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Empresas da família Collor acumulam dívida de R$ 284 milhões

Sede da OAM e, ao fundo, o prédio do grupo alugado ao TRE - Carlos Madeiro/UOL
Sede da OAM e, ao fundo, o prédio do grupo alugado ao TRE Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

10/05/2019 04h00

Famoso por suas mansões, obras de arte e carros de luxo, o ex-presidente e senador por Alagoas Fernando Collor de Mello (Pros) também é o principal acionista das empresas da família Collor. Citadas em denúncia da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, como meio de lavagem de propina do senador, elas hoje acumulam uma dívida de R$ 284 milhões com a União.

Mais de 95% desse valor é devido por duas firmas do grupo: a TV Gazeta de Alagoas e o jornal Gazeta de Alagoas, ambos citados na ação penal contra Collor.

A OAM (Organização Arnon de Mello), que leva o nome do pai do senador, reúne um grupo de dez empresas que usam o nome Gazeta --e que conta com TV afiliada à Rede Globo, emissoras de rádio, jornal e portais de notícias.

A maior dívida se refere a débitos não previdenciários, que somam R$ 147 milhões em dívidas de Imposto de Renda, PIS, Cofins e multas, entre outras. Além disso, as empresas enfrentam problemas por deixar de cumprir parcelamentos estabelecidos em acordos.

Além disso, elas são acusadas por ex-funcionários de não pagar direitos trabalhistas e respondem a 173 ações na Justiça do Trabalho.

"São muitos inquéritos e ações na Justiça. É uma empresa que tem um passivo grande aqui", diz o procurador-geral do Trabalho em Alagoas, Rafael Gazzaneo, citando que o mais recorrente problema é o histórico não recolhimento de FGTS dos trabalhadores.

Desde 2001, o MPT (Ministério Público do Trabalho) contabilizou 103 procedimentos abertos envolvendo as empresas dos Collor --desses, 26 envolviam pagamento de FGTS e contribuições previdenciárias. Hoje, há nove inquéritos trabalhistas abertos contra a empresa.

No último dia 25, Dodge pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) que Fernando Collor seja condenado a 22 anos de prisão e à perda de mandato de senador, além do pagamento de multa e indenização num total de R$ 59,9 milhões. As investigações fazem parte da Operação Lava Jato.

Esses veículos, segundo denúncia da PGR contra Collor e mais duas pessoas, foram usados para lavar dinheiro de propina desviada da Petrobras, que serviu para aquisição de artigos de luxo para Collor, como carros, obras de arte e uma casa de campo.

Apesar de não atuar diretamente na administração do grupo, o senador influencia a linha editorial e a gestão dos veículos. O filho dele, Fernando James, foi nomeado diretor da área comercial de algumas empresas da OAM.

Collor está de licença do mandato de senador por três meses, em um acordo feito durante a campanha para governador de Alagoas, em 2018, que previa o afastamento para que a suplente Renilde Bulhões (Pros) assumisse o cargo por 90 dias.

30.ago.2016 - O senador Fernando Collor de Mello (PTC-AL) fala na tribuna do Senado Federal durante sessão de julgamento do impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff. Ele não declarou seu voto. Collor foi o primeiro presidente do Brasil a sofrer um impeachment, em 1992 - Alan Marques - 30.ago.2016/Folhapress - Alan Marques - 30.ago.2016/Folhapress
O senador Fernando Collor de Mello
Imagem: Alan Marques - 30.ago.2016/Folhapress

Reclamações trabalhistas e bens penhorados

Segundo o presidente do Sindicato dos Jornalistas de Alagoas, Izaías Barbosa, além do histórico de não recolhimento de FGTS, a situação da empresa se agravou a partir de 2015, um ano após o início a Operação Lava Jato.

"No dia 1º de maio, completou quatro anos que a empresa deixou de pagar hora extra aos funcionários. Entramos com ação na Justiça e ganhamos. Está em fase de cálculos, mas a empresa não cumpriu a entrega dos documentos pedidos", afirma.

O UOL ouviu alguns ex-funcionários demitidos em novembro, que ainda não receberam indenização. Eles contam terem descoberto que tinham valores insignificantes na conta de FGTS ou encontraram-na zerada. "Trabalhei lá 15 anos, ma só tinha o valor de três meses [de trabalho] depositados só na conta", diz um profissional demitido que preferiu não se identificar.

Por conta das dívidas, a OAM teve diversos bens penhorados, como o prédio onde funcionava a gráfica da empresa, que deve ir a leilão. O edifício fica no principal corredor viário de Maceió, a avenida Durval de Góes Monteiro.

Collor e a família também são donos de um prédio de 13 andares ao lado da OAM. O imóvel está alugado e serve de sede ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de Alagoas. O contrato, assinado em 2014, termina neste ano, e prevê o pagamento de R$ 117 mil por mês.

"Temos penhora de bens já autorizada nos autos, que estão em via de serem praceados [colocado para leilão] para pagar dívidas. É inevitável que, pelo passivo das empresas, algum bem vá à venda para pagar os débitos", diz o procurador.

Outro problema que veio na esteira da Lava Jato foram as demissões em massa, que se aceleraram no final de 2018. As atividades diárias do jornal Gazeta de Alagoas, o mais antigo do estado, foram encerradas.

Ferrari pra Collor pela empresa, diz PGR

Denúncia da Procuradoria-Geral da República afirma que as empresas da OAM foram usadas para lavar dinheiro desviado da Petrobras para que Collor adquirisse veículos e casa de luxo e até obras de arte.

Entre 2010 e 2014, Collor teria montado uma "organização criminosa" nas diretorias da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras, e teria recebido R$ 50 milhões em propina. Boa parte desse dinheiro foi lavado nas empresas integrantes da OAM, conforme aponta a denúncia.

As investigações mostraram que, entre 2011 e 2014, 67 depósitos foram feitos em espécie em um valor total de R$ 4,2 milhões nas contas da empresa Gazeta de Alagoas. No mesmo período, em outras 122 vezes, R$ 8,8 milhões foram depositados nas contas da TV Gazeta de Alagoas.

A PGR sustenta que Collor usou parte desse valor para comprar carros de luxo. Diz a denúncia que o senador usou dinheiro repassado à TV Gazeta para aquisição de "veículo da marca Ferrari, modelo 458, pelo montante de R$ 1.450.000,00".

Outro lado

Procurado pela reportagem, Collor informou por sua assessoria de imprensa que as acusações da PGR são frágeis e indicou seu advogado no caso, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, para falar sobre a questão judicial. Já a direção da OAM foi indicada para responder sobre os débitos das empresas.

Kakay disse que, por estar assumindo agora a defesa do ex-presidente, ainda não conhece o processo em detalhes. Mas rechaçou a ideia de que as movimentações feitas pelas empresas são ilegais. "Parece-me que é absurdo imaginar que empresas privadas, numa relação normal com o senador, possam ser acusadas de estarem fazendo lavagem de dinheiro. Tecnicamente falando, é muito frágil a denúncia sob esse aspecto", diz.

Para o advogado, a tese da PGR traz um "pensamento simplista e sem nenhum indício" de ilegalidade. "Todas as movimentações feitas pelo senador estão sendo analisadas pelo MP como se fossem, de alguma forma, lavagem. Isso, infelizmente, tem sido comum nas acusações junto ao STF, onde se faz uma longa averiguação da movimentação bancária e financeira, principalmente dos políticos, e ainda que não se possa imputar --tecnicamente falando-- algum crime, parte-se para a acusação de lavagem", afirma.

Já a OAM se manifestou por meio de uma nota em que afirma que as "supostas dívidas questionadas não são de responsabilidade pessoal do senador Fernando Collor, mas sim das empresas de comunicação que integram o grupo empresarial OAM, que o tem como sócio quotista". Ela diz ainda que não há ilegalidades, "especialmente por parte do senador Fernando Collor, que sequer administra as empresas em foco, sendo delas, como dito, apenas sócio quotista", diz o texto.

Segundo a organização, os "passivos tributários apontados estão, em regra, parcelados ou em discussão judicial ativa, tendo todos, oportunamente, sido regularmente declarados, não havendo, por consequência, qualquer sonegação fiscal dolosa".

Quanto às questões trabalhistas, a empresa diz que todas as demandas junto à Justiça do Trabalho em Alagoas estão em trâmite ou equacionadas por acordo.