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"Não há razões para acreditar que terei Justiça", diz Lula

7.abr.2018 - O ex-presidente Lula chega à sede da PF em Curitiba para cumprir pena - AP Photo/Leo Correa
7.abr.2018 - O ex-presidente Lula chega à sede da PF em Curitiba para cumprir pena Imagem: AP Photo/Leo Correa

Felipe Amorim*

Do UOL, em Brasília

03/07/2018 13h24Atualizada em 03/07/2018 14h37

Em carta lida pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e intitulada “Carta em Defesa da Democracia”, na tarde desta terça-feira (3), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou não ter mais "razões para acreditar que terá Justiça". O petista criticou integrantes do STF (Supremo Tribunal Federal), disse que é inocente e reafirmou que será o candidato do partido nas eleições presidenciais deste ano.

No documento assinado por Lula, o ex-presidente diz que os ministros da Suprema Corte têm repetido o comportamento de magistrados das primeiras instâncias e que tudo isso leva a crer que ele “não terá Justiça”.

“Tudo isso me leva a crer que já não há razões para acreditar que terei Justiça, pois o que vejo agora, no comportamento público de alguns ministros da Suprema Corte, é a mera reprodução do que se passou na primeira e na segunda instâncias”, afirma.

O ex-presidente disse também que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Edson Fachin, manobrou para não julgar um recurso que poderia tirar o petista da prisão.

Na semana passada, Fachin remeteu novamente ao plenário do STF o recurso que pede a suspensão da condenação de Lula. A defesa do petista defende que o caso seja julgado na 2ª Turma do STF, colegiado formado por cinco ministros, que tem concedido decisões favoráveis a investigados na Lava Jato. 

Recentemente, em sessão do dia 26, a 2ª Turma concedeu liberdade ao ex-ministro José Dirceu (PT) e ao ex-assessor do PP João Cládio Genu.

"Com mais esta manobra, foi subtraída, outra vez, a competência natural do órgão a que cabia o julgamento do meu caso. Como ficou demonstrado na sessão do dia 26 de junho, em que minha cautelar seria julgada, a 2ª Turma tem o firme entendimento de que é possível a concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário interposto em situação semelhante à do meu. As manobras atingiram seu objetivo: meu pedido de liberdade não foi julgado", diz Lula, na carta divulgada hoje.

O primeiro recurso de Lula contra sua prisão foi julgado pelo plenário do STF em 5 abril, quando o petista foi derrotado por um placar de 6 a 5 entre os votos dos 11 ministros, que se negaram a suspender uma possível prisão do ex-presidente. Após a decisão, Lula teve sua prisão decretada pelo juiz Sergio Moro e foi preso no dia 7 daquele mês. Ele cumpre pena de 12 anos e um mês de prisão em regime fechado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex em Guarujá.

"Não estou pedindo favor; estou exigindo respeito. Ao longo da minha vida, e já conto 72 anos, acreditei e preguei que mais cedo ou mais tarde sempre prevalece a Justiça para pessoas vítimas da irresponsabilidade de falsas acusações", afirma Lula.

Na carta, o ex-presidente reafirma que é inocente e diz que mantém sua intenção de ser candidato a presidente da República nas eleições desse ano, apesar de já ter sido condenado em segunda instância e, em tese, pela lei da Ficha Limpa, estar inelegível. Quem decidirá se Lula pode ou não ser candidato é a Justiça Eleitoral.

Em reunião da cúpula do partido, o PT decidiu que fará uma manifestação na data do registro da candidatura de Lula no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), prevista para o dia 15, data limite para o pedido de registro pelos candidatos. Ainda não há definição sobre o local da manifestação, que deverá ocorrer em Brasília. Após o registro de candidatura, a Justiça Eleitoral analisará a possibilidade de Lula ser ou não candidato.

Leia a íntegra da carta:

CARTA EM DEFESA DA DEMOCRACIA

Meus amigos e minhas amigas,

Chegou a hora de todos os democratas comprometidos com a defesa do Estado Democrático de Direito repudiarem as manobras de que estou sendo vítima, de modo que prevaleça a Constituição e não os artifícios daqueles que a desrespeitam por medo das notícias da Televisão.

A única coisa que quero é que a Força Tarefa da Lava Jato, integrada pela Polícia Federal, pelo Ministério Público, pelo Moro e pelo TRF-4, mostrem à sociedade uma única prova material de que cometi algum crime. Não basta palavra de delator nem convicção de power point. Se houvesse imparcialidade e seriedade no meu julgamento, o processo não precisaria ter milhares de páginas, pois era só mostrar um documento que provasse que sou o proprietário do tal imóvel no Guarujá.

Com base em uma mentira publicada pelo jornal O Globo, atribuindo-me a propriedade de um apartamento em Guarujá, a Polícia Federal, reproduzindo a mentira, deu início a um inquérito; o Ministério Público, acolhendo a mesma mentira, fez a acusação e, finalmente, sempre com fundamento na mentira nunca provada, o Juiz Moro me condenou. O TRF-4, seguindo o mesmo enredo iniciado com a mentira, confirmou a condenação.

Tudo isso me leva a crer que já não há razões para acreditar que terei Justiça, pois o que vejo agora, no comportamento público de alguns ministros da Suprema Corte, é a mera reprodução do que se passou na primeira e na segunda instâncias.

Primeiro, o Ministro Fachin retirou da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal o julgamento do habeas corpus que poderia impedir minha prisão e o remeteu para o Plenário. Tal manobra evitou que a Segunda Turma, cujo posicionamento majoritário contra a prisão antes do trânsito em julgado já era de todos conhecido, concedesse o habeas corpus. Isso ficou demonstrado no julgamento do Plenário, em que quatro do cinco ministros da Segunda Turma votaram pela concessão da ordem.

Em seguida, na medida cautelar em que minha defesa postulou o efeito suspensivo ao recurso extraordinário, para me colocar em liberdade, o mesmo Ministro resolveu levar o processo diretamente para a Segunda Turma, tendo o julgamento sido pautado para o dia 26 de junho. A questão posta nesta cautelar nunca foi apreciada pelo Plenário ou pela Turma, pois o que nela se discute é se as razões do meu recurso são capazes de justificar a suspensão dos efeitos do acordão do TRF-4, para que eu responda ao processo em liberdade.

No entanto, no apagar das luzes da sexta-feira, 22 de junho, poucos minutos depois de ter sido publicada a decisão do TRF-4 que negou seguimento ao meu recurso (o que ocorreu às 19h05m), como se estivesse armada uma tocaia, a medida cautelar foi dada por prejudicada e o processo extinto, artifício que, mais uma vez, evitou que o meu caso fosse julgado pelo órgão judicial competente (decisão divulgada às 19h40m).

Minha defesa recorreu da decisão do TRF-4 e também da decisão que extinguiu o processo da cautelar. Contudo, surpreendentemente, mais uma vez o relator remeteu o julgamento deste recurso diretamente ao Plenário. Com mais esta manobra, foi subtraída, outra vez, a competência natural do órgão a que cabia o julgamento do meu caso. Como ficou demonstrado na sessão do dia 26 de junho, em que minha cautelar seria julgada, a Segunda Turma tem o firme entendimento de que é possível a concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário interposto em situação semelhante à do meu. As manobras atingiram seu objetivo: meu pedido de liberdade não foi julgado.

Cabe perguntar: por que o relator, num primeiro momento, remeteu o julgamento da cautelar diretamente para a Segunda Turma e, logo a seguir, enviou para o Plenário o julgamento do agravo regimental, que pela lei deve ser apreciado pelo mesmo colegiado competente para julgar o recurso?

As decisões monocráticas têm sido usadas para a escolha do colegiado que momentaneamente parece ser mais conveniente, como se houvesse algum compromisso com o resultado do julgamento. São concebidas como estratégia processual e não como instrumento de Justiça. Tal comportamento, além de me privar da garantia do Juiz natural, é concebível somente para acusadores e defensores, mas totalmente inapropriado para um magistrado, cuja função exige imparcialidade e distanciamento da arena política.

Não estou pedindo favor; estou exigindo respeito.

Ao longo da minha vida, e já conto 72 anos, acreditei e preguei que mais cedo ou mais tarde sempre prevalece a Justiça para pessoas vítimas da irresponsabilidade de falsas acusações. Com maior razão no meu caso, em que as falsas acusações são corroboradas apenas por delatores que confessaram ter roubado, que estão condenados a dezenas de anos de prisão e em desesperada busca do beneplácito das delações, por meio das quais obtêm a liberdade, a posse e conservação de parte do dinheiro roubado. Pessoas que seriam capazes de acusar a própria mãe para obter benefícios.

É dramática e cruel a dúvida entre continuar acreditando que possa haver Justiça e a recusa de participar de uma farsa.
Se não querem que eu seja Presidente, a forma mais simples de o conseguir é ter a coragem de praticar a democracia e me derrotar nas urnas.

Não cometi nenhum crime. Repito: não cometi nenhum crime. Por isso, até que apresentem pelo menos uma prova material que macule minha inocência, sou candidato a Presidente da República. Desafio meus acusadores a apresentar esta prova até o dia 15 de agosto deste ano, quando minha candidatura será registrada na Justiça Eleitoral.

Luiz Inácio Lula da Silva
Curitiba, 3 de julho de 2018

*Colaborou Mirthyani Bezerra