Diálogos sugerem que MPF evitou investigar FHC para não favorecer Lula
Os novos vazamentos de conversas entre procuradores do MPF (Ministério Público Federal) e o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, apontam, além de uma rejeição do então juiz federal a se investigar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, discussões de estratégias entre membros da Força-Tarefa da Lava Jato para abordar casos envolvendo o tucano de modo a mostrar "imparcialidade" e não dar "argumento" para a defesa do ex-presidente Lula.
Em uma conversa com outros procuradores em 17 de novembro de 2015, o procurador Roberson Pozzobon sugere que o MPF deveria investigar o Instituto FHC (supostamente beneficiário de remessas ilegais da Odebrecht) "concomitantemente" ao Instituto Lula e à LILS (empresa de palestras de Lula). Segundo o procurador, a ação responderia às críticas que a Lava Jato vinha sofrendo por, supostamente, atingir apenas alvos petistas.
A ideia, no entanto, é descartada após a constatação dos procuradores de que uma investigação conjunta poderia favorecer o ex-presidente petista.
"Meus caros, o que acham de instaurarmos um PIC [Procedimento de Investigação Criminal] para investigar, no mesmo procedimento, pagamentos efetuados pelo Grupo Odebrecht (e outras cartelizadas) ao LULA (via LILS e INSTITUTO) e ao FHC (via Fundação iFHC)? Assim ninguém poderia indevidamente criticar nossa atuação como se tivesse vies partidário"
procurador Roberson Pozzobon
Em seguida, ele fala sobre "fraturas expostas" no Instituto FHC que poderiam embasar as investigações. As "fraturas" são e-mails trocados entre Anna Mantovani, funcionária do ex-presidente, Manuel Diaz, representante da Associação Petroquímica e Química da Argentina, e o empresário Pedro Longhi a respeito de uma doação da Braskem, braço petroquímico da Odebrecht, ao instituto.
Mantovani escreve sobre "opções" de doação que a empresa poderia adotar, excluindo a possibilidade de palestra do ex-presidente. "Não podemos citar que a prestação de serviço será uma palestra do Presidente", escreve a funcionária. Os "prints" dos e-mails foram enviados por Pozzobon ao grupo com outros membros do MPF. Ele chega a chamar as supostas evidências contra FHC de "batom na cueca".
"A ideia é excelente. Despolitizar"
Pouco depois, o procurador reitera sua intenção de aglutinar operações contra Lula e FHC. Após outros procuradores sugerirem uma "BA" (busca e apreensão) no Instituto FHC, Pozzobon responde: "Mais, talvez pudéssemos cumprir BA [busca e apreensão] nos três concomitantemente: LILS [empresa de palestras de Lula], Instituto Lula e iFHC."
O procurador Paulo Roberto Galvão contesta a ideia de Pozzobon. "Questão é, FHC estamos investigando crime tributário apenas?", pergunta, e Pozzobon responde: "Outubro de 2014!!!!!!!!!!!!! Provavelmente por isso a mençao de que não poderia ser palestra do FHC". Nesse momento Galvão, levando em consideração que o crime de Fernando Henrique seria tributário, afirma que "teria que achar uma obra do psdb para dizer que é propina."
Pozzobon concorda que deve haver um "aprofundamento", e Paulo Galvão retoma: "Mas a ideia [fazer operações ao mesmo tempo nos institutos Lula e FHC] é excelente. Despolitizar. Se bem que você votou na Dilma hahaha."
"Não será argumento pra defesa da LILS"
Diogo Castor, à época procurador da Lava Jato, apresenta um contraponto: investigar simultaneamente os institutos de Lula e FHC poderia favorecer a defesa do petista, pois ambos poderiam se configurar como crimes tributários.
"Mas será q não será argumento pra defesa da lils dizendo q eh a prova q não era corrupção?"
Diogo Castor, então procurador da Lava Jato, sobre favorecer defesa de Lula
"Pensei nisso tb. Temos que ter um bom indício de corrupção do fhc/psdb antes", responde Pozzobon.
Dallagnol, segundo as mensagens, presume que não há crime no Instituto FHC e afirma que seria pior realizar os procedimentos e depois "denunciar só o PT". Será pior fazer PIC [Procedimento de Investigação Criminal], BA [Busca e apreensão] e depois denunciar só PT por não haver prova. Doação sem vinculação a contrato, para influência futura, é aquilo em Que consiste TODA doação eleitoral", afirma Deltan na mesma conversa.
Ao final, nenhum procedimento contra o Instituto FHC foi instaurado. Lula, por sua vez, é alvo de um processo na Lava Jato por supostamente ser beneficiado pela Odebrecht com um terreno para sediar seu instituto em troca de contratos fraudulentos firmados pela empresa com a Petrobras. O caso está concluso para sentença na 13ª vara federal de Curitiba.
Em outro processo, em que Lula era acusado de obstrução de Justiça, o Instituto Lula chegou a ter suas atividades suspensas por ordem do juiz Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª vara federal de Brasília, mas a decisão foi revogada e o instituto pôde voltar a operar.
*Os diálogos foram preservados em sua forma original, conforme publicados pelo The Intercept Brasil
Moro e Lava Jato negam irregularidades
Desde o dia 9, quando o site The Intercept começou a vazar supostas conversas entre Sergio Moro e procuradores da Lava Jato, o ministro e o procurador Deltan Dallagnol afirmaram não ver irregularidades nos conteúdos divulgados, embora a Constituição vede o vínculo entre o juiz e as partes de uma ação.
Tanto o juiz quanto a operação têm reforçado que as mensagens foram obtidas de maneira ilícita, o que constituiria crime. O The Intercept não revela sua fonte e, em nenhum momento, disse ter obtido as conversas a partir de invasões cibernéticas.
A partir de quarta-feira (12), quando o MP denunciou que um procurador havia sido alvo de hackeamento no dia anterior, a força-tarefa e Moro passaram a argumentar que as conversas vazadas podem ter sido forjadas por invasores.
A PF (Polícia Federal) já está investigando o ataque a dispositivos eletrônicos de autoridades. O MP informou que seus integrantes têm sido alvo de ataques desde abril.
Outro lado
Sobre o conteúdo vazado hoje, a assessoria do ministro Sergio Moro afirmou ao The Intercept que "não comenta supostas mensagens de autoridades públicas colhidas por meio de invasão criminosa, que podem ter sido adulteradas e editadas e que sequer foram encaminhadas previamente para análise. Cabe esclarecer que o caso supostamente envolvendo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nunca passou pelas mãos do Ministro, então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, sendo encaminhado diretamente pelo Supremo Tribunal Federal a outros fóruns de justiça. Então, nenhuma interferência do então juiz seria sequer possível e nenhuma foi de fato feita".
Em nota, a Lava Jato repudiou o que chamou de " ataque infundado à imparcialidade da operação" por parte do site The Intercept. A força-tarefa reforçou que a investigação sobre caixa 2 eleitoral nas campanhas de FHC jamais passou pela Lava Jato de Curitiba e que o grupo do MP no Paraná não teve "qualquer participação na decisão de seu envio" para SP ou na "análise de eventual prescrição".
A Lava Jato diz ainda que os vazamentos tentam "criar artificialmente uma realidade inexistente que dê suporte a teses que favoreçam o ex-presidente Lula" e afirma que o conteúdo das conversas divulgadas nesta terça, além de poder ter sido forjado por um hacker, não apresenta "qualquer elemento que indique ação no sentido de forjar provas, ajuste partidário, manifestação de cunho ideológico, corrupção, ou ilegalidade dos membros do Ministério Público Federal".
"Sem a comprovação de sua origem, autenticidade e contexto, a exposição parcelada e contínua de supostos trechos de conversas atendem a uma agenda político-partidária, em prejuízo do alegado interesse informativo e com a intenção de manipular a opinião pública", afirma a Lava Jato em nota.
Ao UOL, a assessoria de FHC afirmou não ter a "menor preocupação" com o vazamento. "Acabo de ver. Não tenho a menor preocupação. Reproduzi no Facebook, na época, as declarações do Emilio a meu respeito, quando ele depôs. (...) Nada há de irregular. Aliás os textos pela Intercept tampouco fazem qualquer acusação."
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