Lava Jato investiga "contatos políticos" de empresário acusado de chefiar cartel na saúde do Rio
A força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro investiga de que forma o empresário Miguel Iskin, alvo das operações Fatura Exposta e Ressonância, agia junto a "contatos políticos" a fim de liberar verbas para licitações fraudadas por um grandioso cartel que funcionava no Into (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia) desde 1996.
Na quarta-feira (4), Iskin, dono do grupo Oscar Iskin, e outros 19 suspeitos foram presos pela Polícia Federal na Operação Ressonância --entre os quais um executivo da Philips e o CEO da GE (General Eletric). A estimativa de prejuízo aos cofres públicos chega a R$ 1,2 bilhão (valor que foi bloqueado pela Justiça), sendo R$ 600 milhões relativos a danos materiais.
No pedido de prisão apresentado à 7ª Vara Federal Criminal, do juiz Marcelo Bretas, os procuradores do MPF (Ministério Público Federal) reproduzem trechos da delação de Leandro Camargo, sócio-administrador de uma das empresas componentes do cartel (Per Prima Comércio e Representação). O acordo de colaboração foi homologado pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli.
Camargo afirma que, para os membros do cartel (que ficou conhecido como "clube do pregão internacional"), o dinheiro para compra de próteses, insumos e equipamentos hospitalares "vinha de Brasília" e era "captado e trazido" por Iskin "por meio de seus contatos políticos na capital". E diz que, na visão do grupo criminoso, "o dinheiro, portanto, pertencia a ele".
Entre os "contatos políticos" mencionados pelo delator, é "provável" que haja parlamentares federais, segundo afirmou ao UOL a procuradora da República Marisa Ferrari.
No pedido de prisão, a força-tarefa observa que, com o desmembramento do acordo de colaboração, apenas "os anexos relativos aos agentes sem foro por prerrogativa de função" foram remetidos do STF para a 7ª Vara Federal Criminal. Ou seja, parte da delação segue no Supremo.
Marisa ressaltou que não poderia comentar investigações em andamento, em especial as que envolvem políticos com foro privilegiado. Disse, no entanto, que a força-tarefa "pode antever que há participação de outros agentes públicos", em referência a parlamentares e também funcionários do Ministério da Saúde.
"Esse esquema não estava restrito à simples administração local do Into."
Para a Lava Jato, as fraudes também ocorreram em licitações feitas pelo Ministério da Saúde e em contratos celebrados pela Secretaria de Estado de Saúde. As informações constam na delação premiada de Cesar Romero, que ocupou o cargo de subsecretário de Saúde na gestão do ex-governador Sérgio Cabral (MDB).
Entre os presos na Operação Ressonância, na quarta (4), está o diretor do Departamento de Gestão Hospitalar do Estado do RJ (órgão da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde), Jair Vinnicius Ramos da Veiga, conhecido como Capitão Veiga.
Parte do dinheiro liberado pelo ministério para o Into foi desviado por meio de fraudes no Programa Suporte, responsável por financiar a compra de equipamentos de ortopedia e traumatologia para unidades do SUS em outros estados. Somente no período de 2005 a 2010, de acordo com análise do TCU (Tribunal de Contas da União), o hospital recebeu cerca de R$ 180 milhões a título de despesa efetivamente paga.
Em nota, a pasta federal informou apenas que "o Into possui orçamento próprio". "As licitações são realizadas de forma independente e são de responsabilidades dos seus gestores", afirmou o ministério.
'O dono do dinheiro'
O argumento de que as verbas orçamentárias do Into "pertenciam" ao dono da Oscar Iskin --empresa de importação e comércio de equipamentos hospitalares-- garantiam a ele e às suas empresas associadas a maior parte do dinheiro desviado (80%), segundo a Lava Jato. "Ele falava que era o responsável por conseguir a liberação orçamentária e que, por isso, julgava-se dono do orçamento e poderia ter a maior fatia", disse Marisa.
Segundo as investigações, além de manipular as licitações e definir os vencedores, Iskin cobrava das empresas um "pedágio" de 13% (em relação ao montante pago pelo hospital nas contratações) para custear a propina destinada a funcionários da unidade e agentes públicos em Brasília.
"(...) todos deveriam pagar o 'pedágio' em cima de suas vendas, pois os acertos com Brasília eram calculados em cima do total de dinheiro que estava disponível para compra de implantes", relatou o delator.
Em outro trecho, Camargo afirma que o "pedágio" era entregue em espécie ao empresário Gustavo Estellita, também preso nesta quarta (4) e apontado como operador financeiro de Iskin. Quando havia atraso no pagamento, narra o delator, a cúpula do cartel fazia ameaças às empresas.
O colaborador diz ainda que "(...) a alegação para justificar o pagamento desses valores [os 13%] era a dívida de acertos com 'Brasília'".
"O fundamento alegado para a cobrança do 'pedágio' era que a verba do Into para aquisições seria de Miguel Iskin, pois ele trazia, por intermédio de seus contatos políticos em Brasília, um montante de dinheiro superior ao estimado pelo planejamento anual", explicam os procuradores da força-tarefa no pedido de prisão.
"Deste modo, o maior percentual do montante, aproximadamente 70% a 80% (setenta a oitenta por cento), era destinado à sua empresa, a Oscar Iskin. Os 20% restantes eram, então, divididos entre as outras empresas."
As informações prestadas por Camargo foram cruzadas com outras delações, como a do ex-subsecretário de Saúde do RJ Cesar Romero e a de Carlos Miranda, apontado como operador financeiro do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB).
Além disso, a Receita Federal, o Cade (Conselho de Defesa Administrativa), o TCU (Tribunal de Contas da União) e a CGU (Controladoria-Geral da União) fizeram uma perícia em todos os procedimentos licitatórios suspeitos no Into e na Secretaria de Estado de Saúde.
As fraudes na saúde pública do RJ foram reveladas a partir da Operação Fatura Exposta, realizada em abril de 2017 e que levou à prisão Sérgio Côrtes, um dos homens da cúpula de Cabral. O ex-secretário de Saúde do RJ, que ocupou o cargo durante praticamente toda a gestão do ex-governador, era um dos agentes públicos ligados a Iskin e que atuavam em benefício do cartel.
Na versão acusatória, Côrtes recebeu propina para favorecer as empresas de Iskin (US$ 4 milhões) e repassou montante de R$ 16 milhões a Cabral. Atualmente, o ex-secretário cumpre medida cautelar de recolhimento domiciliar noturno por decisão liminar do ministro do STF Gilmar Mendes. Já o ex-governador está preso no Complexo Penitenciário de Bangu, na zona oeste carioca, e já acumula mais de 120 anos de prisão em condenações na Lava Jato.
Contêineres de próteses eram incinerados, diz delator
Juntos, empresários e agentes públicos direcionavam as demandas públicas, de acordo com os investigadores. Após a definição dos editais, os criminosos providenciavam a desclassificação ilícita de concorrentes que não faziam parte do cartel.
Para eliminar a concorrência, o grupo de empresas manipulava a divulgação dos editais, solicitava a "carta de solidariedade" dos fabricantes (uma espécie de termo de compromisso, exigência que é vedada pelo Tribunal de Contas da União), realizava pregões presenciais (em vez de eletrônicos) e não cotava preços por item, conforme orientação dos órgãos de controle (usava preços globais nas licitações).
"As empresas que não faziam parte do clube eram sempre desclassificadas e não chegavam nem à fase de lances", declarou o superintendente da Controladoria Regional da União no RJ, Vinícius de Sá Nery.
Outra irregularidade detectada foi a aquisição de equipamentos e insumos além da demanda pública. "Eles chegaram a comprar, por exemplo, mais mesas cirúrgicas do que existem salas de cirurgia no Into", afirmou Marisa. "Foram encontrados equipamentos de alta complexidade que estavam sem uso."
De acordo com o delator, a situação, por vezes, também gerava desperdício de próteses.
"Depois que homologava o pregão, os pedidos de empenhos dos grandes grupos (joelho, quadril, coluna, trauma e ombro) eram feitos de acordo com a necessidade de venda da Oscar Iskin, e não de compra do Into, e que isso causava sobra de estoque; que o colaborador soube que essa sobra era tão significativa que foram incinerados dois contêineres de próteses vencidas no velho Into", diz o trecho da denúncia do MPF referente à delação de Camargo.
Outro lado
Alexandre Lopes, advogado de Miguel Iskin, afirmou que a prisão é "ilegal" e criticou o uso de informações de delator.
"Mais uma prisão ilegal que será revogada pelos tribunais brasileiros. Trata-se de repetição de operação anterior, na qual custódia preventiva já foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal. Causa perplexidade a utilização como base da prisão depoimentos de um delator chamado Cesar Romero, que ouvido em Juízo, anteriormente, foi flagrado em várias mentiras. Suas delações deveriam ser anuladas, e não usadas como arrimo de prisão ilegal", afirmou.
A Philips informou, em nota, que está "cooperando com as autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos quanto às alegações apresentadas, que datam de muitos anos atrás".
"Os atuais líderes executivos da Philips não são parte da ação da Polícia Federal; um colaborador da equipe de vendas da Philips foi conduzido para prestar esclarecimentos. A política da Philips é realizar negócios de acordo com todas as leis, regras e regulamentos aplicáveis. Quaisquer investigações sobre possíveis violações dessas leis são tratadas muito seriamente pela empresa."
A GE informou, em nota, que "as alegações [da Lava Jato] são referentes ao período em que o executivo [Daurio Speranzini Júnior] atuou na liderança de outra empresa" e que "não é alvo das investigações". "A empresa acredita que os fatos serão esclarecidos pela Justiça e está à disposição para colaborar com as autoridades."
Em nota, a Johnson & Johnson disse que "segue rigorosamente as leis do país e está colaborando integralmente com as investigações em andamento".
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