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Assédio de ex-presidente do TCE-RJ e pedido de propina de R$ 60 mi surpreenderam até delatores

Jonas Lopes de Carvalho, ex-presidente do TCE-RJ, delatou esquema de corrupção - Cris Torres/Divulgação/GovRJ
Jonas Lopes de Carvalho, ex-presidente do TCE-RJ, delatou esquema de corrupção Imagem: Cris Torres/Divulgação/GovRJ

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

20/04/2017 13h39

As delações de executivos e ex-executivos da Odebrecht, empreiteira que sacudiu o país ao revelar um grandioso esquema de corrupção no meio político e empresarial, reforçam as denúncias de que houve pagamento e/ou cobrança de propina no âmbito do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio) para viabilizar fraudes e agir com conivência em relação a irregularidades em obras do Estado.

Os crimes teriam ocorrido principalmente em relação às obras da linha 4 do metrô e à reforma do Maracanã --juntos, os empreendimentos custaram mais de R$ 11,5 bilhões. O TCE é o órgão responsável por zelar pela lisura na aplicação de recursos públicos e fiscalizar periodicamente as contas do Estado.

Os indícios de corrupção no Tribunal de Contas fluminense ficam cada vez mais visíveis desde o ano passado. Em dezembro de 2016, o conselheiro e ex-presidente do TCE Jonas Lopes de Carvalho foi obrigado a depor na Polícia Federal após ter seu nome mencionado pelo delator Ricardo Pernambuco como beneficiário de propina no valor de R$ 1 milhão, dividida em cinco parcelas. O dinheiro teria sido pago pela Carioca Engenharia, empresa da qual Pernambuco é sócio.

Executivos de outra construtora, a Andrade Gutierrez, também já haviam mencionado pagamento de vantagens ilícitas a fim de que o TCE-RJ não criasse problemas com auditorias. O dinheiro --estimado em 1% dos valores contratuais-- teria sido solicitado pelo braço direito do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), o ex-secretário de Estado de Governo Wilson Carlos.

Carlos é apontado pelo MPF (Ministério Público Federal) como operador financeiro da "organização criminosa" chefiada por Cabral, que esteve à frente do governo do Rio entre 2007 e 2014. Atualmente, a dupla cumpre prisão preventiva no complexo penitenciário de Bangu, na zona oeste carioca.

No começo deste ano, Jonas Lopes firmou um explosivo acordo de delação premiada e forneceu informações que resultaram na prisão de cinco dos sete conselheiros da Corte durante a operação O Quinto do Ouro, realizada pela PF em março. São eles: Aloysio Neves (atual presidente); Domingos Brazão, José Gomes Graciosa, Marco Antônio Alencar e José Maurício Nolasco.

Em depoimento, Lopes afirmou que os conselheiros costumavam brigar pela propina e que o esquema criminoso envolvia acusações de traição assim como acordos de lealdade na distribuição do dinheiro.

Ainda segundo o ex-presidente do Tribunal, em 2013, houve um jantar na casa do atual governador, Luiz Fernando Pezão (PMDB), para discutir os percentuais da propina paga em nome de integrantes do TCE-RJ a secretários de Estado. Pezão negou ter participado do suposto jantar e disse "desconhecer o teor das investigações". Informou ainda que não comentaria "trechos selecionados de supostas delações vazadas para a imprensa".

Na delação, Lopes disse que Pezão teria obtido vantagem de R$ 900 mil em propina do TCE-RJ para pagamento de despesas pessoais. O chefe do Executivo estadual negou a acusação e declarou que iria abrir um processo judicial contra o ex-presidente do Tribunal de Contas do Rio.

Reforma do Maracanã

Lopes também é citado nas delações de representantes da Odebrecht, empreiteira que teria destinado R$ 1 milhão em propina ao ex-presidente do Tribunal. A informação é do ex-executivo Leandro Andrade Azevedo, que disse ter negociado o pagamento ilícito em troca da aprovação do edital de concessão do Maracanã, palco da final da Copa do Mundo de 2014.

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Houve pagamento de propina para que o edital de concessão do Maracanã fosse liberado pelo TCE-RJ, de acordo com as delações da Odebrecht
Imagem: Júlio César Guimarães/UOL

A orientação para que a Odebrecht procurasse Lopes teria partido do ex-secretário Wilson Carlos no primeiro semestre de 2013. Na ocasião, o governo já havia encaminhado o edital para análise de Lopes, que era o relator do processo. "Quando estive com Lopes para fixar o parcelamento [da propina], ele já conhecia o valor", afirmou.

Segundo Azevedo, o valor negociado foi de R$ 4 milhões, divididos em quatro parcelas de R$ 1 milhão. Cada parcela seria paga de seis em seis meses, mas apenas a primeira foi quitada. As demais não ocorreram em razão do início da Operação Lava Jato, em março de 2014.

"A contrapartida era absolutamente clara, ou seja, em troca do pagamento de R$ 4 milhões seria aprovado o edital da concessão do Maracanã pelo TCE", resumiu o delator.

Mesmo com a investigação em andamento, informou Azevedo, o departamento de propina da Odebrecht chegou a ser pressionado por Lopes para que o restante fosse quitado. "Ele me cobrou a continuidade do pagamento. Fiquei sem graça, estávamos no meio da Lava Jato. Delicadamente, pedi a ele que lesse a capa do jornal O Globo que estava sobre a mesa [que informava sobre a prisão de empreiteiros]. Ele ficou super sem graça, virou-se para mim e disse que entendia a situação, mas que estava sendo muito pressionado pelos outros conselheiros."

A versão apresentada por Azevedo é corroborada pelo delator João Borba Filho, que disse ter encontrado Wilson Carlos em uma "conversa de corredor" em 2013. "Na ocasião, Wilson Carlos me passou um recado e solicitou que fosse informado a Benedicto Júnior [também delator] que o edital da concessão do Maracanã já tinha sido enviado ao TCE e que a companhia precisaria 'acertar' a quantia acordada com o TCE para a liberação do edital."

A negociata também foi exposta na delação de um terceiro ex-executivo da Odebrecht, o ex-diretor de Contratos da empresa, Marcos Vidigal. Ele afirmou ter ido pessoalmente ao escritório de Wilson Carlos, no centro do Rio, para dar a notícia de que a exigência de propina, calculada em 1% do valor inicial do projeto, havia sido aprovada pela cúpula da empreiteira. Os pagamentos, no entanto, só seriam feitos após a assinatura do contrato.

"O Wilson Carlos me falou na época, mas não tenho lembrança disso, se ele seria o beneficiário da propina no TCE. Mas recentemente, pesquisando na internet, verifiquei que o presidente à época era o José Maurício Nolasco e o relator que deu um parecer sobre o arquivamento foi o senhor Jonas Lopes", disse ele, referindo-se à liberação do edital.

Além da propina no âmbito do TCE-RJ, a Odebrecht teria destinado dinheiro ilícito relacionado à reforma do Maracanã em favor de Sérgio Cabral. O ex-governador recebeu, de acordo com as delações, cerca de R$ 7,3 milhões para fraudar a licitação das obras no estádio. O valor teria sido fracionado entre ele, ex-secretários de Estado e outros integrantes do Tribunal de Contas.

metrô linha 4 - Divulgação - Divulgação
Projeto da linha 4 do metrô do Rio fazia parte do pacote de obras para a Olimpíada de 2016
Imagem: Divulgação

Linha 4 do metrô

Azevedo afirmou que houve cobrança de propina relacionada a outra obra do Estado, a construção da linha 4 do metrô, que representou o investimento mais alto do pacote olímpico de empreendimentos (cerca de R$ 10,4 bilhões).

Segundo ele, um executivo da construtora Queiroz Galvão, que fazia parte do consórcio, foi procurado pessoalmente pelo conselheiro do Tribunal, em 2014, e recebeu uma oferta. As empresas deveriam pagar propina para que o relatório de contas da linha 4 fosse aprovado.

Na ocasião, Lopes teria dito que faria as mesmas exigências a cada empreiteira --formavam o consórcio a Queiroz Galvão, a Carioca Engenharia e a Odebrecht. Em uma reunião na sede do TCE-RJ, o conselheiro solicitou 1% do valor do contrato, na versão do delator.

"Fiquei surpreso com a exigência de um valor tão alto, aproximadamente R$ 60 milhões, e disse a ele que não sabia a posição dos sócios e teria que consultá-los."

O ex-executivo disse ainda que, pouco tempo depois, em uma reunião na sede do Tribunal, houve uma "cobrança ostensiva" por parte de Lopes. Apesar da pressão, segundo ele, os representantes das três empreiteiras teriam permanecido "mudos e calados", conforme haviam combinado entre si.

"Eu e os representantes das outras duas empresas mantivemos o acordado e não nos manifestamos acerca da exigência feita. A CNO [sigla utilizada pelos funcionários da Odebrecht para se referir à empresa] não fez o pagamento.

29.mar.2017 -  Aloysio Neves, presidente do TCE-RJ, chega à sede da PF. Ele é alvo de mandado de prisão temporária - Estefan Radovicz/Agência O Dia/Estadão Conteúdo - Estefan Radovicz/Agência O Dia/Estadão Conteúdo
29.mar.2017 - Aloysio Neves, presidente afastado do TCE-RJ, foi preso na operação O Quinto do Ouro
Imagem: Estefan Radovicz/Agência O Dia/Estadão Conteúdo

Outro lado

A reportagem procurou o Tribunal de Contas do Estado do Rio e solicitou uma resposta oficial sobre o conteúdo das delações da Odebrecht. O órgão informou apenas que "os posicionamentos relativos às delações da Odebrecht devem ser obtidos junto aos advogados dos citados". "As delações não estão sendo comentadas pelo TCE-RJ."

O UOL tentou ainda contato com os representantes legais do conselheiro Jonas Lopes de Carvalho e José Maurício Nolasco, mas eles não foram localizados. Ambos tiveram a prisão temporária revogada pelo STF (Superior Tribunal de Justiça), assim como os demais conselheiros investigados na Operação O Quinto do Ouro (Aloysio Neves, Domingos Brazão, José Gomes Graciosa e Marco Antônio Alencar). Com exceção de Lopes, que aceitou a delação premiada, todos negam os crimes.

Já o governo do Rio nega que Pezão tenha recebido recursos ilícitos e alega que ele "jamais teve conta no exterior". Segundo o governador, todas as doações de campanha foram feitas de acordo com a Justiça Eleitoral.

As defesas de Cabral e de Wilson Carlos informam que eles só vão se manifestar sobre as acusações dos delatores em juízo.