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Em programa de governo, PT defende referendo sobre ajustes de Temer e ampliação de estatais

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursa em carro de som no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, horas antes de entregar-se e ser preso pela PF (7.abr.2018) - Werther Santana/Estadão Conteúdo
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursa em carro de som no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, horas antes de entregar-se e ser preso pela PF (7.abr.2018) Imagem: Werther Santana/Estadão Conteúdo

Aiuri Rebello*

Do UOL, em São Paulo

27/04/2018 04h00

O PT montou um programa para um eventual futuro governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas o mais provável é que ele seja usado por um candidato substituto à Presidência, já que Lula está preso e inelegível de acordo com a lei da Ficha Limpa. O partido continua a dizer que o único indicado ao cargo vai ser Lula.

O documento propõe o fortalecimento e a ampliação das empresas estatais, em detrimento das privatizações, além da aplicação do modelo desenvolvimentista com forte indução estatal no crescimento econômico. 

Também traz o compromisso de um "referendo revogatório" das medidas de ajuste econômico implementadas no governo de Michel Temer (MDB), como o teto de gastos e a reforma trabalhista.

O UOL teve acesso com exclusividade à íntegra do documento, que deve ser lançado pela sigla nos próximos dias.

Com 354 páginas e intitulado "O Brasil que o Povo Quer, Contribuições para Elaboração de um Projeto de Nação a partir de Sete Eixos Intersetoriais", o programa de governo é dividido em eixos temáticos. 

No próprio texto, o PT ressalva que "o documento que ora apresentamos é o resultado preliminar" das bases do programa que está sendo montado há 18 meses "por mais de 300 estudiosos, pesquisadores e intelectuais" e que ainda pode sofrer alterações.

A disposição, no entanto, é que esta seja a proposta adotada como norteadora da campanha petista. "A ideia é que ela possa seguir sendo debatida de forma mais ampla, junto ao partido, aos movimentos sociais e à sociedade como um todo. Mas nossa expectativa é que, no formato atual, possa já oferecer uma contribuição válida àquelas e àqueles que estão pensando o Brasil", diz o PT.

"Esse é o nosso programa, vamos com ele até o final. Nesse documento, prometemos fazer tudo o que não fizemos nos nossos governos em matéria de reformas estruturais", afirmou à reportagem um petista que preferiu não ser identificado por não ter autorização para falar em nome da sigla.

Quais são as propostas

Logo na introdução, o programa afirma que "no curtíssimo prazo, terá que se enfrentar o referendo revogatório das medidas recentemente tomadas pelo governo Temer", sem no entanto detalhar quais seriam as medidas a serem referendadas. 

Mas dá uma pista: "[O governo Temer] Buscou implementar um programa político, econômico e social regressivo, que impôs constitucionalmente um teto de gastos às políticas sociais, uma flexibilização e desregulamentação das relações de trabalho por meio da terceirização e da reforma trabalhista, uma redução dos mecanismos de regulação do mercado, a privatização e desnacionalização de vários ativos estatais, além de abrir espaço para o fortalecimento de movimentos conservadores e fascistas responsáveis por intimidações, censuras, ataques e outras formas de manifestações contra a arte, a cultura, os direitos humanos e a liberdade de expressão".

Para o PT, "no médio prazo recomenda-se retomar o projeto desenvolvimentista, que tenha como princípio a redução das desigualdades".

"Será necessário retomar e ampliar o programa de investimentos públicos, fortalecer os bancos públicos, inovar na gestão e no financiamento dos bens e serviços comuns, retomar e fortalecer as empresas estatais e a exploração de petróleo do pré-sal", diz o documento do PT.

Apesar da inelegibilidade, o PT afirma que vai registrar a candidatura de Lula até o dia 15 de agosto (data limite para esse procedimento).

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) possui até 20 dias antes do primeiro turno para aceitar ou não os registros dos postulantes.

Até lá, a sigla pode manter Lula como candidato. Após esta decisão, caso o registro seja negado, ainda cabem recursos ao próprio TSE e ao STF (Supremo Tribunal Federal), mas de acordo com juristas as chances de Lula conseguir efetivamente concorrer é muito pequena.

Corrupção é citada 13 vezes

Não há um tópico específico para o tema do combate à corrupção. O termo é citado 13 vezes no documento, na maioria dos casos para defender maior participação e fiscalização popular como formas de combate ao crime, dizer que esse não é o principal problema do Brasil e que a corrupção assola o atual governo.

Não há uma autocrítica ou lembrança dos escândalos nessa seara que tolheram os governos de Dilma Rousseff (de 2011 a meados de 2016) e Lula (de 2003 a 2010).

O programa de governo é dividido em: sistema internacional, soberania e defesa nacional; participação popular, liberdade, direitos e diversidade; qual democracia queremos?; integração e coesão nacionais e oferta de serviços públicos nos diversos territórios; é possível construir um país mais justo para todos?; o que é qualidade de vida para você?; como aumentar nossa infraestrutura de bens comuns?; como reduzir a desigualdade e garantir inclusão social no Brasil?; e desenvolvimento econômico e sustentabilidade: como mobilizar recursos naturais e industriais gerando riqueza para todos?.

Cada eixo é assinado por um coordenador diferente.

Dos sete tópicos do documento, o que ocupa mais espaço de argumentação fala sobre desenvolvimento econômico e sustentabilidade, sob responsabilidade de José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras nos governos do PT e responsável pela firma quando aconteceram a maioria dos desvios investigados na Operação Lava Jato.

Outros temas caros aos petistas estão presentes, como a "democratização" dos meios de comunicação, reforma agrária, política e tributária.

O documento, o primeiro oficial com ideias e propostas do PT para estas eleições, deve desagradar ao chamado "mercado" e contrasta com a Carta ao Povo Brasileiro, divulgada por Lula antes das eleições de 2002, quando ele foi eleito pela primeira vez.

Na Carta, o PT assumia publicamente os compromissos com estabilidade econômica, controle de gastos e medidas liberais adotadas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP).

* Colaborou Wellington Ramalhoso, de São Paulo