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Após polêmica, ministra que citou 'trabalho escravo' desiste de pedir salário de R$ 61 mil

Luislinda Valois afirmou que deixar de receber pelo trabalho realizado "se assemelha a trabalho escravo" - Pedro Ladeira/Folhapress
Luislinda Valois afirmou que deixar de receber pelo trabalho realizado "se assemelha a trabalho escravo" Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

02/11/2017 14h53Atualizada em 03/11/2017 08h58

A ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois (PSDB), informou nesta quinta-feira (2) que desistiu do pedido apresentado ao governo para acumular seu salário com a aposentadoria como desembargadora, o que faria com que ela recebesse R$ 61 mil por mês, quase o dobro do limite legal para a remuneração de servidores.

Hoje, o teto do funcionalismo é o salário dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), de R$ 33.763. A desistência foi comunicada após o jornal "O Estado de S. Paulo" divulgar o teor do pedido. No documento, Luislinda Valois afirmou que deixar de receber pelo trabalho realizado "se assemelha a trabalho escravo".

"De mais a mais, vale acrescer que o trabalho executado se na correspondente contrapartida, a que se denomina remuneração, sem sombra de dúvidas, se assemelha a trabalho escravo o que também é rejeitado, peremptoriamente, pela legislação brasileira desde os idos de 1888 com a lei da Abolição da Escravatura, aliás, norma que recebeu o nº 3533", escreveu a ministra no documento revelado pelo jornal.

O salário da ministra é de R$ 30.900 e sua aposentadoria como desembargadora é de R$ 30.400. Caso o pedido fosse aceito pelo governo, ela receberia mais de R$ 61 mil por mês.

Mas, na prática, o governo abate o valor que excede o teto ao pagar o salário da ministra.

A informação sobre a desistência do pedido foi confirmada à reportagem do UOL pela assessoria da ministra.

O pedido repercutiu mal nas redes sociais e entre as entidades que atuam no combate a formas contemporâneas de escravidão. O frei Xavier Plassat, coordenador da campanha de combate ao trabalho escravo da Comissão Pastoral da Terra, afirmou que a comparação é absurda.

''Há um contraste entre a imensidão de benefícios que ela já recebe, além de um alto salário, e a situação de um trabalhador que não tem nem o básico para sobreviver, sem salário e muitas vezes sem comida e água'', afirmou Plassat, em entrevista ao blog do jornalista Leonardo Sakamoto, do UOL.

O Código Penal define trabalho escravo como aquele que submete o trabalhador a "trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto".

A comparação com o trabalho escravo feita pela ministra de Direitos Humanos, ocorre pouco tempo depois de o governo Temer se envolver numa polêmica sobre o tema ao publicar portaria que alterou as regras que definem o conceito de trabalho escravo para o Ministério do Trabalho.

A portaria foi classificada como um "claro retrocesso" pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e teve a validade suspensa por decisão da ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Rosa Weber.

Em sua decisão, a ministra Rosa Weber afirma que os novos critérios adotados pela portaria são demasiadamente restritivos e não estão de acordo com as leis brasileiras, acordos internacionais e as decisões da Justiça sobre o tema.

'Eu não errei'

Em entrevista à Rádio Gaúcha, concedida na manhã desta quinta, antes de a desistência ser divulgada, a ministra minimizou as críticas à comparação feita por ela com o trabalho escravo e disse não ter errado ao recorrer à analogia.

"É algum pecado se fazer alguma analogia? Eu acho que eu não pequei. Eu acho que eu não errei. Por favor, não me crucifiquem só por isso", afirmou Luislinda.

A ministra também afirmou considerar que não errou ao solicitar o acúmulo de salário com a aposentadoria.

"E como é que eu vou comer, como é que eu vou beber, como é que vou calçar?", perguntou a ministra aos entrevistadores da rádio.

“Eu acho que é um direito que eu tenho, porque eu estou trabalho. Eu estou trabalhando”, disse. "Gente, eu só fiz o requerimento, onde é que está meu erro?", perguntou a ministra.

“Eu como aposentada eu podia vestir qualquer roupa. Eu podia calçar uma sandália havaiana e sair pela rua. Mas como ministra de Estado eu não me permito andar dessa forma, eu tenho uma representatividade”, completou Luislinda.