Flávio não pode escolher foro mas recurso ao STF não é obrigatório; entenda
Em sua primeira entrevista após a suspensão das investigações contra o ex-assessor Fabrício Queiroz, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) afirmou que não pode escolher se terá ou não foro privilegiado e que recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal) para cumprir uma "obrigação legal" de seguir as regras fixadas pelo Supremo.
O UOL pediu que advogados e pesquisadores em Direito opinassem sobre a fala de Flávio. Eles afirmaram que o senador, filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL), acerta ao dizer que não cabe a ele a decisão sobre em qual instância será investigado. Mas, diferentemente do que Flávio defende, ele não era obrigado a recorrer ao STF.
Ou seja, a decisão sobre em qual instância judicial um processo deverá tramitar é sempre do Judiciário e não há, legalmente, a possibilidade de se recusar o benefício do foro privilegiado. Mas, neste momento do processo, a própria Justiça ainda não decidiu qual é a instância correta em que o caso deve ser resolvido. A decisão caberá ao ministro Marco Aurélio Mello em fevereiro.
Na segunda parte de sua fala, Flávio afirma que, após o Ministério Público do Rio, um órgão ligado à Justiça de primeira instância, ter começado uma investigação por iniciativa própria, ele tinha "obrigação legal" de recorrer ao STF para mostrar que os promotores do Rio estavam agindo de forma errada.
Porém, os especialistas ouvidos pelo UOL disseram que os termos usados por Flávio podem ter sido exagerados. Isso porque a decisão de recorrer para questionar se o caso pertencia ao STF é uma escolha livre do investigado e não haveria qualquer obrigação legal determinando que ele acionasse o Supremo. Isto é, ele não sofreria nenhuma punição se não tivesse recorrido.
Entrevista de Flávio
As afirmações de Flávio Bolsonaro que deram margem a esse debate foram feitas em entrevista à TV Record na noite da sexta-feira (18), quando o senador foi perguntado sobre quais os motivos de ter pedido ao Supremo a suspensão das investigações que ocorriam na primeira instância.
Flávio respondeu que cabe ao STF analisar caso a caso onde devem correr as investigações contra senadores.
"Então a ideia de fazer isso foi simplesmente para que cumpríssemos essa obrigação legal e estivéssemos obedecendo o próprio entendimento do Supremo Tribunal Federal, que está escrito que eles têm que analisar caso a caso qual é a competência. Então, nada mais justo que consultar o órgão competente, o que o Ministério Púbico deveria ter feito e não fez", afirmou Flávio.
"Eu sou contra o foro. Agora, não é uma escolha minha. O foro é por prerrogativa de função, então, querendo ou não querendo, eu tenho que entrar com o remédio legal no órgão competente. O STF é o único órgão que pode falar qual é o foro. Não estou me escondendo de nada nem defendendo foro privilegiado para mim. Vou onde tiver que ir para esclarecer qualquer coisa", disse o senador.
Processo parado
O ministro do STF Luiz Fux aceitou o argumento do senador e suspendeu as investigações do MPRJ (Ministério Público do Rio de Janeiro).
Na decisão, Fux afirma que o MPRJ fez apurações sobre Flávio em "período posterior à confirmação de sua eleição para o cargo de Senador da República" e caberia ao STF "a decisão, caso a caso, acerca da incidência ou não da sua competência originária".
Na decisão, Fux não especifica a partir de qual data passou a considerar que Flávio Bolsonaro estaria protegido pelo foro privilegiado.
A Constituição Federal afirma que os senadores devem ser julgados pelo STF a partir da diplomação, ato realizado dois meses antes da posse, no qual a Justiça Eleitoral atesta o resultado das urnas.
Flávio Bolsonaro foi diplomado em 18 de dezembro. Na decisão, Fux cita ter sido informado pela defesa do senador de que o MPRJ teria solicitado informações ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) em 14 de dezembro, portanto quatro dias antes da diplomação.
A decisão de Fux não fixou em qual foro Flávio será investigado. O ministro, atuando como plantonista durante o recesso judiciário, apenas interrompeu as investigações até que o relator do recurso no Supremo, ministro Marco Aurélio decida sobre quem deve seguir com o caso.
Contudo, Marco Aurélio tem indicado que deverá devolver o caso de Flávio Bolsonaro ao Ministério Público do Rio.
As opiniões dos analistas
O advogado criminalista Thiago Turbay Freiria afirma que não há a opção do réu ou investigado de abrir mão do foro privilegiado, decisão que cabe ao Judiciário, mas que a decisão sobre recorrer à Justiça é sempre uma escolha e não uma obrigação legal.
"A prerrogativa [de foro] é uma proteção ao cargo e à função, não é um atributo personalíssimo. Ele não pode dispor ou escolher, o que ofenderia o princípio do juiz natural", afirma o advogado.
"Recorrer é uma faculdade do réu ou investigado. Ele está fazendo legítimo exercício de defesa", diz.
Um professor de Direito Constitucional que conhece bem o Judiciário em Brasília e pediu para não ser identificado tem opinião semelhante. "Você não pode renunciar ao foro, mas ele não era obrigado a recorrer ao STF", diz o professor. A avaliação dele é a de que, pelos critérios do próprio STF, Flávio Bolsonaro não teria direito ao foro privilegiado nesse caso. Ou seja, o Ministério Público do Rio teria agido de forma correta - ao contrário do que argumenta Flávio.
O professor baseia sua opinião nos argumentos de que, além de não figurar formalmente como investigado, Flávio ainda não tomou posse no cargo de senador e, portanto, os fatos sob suspeita não teriam relação com o futuro mandato.
Em maio do ano passado, o STF restringiu as regras do foro privilegiado para que apenas crimes praticados durante o mandato e que tenham relação com o exercício das funções de parlamentar sejam julgados pelo Supremo.
O advogado criminalista e mestre em direito penal pela USP (Universidade de São Paulo) Jovacy Peter Filho afirma que as regras do foro são fixadas pela Constituição Federal e não há liberdade de escolha ao investigado. Mas ele diz que Flávio Bolsonaro poderia ter optado por não recorrer ao Supremo, o que indicaria concordância com o entendimento de que o foro adequado para a investigação seria a Justiça do Rio de Janeiro.
"Há uma regra geral de que ninguém é obrigado a recorrer, e isso é um princípio que diz respeito a qualquer tipo de recurso, salvo recursos feitos em nome do Estado", diz Peter Filho.
"Não há a obrigatoriedade nem de que ele recorresse e muito menos de que ele usasse uma reclamação constitucional [recurso ao STF]. Ele poderia não recorrer, e se não recorresse estaria concordando que a competência [atribuição] seria da Justiça do Rio, ou poderia questionar essa competência no próprio Tribunal de Justiça do Rio", afirma o advogado.
Quais são as suspeitas?
Flávio Bolsonaro entrou na mira do MPRJ após o Coaf informar ao Ministério Público da existência de transações atípicas envolvendo o seu ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz.
Criado em 1998, o Coaf é responsável por identificar movimentações financeiras suspeitas e comunicar as autoridades competentes sobre elas. O órgão sempre foi ligado ao Ministério da Fazenda, mas no governo de Jair Bolsonaro (PSL), ficará sob o Ministério da Justiça e Segurança Pública, comandado por Sergio Moro.
O órgão identifica e comunica às autoridades movimentações financeiras consideradas atípicas, ou seja, que não são compatíveis com a capacidade financeira do autor das movimentações ou que seguem um padrão comumente utilizado na prática de crimes.
Posteriormente, um novo relatório do Coaf apontou que Flávio recebeu 48 depósitos de R$ 2.000 cada um entre junho e julho de 2017, totalizando R$ 96.000. A informação foi divulgada na noite desta sexta-feira (18) pela TV Globo.
Quebra de sigilo
No recurso ao STF, o senador diz que o Coaf teria quebrado ilegalmente seu sigilo bancário e fiscal, pois enviou diretamente as informações ao MPRJ, sem que houvesse autorização judicial para as investigações.
O Ministério Público afirmou que não houve a quebra dos sigilos fiscal e bancário do senador durante as investigações.
Segundo o MPRJ, Flávio Bolsonaro não figura formalmente como um dos investigados na apuração, mas não estaria descartada sua inclusão entre os investigados após a futura análise das provas coletadas.
O senador afirmou à Record que houve a quebra de sigilo e que o MPRJ mentiu ao negar que ele figura entre os investigados.
"Teve quebra de sigilo, está lá a movimentação: quanto entrou em minha conta, de que forma, quanto gastei de cartão de crédito, quanto saiu, quanto recebi de salário. Eu estou sendo investigado desde meados do ano passado", disse.
A necessidade de autorização judicial para o compartilhamento de informações entre o Coaf e órgãos de investigação também é defendida pelo advogado Thiago Turbay Freiria. "Defendo que a transferência de dados da Receita Federal precisa ser mediante decisão judicial, motivada e fundamentada", diz o advogado.
A ausência de autorização judicial para o uso de dados do Coaf em investigações criminais é alvo de contestação por advogados de defesa em diferentes instâncias do Judiciário.
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