Perícia não determina quando e como foi criada fórmula de suposta propina a Lula
Uma perícia feita pela Polícia Federal por ordem do juiz Sergio Moro não pôde determinar quando e em que equipamento foi registrada uma suposta propina de R$ 12,4 milhões da Odebrecht para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O laudo da perícia foi anexado nesta quinta-feira (23) ao processo da Operação Lava Jato sobre a suposta compra, por meio de laranjas, de um terreno em São Paulo para o Instituto Lula --nunca ocupado pela entidade-- e de um apartamento em São Bernardo do Campo (SP) para o ex-presidente. A propina teria sido paga em troca da atuação de Lula a favor da Odebrecht em oito contratos com a Petrobras. A defesa de Lula nega que o ex-presidente tenha a posse ou propriedade dos imóveis, menos ainda em contrapartida a contratos com a estatal.
O registro da quantia está na planilha intitulada "Posição Programa Especial Italiano", em que a Odebrecht controlaria uma "conta corrente" milionária de repasses ao PT. O "Italiano" seria o ex-ministro Antonio Palocci (PT). No documento, o valor de R$ 12,4 milhões aparece na mesma linha da expressão "Prédio (IL)", que seria uma referência a um prédio para o Instituto Lula, e decorre de uma fórmula matemática: ((3*1057) + 8217 + 1034).
A perícia foi feita em um arquivo da planilha que estava em um celular de Marcelo Odebrecht, ex-presidente do Grupo Odebrecht, cuja última alteração foi feita em novembro de 2013. A PF disse não ter encontrado "elementos que permitam identificar precisamente qual a data e horário em que foi incluída a fórmula citada".
Segundo o laudo, no entanto, dados do arquivo permitem "inferir" que a fórmula "foi incluída na planilha em algum momento" entre os dias 2 de agosto de 2010 e 25 de novembro de 2013 --isso, se os computadores usados para editar a planilha estavam com as configurações de data e hora em ordem.
Um recurso disponível no software de edição da planilha e que registraria as alterações feitas no arquivo foi desativado, diz a perícia.
A PF também esclarece que não foi possível encontrar o IP do equipamento que inseriu a fórmula na planilha. O IP tem forma de número e serve como a identificação de um computador ou celular, por exemplo.
Entretanto, os dados do arquivo da revelaram os nomes de quem criou a planilha e de quem fez a última modificação. São, respectivamente, "luciat" e "Hilberto M Alves da Silva Filho".
"Ou seja, esta planilha foi criada em um computador no qual o pacote Office tinha como informação de usuário a conta 'luciat'. A última edição desta planilha ocorreu em um computador cuja conta definida nas informações de usuário do pacote Microsoft Office apresentava valor 'Hilberto M Alves da Silva Filho'", diz o laudo.
A PF não faz esta relação, mas os dois nomes remetem a ex-integrantes do "setor de operações estruturadas", departamento da Odebrecht voltado para cuidar de pagamentos ilícitos. Hilberto Mascarenhas Alves da Silva Filho era o chefe do setor, onde também trabalhava Maria Lúcia Tavares. Ambos assinaram acordo de delação premiada.
Entenda a fórmula
Segundo o MPF, a fórmula ((3*1057) + 8217 + 1034) indica como foi dividida a quantia supostamente paga como vantagem indevida a Lula. A primeira parte, (3*1057), representaria três parcelas de R$ 1,057 milhão para o pagamento, em contas no exterior, de parte da compra do terreno supostamente destinado ao Instituto Lula.
A segunda parte, de R$ 8,2 milhões, seria referente ao mesmo imóvel, mas ao pagamento feito pela DAG Construtora --acusada de ser laranja da Odebrecht na transação. O dono da DAG, Demerval Gusmão, é ex-funcionário da Odebrecht e réu no processo que investiga o suposto pagamento de propina.
Já a parte final, de R$ 1,034 milhão, seria correspondente ao dinheiro repassado para o engenheiro Glaucos da Costamarques, suposto laranja de Lula na compra do apartamento em São Bernardo do Campo, e ao advogado Roberto Teixeira, que também teria participado do negócio. Costamarques e Teixeira também são réus neste processo da Lava Jato, e negam ter participado de operações irregulares.
Localizado no mesmo andar da residência de Lula, o apartamento é usado pela família do ex-presidente há anos. O pagamento dos aluguéis a Costamarques, que comprou o imóvel em 2010, tem sido assunto de uma polêmica que se estende há semanas no processo. O engenheiro disse que passou mais de cinco anos sem receber os aluguéis, enquanto o MPF questiona a veracidade de recibos entregues pela defesa de Lula --que, por sua vez, garante que os pagamentos estão quitados.
Odebrecht teria usado 'departamento de propina'
No fim de agosto, o MPF anexou ao processo documentos que, segundo os procuradores, mostram que a Odebrecht usou seu "setor de operações estruturadas" para pagar parte da compra do terreno supostamente destinado ao Instituto Lula.
Segundo o MPF, a Odebrecht usou empresas offshore no Panamá, na América Central, e em Antígua e Barbuda, no Caribe, para fazer os pagamentos, que totalizaram pouco mais de R$ 3 milhões em valores da época dos repasses. As companhias estavam registradas em nome de operadores da empreiteira. O conteúdo apresentado foi obtido por meio da análise de dados do sistema Drousys, usado pelo setor de operações estruturadas da Odebrecht.
Empresas offshore são usadas, em geral, para evitar que o real beneficiário dos recursos da companhia seja conhecido e, muitas vezes, para sonegar impostos. Elas podem operar no Brasil e não são necessariamente ilegais, podendo ser usadas, por exemplo, para facilitar transações entre partes de diferentes países. Brasileiros que detêm offshores devem declará-las à Receita Federal.
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