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Vazamentos da Lava Jato

Novo vazamento: Moro sugeriu a MP rebater "showzinho" de Lula em depoimento

Interrogatório de Lula a Moro em 10 de maio de 2017 - Reprodução
Interrogatório de Lula a Moro em 10 de maio de 2017 Imagem: Reprodução

Do UOL, em São Paulo*

14/06/2019 22h33Atualizada em 10/09/2019 17h14

Resumo da notícia

  • Vazamento traz conversas de Moro com procuradores e entre membros da Lava Jato
  • Conversas se referem ao interrogatório de Lula no caso do tríplex, em maio de 2017
  • Moro chama ação de Lula e defesa de "showzinho" e sugere que Lava Jato divulgue nota
  • Procuradores debatem se devem publicar nota ou dar entrevista; assessores contestam
  • Lava Jato divulga nota para contestar declaração da defesa de Lula
  • Procuradores criticam declarações de Lula sobre relação de Marisa com apartamento

Uma nova leva de mensagens divulgadas hoje pelo site The Intercept Brasil revela que o então juiz Sergio Moro - agora ministro da Justiça - sugeriu ao Ministério Público Federal (MPF) a publicação de uma nota contra o que chamou de "showzinho" do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de sua defesa durante e após seu interrogatório relativo ao caso do tríplex de Guarujá (SP).

As mensagens datam do dia 10 de maio de 2017, quando Lula prestou depoimento em Curitiba para esclarecimentos sobre a ação penal - a primeira apresentada contra ele pela operação Lava Jato. Após o interrogatório, os advogados do petista concederam entrevista coletiva, e o próprio ex-presidente participou de um ato na capital paranaense, em que declarou que se candidataria à Presidência em 2018.

As mensagens vazadas indicam que Moro orientou e fez sugestões ao MPF. Naquele dia, Moro questionou, segundo o The Intercept, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima: "O que achou [do interrogatório]?". O procurador então responde que "ficou muito bom. Ele [Lula] começou polarizando conosco, o que me deixou tranquilo." Em seguida, Moro desdenha da imprensa: "A comunicação é complicada, pois a imprensa não é muito atenta a detalhes".

Um minuto depois, Moro sugere ao procurador "editar uma nota esclarecendo as contradições do depoimento [de Lula] com o resto das provas ou com o depoimento anterior dele. Por que a defesa já fez o showzinho dela."

As falas de Moro no início daquele depoimento, conforme apurado pelo Intercept, demonstram contradição com sua atuação nos aplicativos de mensagens. "Também vamos deixar claro que quem faz a acusação nesse processo é o Ministério Público, e não o juiz. Eu estou aqui para ouvi-lo e para proferir um julgamento ao final do processo", disse Moro ao abrir a audiência com Lula.

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Entrevista com a Globo ou nota

Naquele mesmo dia, Santos Lima conjecturou junto aos assessores do MPF uma entrevista "com alguém da Globo em Recife". Ele participaria no dia seguinte de um congresso jurídico no Centro de Conveções da capital pernambucana, e daria entrevistas sobre o caso.

Em relação à nota que poderia ser elaborada para contra-atacar a defesa de Lula, Santos Lima conversa com Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, e compartilha com ele a orientação feita por Moro. Dallagnol, então, reitera o pedido para os assessores de imprensa da força-tarefa em um grupo formado por membros da operação e assessores do MP.

"Caros, mantenham avaliando a repercussão de hora em hora, sempre que possível, em especial verificando se está sendo positiva ou negativa e se a mídia está explorando as contradições e evasivas. As razões para eventual manifestação são: a) contrabalancear as manifestações da defesa. Vejo com normalidade fazer isso. Nos outros casos não houve isso. b) tirar um pouco o foco do juiz que foi capa das revistas de modo inadequado", escreveu Deltan. Aos assessores, nem ele nem Carlos Fernando informam que a orientação partira de Moro.

Os assessores tentam alertar os procuradores sobre os problemas de emitir uma nota sobre o caso. "É uma parte do processo. Na minha visão é emitir opinião sobre o caso sem ele ter conclusão e abrir brecha pra dizer que tão querendo influenciar juiz. Papel deles [defesa de Lula] vai ser levar pro campo político. Imprensa sabe disso. E já sabe que vcs não falam de audiências geralmente. Mudar a postura vai levantar a bola pra outros questionamentos", escreveu um assessor.

Após uma longa conversa, da qual participam diversos procuradores, a força-tarefa decide publicar a nota, segundo a qual a defesa de Lula mentiu ao dizer que não teve acesso a um dos documentos apresentados pelo MP. Ainda no dia seguinte ao depoimento, o procurador Carlos Fernando Silva concedeu entrevista a alguns veículos de comunicação apresentando o que a operação viu como contradições de Lula durante seu interrogatório.

Lula diz que não queria apartamento e não sabia de visitas de Marisa

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Menções a Marisa

Durante o debate no grupo "Filhos de Januário 1" sobre falar na imprensa ou não sobre o interrogatório do ex-presidente, o procurador Santos Lima sugere que os assessores deveriam abordar as menções que Lula fez a sua ex-mulher, Marisa Letícia, falecida três meses antes do depoimento.

"Eu iria direto na jugular, falando que culpar quem morreu é uma tática velha de defesa", escreveu Santos Lima em 10 de maio, dia do depoimento de Lula. No depoimento, o ex-presidente disse que não tinha interesse no tríplex, e que não sabia o motivo de Marisa ter visitado o imóvel duas vezes.

De fato, em entrevista ao Broadcast Político, do Grupo Estado, no dia seguinte ao interrogatório, Carlos Fernando comentou as declarações em que Lula citava Marisa.

Na mesma conversa, Antônio Carlos Welter afirma que "a grande imprensa não vai comprar a tese do Lula e não vai ver excessos do Juiz ou do MPF" e diz que o momento é de a força-tarefa se recolher - ainda na discussão sobre a publicação de nota rebatendo a defesa do ex-presidente.

Carlos Fernando então responde: "Vemos as repercussões e decidimos amanhã. Mas se for para fazer, que seja eu, pois não sou de ficar na defensiva."

Lula e seu primeiro depoimento

O interrogatório de Lula no caso do tríplex foi o primeiro do ex-presidente em processos da Operação Lava Jato. A passagem do petista pela Justiça Federal de Curitiba foi marcada pela montagem de um grande esquema de segurança, com centenas de policiais e até mesmo atiradores de elite. Os arredores do prédio onde a audiência foi realizada foram interditados.

Antes e depois do depoimento, centenas de militantes pró-Lula se reuniram em Curitiba. A caminho do interrogatório, o ex-presidente chegou a caminhar ao lado dos apoiadores.

O depoimento de Lula durou cerca de cinco horas, um dos mais longos nos processos da Lava Jato. Depois de ser interrogado, o ex-presidente falou para a militância na praça Santos Andrade, no centro de Curitiba, repetindo o discurso de que estava sendo acusado sem prova.

Moro nega ilegalidade em conversas com Dallagnol

Band Notí­cias

Moro e Lava Jato negam irregularidades

Desde domingo (9), quando o site The Intercept começou a vazar supostas conversas entre Sergio Moro e procuradores da Lava Jato, o ministro e o procurador Deltan Dallagnol afirmaram não ver irregularidades nos conteúdos divulgados, embora a Constituição vede o vínculo entre o juiz e as partes de uma ação.

Tanto o juiz quanto a operação têm reforçado que as mensagens foram obtidas de maneira ilícita, o que constituiria crime. O The Intercept não revela sua fonte e, em nenhum momento, disse ter obtido as conversas a partir de invasões cibernéticas.

A partir de quarta-feira, quando o MP denunciou que um procurador havia sido alvo de hackeamento no dia anterior, a força-tarefa passou a argumentar que as conversas vazadas podem ter sido forjadas por invasores.

A PF (Polícia Federal) já está investigando o ataque a dispositivos eletrônicos de autoridades. O MP informou que seus integrantes têm sido alvo de ataques desde abril.

O que disseram Moro e procurador após reportagem

Por meio de nota, Moro se manifestou depois da publicação da nova reportagem do The Intercept Brasil.

O ministro reiterou que "não reconhece a autenticidade e não comentará supostas mensagens de autoridades públicas colhidas por meio de invasão criminosa de hackers e que podem ter sido adulteradas e editadas. Reitera-se a necessidade de que o suposto material, obtido de maneira criminosa, seja apresentado a autoridade independente para que sua integridade seja certificada".

Em sua conta em uma rede social, Carlos Fernando dos Santos Lima afirmou que "desconhece completamente as mensagens citadas, supostamente obtidas por meio reconhecidamente criminoso". O procurador também cobra explicações do The Intercept Brasil em relação aos meios através dos quais o material teria sido obtido.

*Com reportagem de Alex Tajra e Bernardo Barbosa

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