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Governo prepara mudanças em comissão para perseguidos políticos na ditadura

Ed Ferreira / Brazil Photo Press/Folhapress
Imagem: Ed Ferreira / Brazil Photo Press/Folhapress

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

13/02/2019 04h00Atualizada em 13/02/2019 09h12

O governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) deve anunciar na próxima semana mudanças nas regras que regulam o funcionamento da Comissão da Anistia, atualmente vinculada ao MMFDH (Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos), comandado pela ministra Damares Alves.

Entre as mudanças em estudo estão a limitação da quantidade de recursos aos quais os solicitantes têm acesso. Hoje, não há limite no número de recursos. Nas últimas semanas, Damares tem criticado a forma como indenizações foram concedidas a anistiados políticos e prometeu divulgar os valores recebidos por todos os anistiados -dados já divulgados pela imprensa.

O regimento interno da comissão da anistia é um conjunto de regras que delimita de que forma o órgão vai funcionar. Sua última atualização aconteceu em janeiro de 2018, durante a gestão do então ministro da Justiça Torquato Jardim. 

A comissão de anistia é o órgão que recebe e analisa os pedidos de indenização e reparação a vítimas de perseguição política praticada durante o regime militar. Ela foi criada em 2002 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). 

Desde que a comissão foi criada, o governo brasileiro recebeu 77,9 mil pedidos de indenização e reparação. Oficialmente, são aproximadamente 39 mil beneficiados.

A lei que a criou prevê a concessão de indenizações ou pensões às pessoas que comprovarem terem sido vítimas de perseguição exclusivamente política entre os anos de 1946 e 1988, período que engloba os 21 anos da ditadura militar (1964 a 1985). 

Desde sua criação, ela ficou vinculada ao Ministério da Justiça, mas em janeiro deste ano, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) tirou a comissão de lá e a colocou sob o comando de Damares. 

A principal função do órgão é receber, analisar e elaborar um parecer sobre os pedidos de indenização de pessoas que alegam terem sido vítimas de violações cometidas por agentes do estado durante o regime militar. É com base nesse parecer que o ministério pode autorizar ou não a concessão da reparação. 

Pessoas que acompanham a elaboração do novo regimento afirmam que uma primeira versão do texto ficou pronta na última sexta-feira (8). A ideia é que ela seja analisada por Damares e sua equipe técnica ainda nesta semana. Entretanto, o prazo foi ampliado e a estimativa é que o novo regimento seja publicado no DOU (Diário Oficial da União) na semana que vem, junto da nova composição da comissão. 

Reparações são ponto sensível do governo

A comissão da anistia está no centro de um dos pontos mais sensíveis do governo: a forma com o estado brasileiro lida com os crimes cometidos por agentes do governo durante a ditadura militar.

Na prática, quando o governo reconhece a condição de anistiado a uma pessoa durante a ditadura militar, ele admite que o governo comandado por militares usou o aparato estatal para perseguir e violar direitos de cidadãos brasileiros. 

Esse reconhecimento atinge uma ala ainda significativamente grande nas Forças Armadas que defende a ideia de que o golpe em 1964 foi uma forma de evitar que o então presidente João Goulart implantasse uma ditadura comunista no Brasil. 

Para essa ala, as torturas, mortes e a perseguição política conduzida pelo governo entre 1964 e 1985 ocorreram dentro de um contexto de "guerra" e combate a grupos terroristas. 

Bolsonaro, por exemplo, já deu diversas declarações em apoio ao regime militar. Durante a votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, o então deputado federal elogiou o coronel Alberto Brilhante Ustra, acusado de ter torturado vários militantes contrários à ditadura. 

Tida como uma das ministras mais ideologicamente alinhadas com o presidente Bolsonaro, Damares também deu declarações nos últimos dias indicando que o governo quer fazer mudanças em relação à concessão das reparações. 

À revista Época, a ministra disse que, na sua opinião, a comissão está "muito aberta" e que do jeito que ela está, "nunca vai parar a entrada de processos". Damares disse ainda que era preciso começar a pensar em "ir fechando a comissão". 

Em entrevista à revista Isto É, Damares disse até que iria estabelecer um "momento" para o fim das reparações. "Vou estabelecer um momento para o fim das reparações. O regime militar acabou há 35 anos. Isso vai durar para sempre", disse. 

Levantamento feito pelo ministério aponta que o governo já pagou R$ 9,9 bilhões em indenizações a anistiados políticos. A conta pode aumentar ainda mais porque há um grupo de ex-militares da FAB (Força Aérea Brasileira) que alega ter sido perseguidos durante a ditadura e que pedem um total de R$ 7,4 bilhões em reparações.

Além encomendar um novo regimento, Damares ordenou que sua equipe técnica compilasse os dados sobre os pagamentos já autorizados pela comissão para que eles fossem divulgados de forma oficial. 

Ex-conselheira critica mudanças

A ex-conselheira da Comissão da Anistia Ana Maria de Oliveira criticou as declarações da ministra e a proposta de mudar o regimento do órgão.

"Se ela quer limitar o acesso das pessoas à comissão, ela precisa mudar a lei que criou a comissão da anistia e não o regimento interno. O problema é que a lei que criou a comissão não previu uma data de início e de fim para que as pessoas possam pedir reparação. Para ela fazer isso, tem que mudar a lei", disse. 

A ex-conselheira rebateu a crítica de que a comissão seria aberta demais. "Talvez por desconhecer os fatos, a ministra parece desconsiderar que, embora a ditadura tenha acabado em 1985, somente em 2002, 17 anos depois, é que a comissão da anistia foi criada. Levamos 17 anos para começarmos esse processo", afirmou.