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Funcionário de férias analisou contrato que embasa impeachment de Crivella

O prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB) - Diego Maranhão/Estadão Conteúdo
O prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB) Imagem: Diego Maranhão/Estadão Conteúdo

Gabriel Sabóia

Do UOL, no Rio

23/05/2019 09h54Atualizada em 23/05/2019 10h42

A análise da extensão contratual que embasa o pedido de impeachment do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), foi feita em um único dia, em 11 de dezembro de 2018, pelo Subsecretário de Projetos Estratégicos do Município, Fernando Meira Júnior, antes de seguir para a CGM (Controladoria Geral do Município). O contracheque de Meira, ao qual o UOL teve acesso, no entanto, mostra que ele estava de férias na data em que assinou o documento.

Em menos de 24 horas, Meira teria voltado do recesso, recebido o pedido de análise do gabinete do prefeito, averiguado os termos contratuais e feito os devidos cálculos, além de ter dado a canetada responsável pelo prosseguimento dos trâmites.

A (SubPe) Subsecretaria de Projetos Estratégicos da Prefeitura corresponde à antiga SecPar (Secretaria Especial de Concessões e Parcerias Público-Privadas). Por isso, a análise do subsecretário é considerada fundamental para a extensão do contrato.

Subsecretário estava de férias na data da extensão contratual - Reprodução - Reprodução
Subsecretário estava de férias na data da extensão contratual
Imagem: Reprodução

De acordo com o autor da denúncia contra Crivella, o fiscal Fernando Lyra Reis, a prorrogação dos contratos é ilegal e teria causado danos aos cofres públicos, já que uma nova licitação poderia ter sido mais vantajosa ao município.

Lyra também afirma que as empresas que compõem o consórcio responsável por explorar anúncios publicitários no mobiliário urbano possuíam débitos com a prefeitura e, por isso, o contrato não poderia ter sido renovado sem licitação. A medida teria beneficiado as concessionárias Adshel e Cemusa, ambas controladas por grupos estrangeiros.

De acordo com o auditor do TCM, Clóvis Albuquerque, a Adshell, uma das empresas que compõe o consórcio que realiza a exploração de espaços publicitários no mobiliário urbano, já acumulava dívidas que giram em torno de R$ 100 mil.

As duas empresas tinham direito de explorar anúncios em pontos de ônibus e outdoors por 20 anos --o contrato havia sido firmado em 1999 e acabaria neste ano.

Fernando Meira é esperado para depor na Câmara dos Vereadores à Comissão Processante do Impeachment na próxima segunda-feira (27) e deverá explicar ao plenário o porquê da celeridade que justificou a interrupção das suas férias.

Em nota, a Prefeitura do Rio informou que não coube a Meira, mas sim à equipe da Subsecretaria de Projetos Estratégicos os procedimentos de averiguação documental previstos.

A administração municipal não respondeu aos questionamentos da reportagem quanto à velocidade da análise, nem quanto à necessidade de Meira interromper as férias para dar prosseguimento ao rito de extensão do contrato.

Controladora indica pressão e diz confiar em Meira

Seis dias depois da assinatura do subsecretário, em 17 de dezembro, a controladora-geral do município, Márcia Andrea Peres, informou à prefeitura que a CGM (Controladoria-Geral do Município) não teve tempo hábil para a análise dos documentos, dada a urgência requerida para que o processo de renovação tivesse um desfecho.

Desta forma, ela diz confiar em análise técnica feita por Meira e abre mão do trabalho, dizendo "não ter ressalvas para a lavratura dos termos em questão", concedendo, assim, a prorrogação do contrato solicitada pelos consórcios.

O texto do documento assinado por Márcia vai ao encontro do depoimento do ex-procurador-geral do município Antonio Carlos de Sá, que afirmou que o prefeito pediu celeridade na análise desses contratos.

Empresas foram negativadas 20 dias depois

A controladora-geral solicitou a inclusão das empresas citadas no processo de impeachment de Crivella na dívida ativa do município no dia seguinte à renovação contratual que embasa o pedido de cassação do chefe do Executivo municipal.

Ela disse em depoimento prestado na última segunda-feira (20) à Câmara que por "coincidência" recebeu documento do TCM (Tribunal de Contas do Município) sobre a dívida 24 horas após ter aprovado a prorrogação do contrato, ocasião em que tomou ciência das dívidas. Segundo ela, o pedido para negativação não foi adiado propositalmente para possibilitar a renovação contratual.

Dessa forma, o consórcio citado foi oficialmente "negativado" 20 dias depois da extensão do vínculo com a prefeitura. Se as empresas já tivessem sido negativadas junto à prefeitura em razão dos seus débitos com o poder público, a extensão contratual não teria sido possível.

"Tudo se tratou de uma coincidência de datas. Isto já havia sido aprovado no TCM e coincidiu de fazer [pedir a inclusão na dívida ativa] no dia seguinte [da aprovação da extensão do contrato]", afirmou a controladora.

Contrato permitiu pagar 13º salário, diz controladora

Márcia também afirmou que a antecipação financeira decorrente da extensão contratual possibilitou à prefeitura o pagamento da segunda parcela do 13º salário aos servidores municipais.

"A urgência ali era de uma crise fiscal vivida desde 2017. Não havia data para o pagamento da segunda parcela do 13º salário dos servidores municipais", informou sobre a celeridade com que a extensão foi realizada.

A defesa de Crivella nega que a extensão do contrato tenha provocado prejuízo à administração municipal. No dia em que a Câmara aprovou a abertura do impeachment, Crivella afirmou que o processo "não faz o menor sentido".

"Houve a denúncia de um funcionário que trabalha há mais de 20 anos na prefeitura e que, só agora, depois que foi exonerado por sua chefe do cargo que exercia, ele resolveu entrar com pedido de impeachment.", afirmou.

Entenda o pedido de impeachment

De acordo com o pedido de impeachment, o prefeito renovou no fim de 2018 um contrato com duas empresas, sem licitação. A medida teria beneficiado as concessionárias Adshel e Cemusa, ambas controladas por grupos estrangeiros.

As duas empresas tinham direito de explorar anúncios em pontos de ônibus e outdoors por 20 anos --o contrato havia sido firmado em 1999 e acabaria neste ano.

Depois desse período, os mobiliários urbanos passariam a pertencer ao município. Crivella teria, então, renovado a concessão sem licitação, o que causou prejuízos aos cofres públicos, segundo argumentou a denúncia.

O argumento da defesa do prefeito é que extensão dos contratos não provocou prejuízo ao município.

Se Crivella for cassado, o presidente da Câmara, Jorge Felippe (MDB), assume temporariamente a prefeitura. Isso porque o vice-prefeito eleito da cidade, Fernando Mac Dowell, morreu no ano passado, fazendo de Felippe o primeiro na linha sucessória do município.

O resultado da votação pela abertura de processo de impeachment mostrou, em números, a perda de apoio do prefeito na Câmara Municipal. É o quarto pedido analisado pela Casa desde 2016 para que ele tenha o mandato cassado, mas apenas o primeiro a ser acolhido. Com a Câmara cheia, foram 35 votos favoráveis ao impeachment, mais que o dobro do registrado em duas votações anteriores, em 2018.