Bolsonaro admite que "uma pequena parte passa fome" no país e se irrita
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) fez um recuo no início da tarde de hoje e reviu a declaração que deu mais cedo, quando afirmou que passar fome no Brasil é "uma grande mentira". Ele mudou o tom de sua afirmação e se irritou com o questionamento da imprensa.
"É um país aqui que a gente não sabe por que uma pequena parte passa fome e outros passam mal ainda", disse o presidente durante evento em que o Ministério da Cidadania celebrou o Dia Nacional do Futebol, em Brasília.
"Mas é inaceitável num país tão rico como o nosso, com terras agricultáveis, água em abundância... Até o semi-árido nordestino tem uma precipitação pluviométrica maior do que Israel", disse.
Mais cedo, o presidente dissera que o brasileiro não passa fome, mas se alimenta mal.
"Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira. Passa-se mal, não come bem. Aí eu concordo. Agora, passar fome, não", afirmou ele na ocasião.
Irritação com jornalistas
Ao ser questionado se estava voltando atrás em sua declaração dada pela manhã durante café com correspondentes internacionais, o presidente se irritou com a imprensa.
"Ah, pelo amor de Deus. Se for para entrar em detalhe, em filigranas, eu vou embora. Não estou vendo nenhum magro aqui. Temos problemas alimentares no Brasil, temos. Não é culpa minha, vem de trás", disse Bolsonaro.
"O que tira o homem e a mulher da miséria é o conhecimento. Não são bolsas e programas assistencialistas. Nós temos que lutar nesse sentido, nessa linha para dar dignidade ao homem e à mulher brasileira", afirmou o presidente.
Mais cedo, o presidente já havia associado fome à forma física. "Você não vê gente mesmo pobre pelas ruas com físico esquelético como a gente vê em alguns outros países pelo mundo", afirmara no café.
Fome e pobreza no país
De acordo com o relatório Panorama da Segurança Alimentar e Nutricional na América Latina e Caribe 2018, divulgado no ano passado pela FAO (órgão da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), 5,2 milhões de pessoas no Brasil estavam em estado de subalimentação (isto é, não contavam com alimentos suficientes para satisfazer suas necessidades energéticas) no triênio entre 2015 e 2017.
Ainda segundo o relatório, o Brasil, entre outros países, tem capacidade produtiva suficiente para promover a quantidade adequada de frutas e verduras para sua população, mas fatores como exportação contribuem para que que haja um déficit neste cenário.
O estudo ainda diz que pobreza e fome estão diretamente associadas. "O crescimento econômico, nem sempre, beneficia de forma igual os lares mais pobres, os indivíduos e os territórios", diz o relatório. "As políticas de proteção social contribuem para dar um piso de segurança, sustento e promoção para a redução da fome e da pobreza. Do contrário, os lares em situação de pobreza se veem forçados a investir seu tempo e seus recursos em atividades pouco rentáveis ou prejudiciais, ficando, assim, imersos na pobreza, sem capacidade de aquisição de bens básicos ou de fortalecer seus meios de subsistência".
O relatório mundial da FAO do mesmo ano mostrou que aproximadamente 821 milhões de pessoas viviam em situação de fome no mundo. Ao distinguir a fome, o órgão divide as categorias de insegurança alimentar em: moderada (a pessoa não tem recursos para uma alimentação saudável e fica ocasionalmente sem comer) ou grave (fica um dia inteiro sem comer várias vezes por ano).
Em entrevista ao UOL em outubro do ano passado, o brasileiro José Graziano da Silva, então diretor-geral da FAO, disse que, embora a fome tenha se mantido em patamar relativamente baixo no Brasil desde o começo da década de 2010, o quadro de desemprego e subemprego enfrentado poderia levar o Brasil de volta ao grupo de países em que a fome é alarmante, o chamado Mapa da Fome, do qual saiu em 2014.
Segundo cálculo da Folha de S.Paulo com base em documento divulgado em 4 de abril pelo Banco Mundial, a crise econômica dos últimos anos empurrou 7,4 milhões de brasileiros para a pobreza entre 2014 e 2017.
Com isso, houve um salto de 20,5% - de 36,5 milhões para quase 44 milhões - no número de pessoas vivendo com menos de US$ 5,5, ou seja, R$ 21,20, por dia.
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