Caso Flávio Bolsonaro pode colocar atuação de MP e Coaf na mira do STF
A suspensão da investigação sobre as movimentações financeiras de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), a pedido do próprio parlamentar, pode colocar na rota do STF (Supremo Tribunal Federal) uma análise sobre o alcance do intercâmbio deste tipo de informação, sem autorização judicial, entre o Ministério Público e o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
A decisão tomada na quinta-feira (17) pelo ministro Luiz Fux, durante o recesso do STF, prevê a interrupção do processo até que o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Mello, se pronuncie -- o que não tem prazo para acontecer. O Supremo retoma as atividades no dia 1º.
Quando Marco Aurélio analisar o caso, terá que deliberar não só sobre a instância da investigação -- se fica na primeira instância, no Rio, ou sobe para o Supremo --, mas também sobre a legalidade do fluxo de informações entre o MP-RJ e o Coaf, assim como a validade das provas obtidas desta forma.
A defesa de Flávio Bolsonaro acusa o MP-RJ de ter usado o Coaf para "criar 'atalho' e se furtar ao controle do Poder Judiciário", buscando obter informações do senador eleito protegidas pelo sigilo bancário, segundo trechos da decisão de Fux.
Os advogados do senador eleito também afirmam que a investigação do MP-RJ sobre Queiroz tem como base informações sigilosas "obtidas de forma ilegal" junto ao Coaf, que teriam sido requeridas diretamente ao órgão de controle "sem qualquer crivo judicial". O Coaf foi o órgão que detectou movimentações financeiras atípicas de R$ 1,2 milhão em uma conta bancária do ex-assessor de Flávio Bolsonaro.
A defesa de Flávio cita ainda uma decisão de 2016 do STJ (Superior Tribunal de Justiça) segundo a qual "a obtenção e o uso, para fins de investigação criminal", de dados que sustentam relatórios do Coaf "dependem de autorização judicial".
No ano seguinte, porém, o mesmo STJ julgou outro processo em que não viu ilegalidade em um pedido direto de informações pelo MP ao Coaf. "O que define a violação à garantia do sigilo fiscal e bancário é o conteúdo das informações constantes no relatório do Coaf", diz a decisão.
Em nota, o MP-RJ disse que o caso tramita sob sigilo e, por isso, não comentaria o mérito da decisão de Fux. O Coaf informou que não comenta casos específicos.
"Vai valer agora?"
Um advogado criminalista que atua em casos da Operação Lava Jato disse que viu a decisão do ministro Fux com espanto.
Sob a condição de anonimato, ele disse que sempre defendeu a tese de que o compartilhamento de dados do Coaf sem autorização judicial configuraria quebra ilegal de sigilo bancário. Mesmo assim, ele diz que sempre perdeu quando levou essa tese aos tribunais.
"Em todas as vezes que usei essa linha de argumentação, eu perdi. Por isso fiquei surpreso com a decisão do ministro. Se não valia lá atrás, será que vai valer agora?", indagou.
Segundo o advogado criminalista Leonardo Pantaleão, há decisões judiciais recentes permitindo que dados sigilosos sejam encaminhados diretamente ao MP. O entendimento é de que o órgão, como representante do Estado e responsável pela persecução penal (ou seja, participa da investigação e do processo judicial), pode requisitar diretamente as informações para fins de investigação.
No entanto, para Pantaleão, tal intercâmbio direto de informações é ilegal. Segundo o advogado, o MP não pode atuar "de maneira ilimitada", já que também é parte no processo.
"Nada justifica que o Ministério Público, que não integra o Poder Judiciário, possa requisitar essas informações sigilosas e o Coaf as fornecer sem um aval judicial", afirmou.
O advogado e professor de Direito Gustavo Badaró disse não ter acesso aos detalhes do caso envolvendo Flávio Bolsonaro, mas afirmou que é preciso ficar atento ao fluxo das informações que saíram do Coaf em direção ao Ministério Público.
"O normal é que o Coaf envie um relatório ao MP e, se houver indícios de irregularidade, o MP abre uma investigação. O que não pode é o MP requerer informações ao Coaf para, só então, decidir se abre uma investigação ou não", afirmou. "Muitas vezes, o MP pede informações do Coaf para só depois abrir uma investigação. Aí, a gente tem uma quebra indireta do sigilo."
Pedido deve ter indício de ilícito
Segundo o Coaf, a responsabilidade pela preservação do sigilo de seus relatórios é dos órgãos a que são destinados. Os relatórios podem ser elaborados por iniciativa do Coaf, a partir de comunicações ou denúncias de transações suspeitas; ou a pedido de outras autoridades.
Neste segundo caso, o pedido deve conter "o número e a natureza do procedimento de investigação instaurado; informações sobre os fundados indícios da existência do(s) ilícito(s) sob investigação, com indicação do(s) respectivo(s) tipo(s) penal(is); identificação das pessoas envolvidas na investigação, com indicação do nome e do CPF ou CNPJ, conforme o caso", informa o Coaf em seu site.
Criado em 1998, o Coaf é responsável por identificar movimentações financeiras suspeitas e comunicar as autoridades competentes sobre elas. O órgão sempre foi ligado ao Ministério da Fazenda, mas no governo de Jair Bolsonaro (PSL), ficará sob o Ministério da Justiça e Segurança Pública, comandado por Sergio Moro.
A mudança aconteceu justamente a pedido de Moro, que foi juiz da Lava Jato -- investigação em que o Coaf teve papel importante, identificando movimentações financeiras atípicas envolvendo políticos e empresários.
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