
"Não é que o caixa 2 irá acabar, mas as regras dificultam essa prática criminosa", diz.
Crime organizado
A crise econômica pela qual passa o país e os desdobramentos da Operação Lava Jato são outros fatores para diminuição para arrecadação, de acordo com os especialistas.
Deve pesar para os empresários as imagens de empreiteiros encarcerados pela Polícia Federal e confessando posteriormente, em acordos de delação premiada, o pagamento de propinas travestidas de doações eleitorais.
"Empresas que operam formalmente na economia brasileira terão argumentos e exemplos para negar doações clandestinas aos arrecadadores de campanha", diz o diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Manoel Galdino.
Galdino aponta que o fim de financiamento empresarial de campanha pode ter um efeito colateral. "Há um risco de políticos recorrerem às doações daqueles que já operam na ilicitude, a exemplo de traficantes de drogas e contraventores. Um político na mão do crime organizado tem um efeito muito nefasto para a democracia", diz Galdino, que também é economista e doutor em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo).
Favorável à doação de empresas, desde que o dinheiro seja dado a um candidato apenas, o presidente interino, Michel Temer (PMDB), considera que a eleição deste ano servirá como uma espécie de teste para as eleições futuras.
"Tenho a impressão que aquilo que ocorrer nesta eleição municipal dará um norte para o que vier a ser nas eleições de deputado, presidente."
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirma que os militantes de esquerda deverão colocar a mão do bolso para apoiar seus candidatos. "Vamos começar uma nova experiência política neste país, sem financiamento."
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