Construtoras na Lava Jato adotam práticas surgidas pós-Watergate para voltar ao mercado
As grandes construtoras brasileiras envolvidas nos casos de corrupção investigados e revelados pela Operação Lava Jato estão se apoiando num conjunto de práticas anticorrupção implementado em decorrência do caso Watergate, nos Estados Unidos, a fim de recuperar a imagem e a viabilidade econômica de seus negócios. Hoje, enquanto não são finalizados acordos nas esferas administrativa e criminal, elas encontram dificuldades de participar de novas concorrências e de se financiar, por exemplo.
Uma palavra em inglês resume o posicionamento dessas empresas: "compliance", que significa atuar em conformidade com as normas. Essa disposição a práticas éticas de gestão foi formalizada em 1977, nos Estados Unidos, dentro da lei geral denominada FCPA (Foreign Corrupt Practices Act, que em inglês significa Lei sobre Práticas de Corrupção no Exterior). A legislação foi gestada em reação ao maior escândalo de corrupção da história norte-americana, que provocou a renúncia do então presidente da República, Richard Nixon, em 1974.
Esse conteúdo foi incorporado em grande medida à lei brasileira anticorrupção, a lei 12.846, de 2013, em vigor desde 29 de janeiro de 2014, que prevê a responsabilização objetiva de empresas que praticam atos lesivos contra a administração pública nacional ou estrangeira.
Um dos mecanismos de reparação previstos é o acordo de leniência, que as grandes construtoras envolvidas na Lava Jato negociam com órgãos públicos, assumindo crimes e se comprometendo a não mais cometê-los, condição para voltar a negociar com o poder público. Entre as recomendações, está a adoção de programas de compliance.
O que é compliance?
Manter políticas de conformidade (compliance) significa, na prática, a criação de estrutura própria dedicada a isso e a adoção de uma série de procedimentos para disciplinar relacionamentos e gerenciar riscos de corrupção.
Um programa de compliance tem, normalmente, uma diretoria com equipe teoricamente independente; um comitê de ética; códigos de ética e conduta; processo formalizado para seleção de fornecedores; e canais de atendimento geridos por auditorias independentes, para a realização de denúncias.
As denúncias são recebidas com o compromisso de manter os denunciantes anônimos, evitando possíveis retaliações. A equipe de compliance tem então a missão de apurar a procedência ou não da acusação e, em caso positivo, aplicar sanções, que vão da advertência à demissão do profissional acusado.
Para pesquisador, Lava Jato não pegou tudo o que é antiético
Nas grandes empresas de construção pesada citadas na Lava Jato, como a Odebrecht e a Queiroz Galvão, a implementação de políticas de conformidade se transformou numa espécie de resposta formal à sociedade (governos, clientes, sócios, acionistas, Justiça) de que será diferente daqui por diante. Se é jogo de cena, só o tempo poderá dizer.
Quem é do mercado acredita que seja para valer. "Vai emergir um novo mercado de construção de grandes obras no Brasil. Muitos já tinham políticas de compliance e de ética, mas agora é real", afirma Petrônio Lerche, diretor do Sinicon (Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada), entidade representativa das grandes da construção, como Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão.
Marcos Melo, professor de finanças do Ibmec do Distrito Federal e especialista no mercado de infraestrutura, frisa que o ambiente empresarial do setor está se tornando "mais claro" com as políticas de conformidade adotadas. "Se a companhia for eficiente, vai bem; se não for, vai mal. É melhor assim. Há um desejo geral de que as coisas fiquem mais límpidas e transparentes. Apesar de todo o problema [provocado pelas investigações], um ambiente mais claro favorece a todos."
No SindusconSP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo), que representa as pequenas e médias empresas paulistas de construção, uma série de ações, nos dois últimos anos, tem estimulado seus associados a implantar políticas mais rígidas de controle ético. "É o legado que fica [da Operação Lava Jato]. Em muitas empresas as normas já existiam informalmente, mas agora tudo ficou formalizado", diz o presidente da entidade, José Romeu Ferraz Neto.
"Esse movimento dessas empresas atualmente parece mais um mecanismo para tentar fornecer ao público e a investidores a aparência de novas práticas institucionais do que de fato uma mudança radical de postura", diz o historiador Pedro Campos, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e autor do livro "Estranhas Catedrais: As Empreiteiras Brasileiras e a Ditadura Civil-Militar", em que esmiúça as relações promíscuas entre governos militares e empreiteiros com o golpe e o regime posterior a 1964.
"É importante salientar que o uso de artefatos ilegais e todo um conjunto de procedimentos antiéticos por parte dessas e outras empresas não se resume ao que vem sendo investigado pela Operação Lava Jato", ressalta Campos.
Segundo o pesquisador, boa parte das empreiteiras brasileiras possui práticas de cartel que remetem a períodos de muitas décadas atrás, sendo a própria regra de um jogo que tem sempre os mesmos vencedores. "Algumas dessas empresas estiveram envolvidas na organização do golpe de Estado de 1964. Elas foram intensamente beneficiadas pela ditadura, com políticas como reserva de mercado, direcionamento do orçamento para as suas atividades, realização das obras faraônicas no período, além de isenções fiscais e financiamentos facilitados a juros baixos."
Para Luiz Marcatti, diretor da MESA, consultoria especializada em governança corporativa que tem auxiliado uma das grandes denunciadas na Lava Jato, a incorporação efetiva de melhores práticas vai depender da sinceridade e da intensidade do engajamento do "andar de cima": "Essa mudança terá maior chance de êxito quanto mais forte for o exemplo dado pelos acionistas e pela alta administração das empresas. Só assim as mudanças poderão criar raízes profundas", afirma o consultor.
"A pressão por lucros sempre haverá, mas precisa ser mantida viva a consciência de uma atuação que alcance lucros que tragam sustentabilidade e longevidade às empresas, o que só é possível atuando dentro da lei."
Construtoras criaram departamentos e formalizaram práticas
Nas grandes construtoras, o movimento recente de compromisso com a ética, contra a corrupção, se iniciou mais ou menos no fim de 2013, impulsionado pela promulgação da lei anticorrupção brasileira, ganhou corpo em 2014 e se efetivou formalmente nos anos de 2015 e 2016, pressionado pela Lava Jato, com a criação de departamentos e diretores para a área e sistematização de documentos e práticas.
O UOL conversou diretamente com quatro dessas grandes empresas, Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão, em tratativas com órgãos competentes no âmbito da Lava Jato, e quem está no comando assegura que a mudança veio para ficar. Essas empresas dizem ter hoje os componentes exigidos das políticas de compliance em vigor.
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