Moro tenta acuar instituições democráticas do país, diz Maia
Resumo da notícia
- Presidente da Câmara diz em entrevista que espera respeito de Moro ao Parlamento
- Para deputado, saldo da Lava Jato é positivo e chance de CPI é quase zero
- Segundo congressista, CPI da Lava Toga também seria ruim para o Brasil
- Ele afirma que Cid Gomes mentiu sobre partilha dos recursos do pré-sal
- Político do DEM defende ainda um 'centro democrático' para eleição de 2022
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirma que o ministro Sergio Moro (Justiça) tenta, como estratégia permanente, acuar as instituições democráticas deste país.
"Mas ele está aprendendo que a democracia é um valor mais importante que qualquer outro tema", diz o deputado em entrevista ao UOL e à Folha ao ser questionado sobre o pacote anticrime proposto pelo ex-juiz da Operação Lava Jato.
Na última semana, o governo Jair Bolsonaro (PSL) lançou uma campanha para alavancar do pacote, após sucessivas derrotas impostas pela Câmara à proposta.
O que eu espero é que se respeite a legitimidade do Parlamento. Coisa que, no passado, o grupo do entorno do ministro Moro, principalmente os procuradores, não respeitaram
Rodrigo Maia, presidente da Câmara.
Ainda sobre a Lava Jato, Maia afirmou que hoje a chance de ele aprovar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a operação é "próxima de zero" e que o saldo da força-tarefa é positivo.
O deputado também saiu em defesa do Congresso e negou que a aprovação da reforma da Previdência se deu por negociação de emendas. O UOL revelou que um dia antes da votação do segundo turno da proposta na Câmara, o governo enviou um pedido para o Congresso liberar R$ 3 bilhões a serem pagos em emendas.
"Essas questões de liberação ou não de emenda não foram decisivas", disse.
Entre os outros temas abordados na conversa, ocorrida na última sexta (4) no estúdio do UOL e da Folha, em Brasília, estão a CPI das Fake News, a da Lava Toga, a briga entre o senador Cid Gomes (PDT-CE) e o líder do PP na Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), o projeto de abuso de autoridade e as eleições presidenciais em 2022.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
UOL/Folha - Moro disse que o pacote anticrime é uma ótima oportunidade para o governo e o Congresso darem uma mensagem para a sociedade de que país não é uma terra sem lei. O Congresso está promovendo uma terra sem lei?
Rodrigo Maia - Acho que o ministro Sergio Moro tenta, na estratégia permanente dele, de pressão, acuar as instituições democráticas deste país. Eu acho que o caso The Intercept prova um pouco disso. Mas eu acho que ele está aprendendo que a democracia é um valor muito mais importante do que qualquer outro tema. O projeto que foi apresentado pelo governo tem coisas boas.
Agora, acredito que a discussão da prisão de segunda instância parece mais uma vontade de desgastar o Parlamento do que uma vontade de aprovar o projeto.
O excludente [de ilicitude] tem que tomar muito cuidado. Uma coisa é uma terra com a lei para todos. Outra coisa é um texto que ficou muito amplo, que tira a lei dos agentes públicos na área de segurança. [Um caso de] uma criança morta, como a Agatha, não teria por parte do Estado brasileiro as condições de ser investigado, de se chegar àquele que cometeu esse crime.
Muitos parlamentares consideram indevida a campanha no momento que o Congresso está para analisar esse ponto. O senhor acha que pode resultar em uma pressão sobre o Congresso?
Na campanha da Previdência, o governo mostrava a importância da reforma. Nós não questionamos. Então seria errado, agora, num outro projeto a gente falar 'não pode ser'. Depende do teor. Depende de como o governo está encaminhando.
Se for explicando os temas, mostrando os índices, os problemas do Brasil, como na Previdência, pode ser que tenha sua validade. Mas, se for mais uma pressão, aí é um viés um pouco autoritário e ruim porque é uma certa interferência. Vamos esperar agora, o Ministério Público do Tribunal de Contas já entrou [no caso], vamos aguardar a decisão do ministro do TCU.
O senhor acredita que esses dois temas [excludente de ilicitude e prisão em 2ª instância] vão passar no Congresso? Há a ameaça de contaminarem todo o projeto e ele ser rejeitado?
Não sei se vão passar ou não. O que eu espero é que se respeite a legitimidade do Parlamento. No passado, o grupo do entorno do ministro Moro, principalmente os procuradores, não respeitaram. Nas votações nas quais eles queriam uma coisa e aconteceu outra.
Naquelas dez medidas [anticorrupção], nós rejeitamos a prova ilícita de boa-fé. Hoje eles criticam a prova ilícita de boa-fé no caso do Intercept. Você vê como são dois pesos e duas medidas. Se nós tivéssemos feito o que eles gostariam lá atrás, hoje eles seriam réus, não seriam procuradores e não seria ministro da Justiça. Então você vê como como a lei precisa valer para todos, inclusive para eles.
Ele [Sergio Moro] achou que podia marcar a data da votação do projeto e como o projeto iria tramitar. Ele não foi eleito deputado, nem é presidente da Câmara
Quando Moro foi entregar o pacote anticrime na Câmara, houve troca de farpas. Neste segundo semestre, o senhor já tocou no tema da proposta com o ministro?
Maia - Eu converso com todos os ministros. Nunca tive problema com o Moro. Ele que chegou ao governo com uma visão distorcida do que é o Parlamento. Ele achou que podia marcar a data da votação do projeto e como o projeto iria tramitar. Ele não foi eleito deputado nem é presidente da Câmara. Foi só essa questão que eu tentei deixar claro: você é ministro do governo. O governo encaminha o projeto e cabe ao Parlamento tramitar a matéria.
Até porque, publicamente, o governo já tinha anunciado que a prioridade era a Previdência e o próprio presidente da República foi pessoalmente entregar a [reforma da] Previdência e não levou o projeto dele [Moro]. Quando o governo fez isso, qual a informação que eu recebi? Que o governo quer a Previdência e nem pediu urgência [para o pacote anticrime], porque no caso de projeto de lei, o governo tem direito a pedir urgência constitucional.
CPI e Lava Jato
Que a análise o senhor faz de uma CPI sobre a Lava Jato?
Eu acho que tanto a CPI da Lava Jato como a CPI apelidada de Lava Toga no Senado são muito ruins. Você não pode ter o Parlamento colocando o Judiciário, nenhuma de suas instâncias, (...) sob as suas decisões.
Agora, o que eu estou vendo é que de alguma forma há uma disputa. Lá no Senado estão tentando exatamente enfraquecer o Supremo Tribunal Federal, guardião da nossa Constituição. Por outro lado, aqui [na Câmara] um movimento também político, legítimo, conseguiu as assinaturas contra a Lava Jato, que a esquerda acha que é responsável por todos os males.
Acho que a Câmara e o Senado não devem fazer parte disso. Isso é a disputa política. O que nós devemos, é: com fato determinado, aí sim pensar numa CPI.
A princípio a chance de eu deferir uma CPI dessa é muito pequena, próxima a zero
Daqui a pouco a gente vai ter um ambiente onde as instituições vão estar gerando conflito entre si, gerando uma instabilidade na democracia. E eu disse em março: nenhum investidor vai investir num país onde a democracia está arranhada ou está enfraquecida.
Qual a sua avaliação sobre a Operação Lava Jato?
Como todo ambiente que tem muito poder, acaba gerando algum tipo de problema. Apesar disso, no fundamental, não se pode criticar o trabalho da Justiça brasileira, do Ministério Público brasileiro.
O saldo é mais positivo ou negativo?
Muito mais positivo do que negativo. Agora, os excessos precisam ser coibidos pelo CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público], pelo CNJ [Conselho Nacional de Justiça]. Isso que é importante, a gente precisa que todos os brasileiros possam ser investigados. Acho que essa é uma discussão. O CNJ faz bem o seu trabalho? O CNMP faz bem o seu trabalho?
A impressão que me dá, pelas matérias que eu leio no jornal, é que o CNMP julga muito menos, decide muito menos que o CNJ. Essa é uma garantia da sociedade: o conselho precisa existir exatamente para que possa julgar os membros do MP, se não fica parecendo que o Ministério Público, ou o Judiciário, ou a Polícia Federal não tem quem os investigue.
Todos na política, e em qualquer ambiente, podem e devem sim, a qualquer indício, ser investigados.
Abuso de autoridade
O projeto de abuso autoridade foi votado pela Câmara. Essa proposta é mais importante, neste momento, que o pacote anticrime proposto pelo ministro Moro?
A cada dia que passa fica mais claro a importância do projeto de abuso de autoridade. Vide a operação do próprio Ministério da Justiça em cima da Receita [Federal]. Coisas que alguns denunciaram, reclamaram, outros disseram que não existia. Está aí, um membro da Receita que operava dentro das investigações. O governo foi alertado algumas vezes que havia abuso e que havia acesso.
Então, é óbvio que num sistema democrático o agente público tem toda a liberdade de fazer tudo, mas limitado pela lei. Quando ele passa desse limite, abusou do seu poder.
Essa questão [do abuso] se provou necessária e urgente porque, sem dúvida nenhuma, em todos os Poderes, alguns começaram a extrapolar o seu poder. Como nós aprovamos o texto do Senado, que de fato era melhor que o da Câmara porque atinge os três Poderes, estou convencido de que se fez o correto. Um texto que já estava maduro, já tinha sido debatido na Câmara e no Senado em 2016, 2017.
CPI Fake News
Pessoas do entorno de Bolsonaro afirmam que a CPI das Fake News foi criada apenas para enfraquecer o governo.
A comissão não tem o foco no governo. O que nos preocupa é como alguns segmentos nas redes sociais têm usado fake news. Muitas vezes uma informação falsa impacta a sociedade e estimula o ódio. O ódio ao Congresso, o ódio ao Supremo. Você fica pensando quem é que pode ter interesse, quem é está por trás de uma informação falsa criada para gerar ódio na sociedade, no Estado democrático de Direito? Eu acho que a CPI tem que focar nisso.
Uma informação falsa que estimula o ódio. O ódio ao Congresso, o ódio ao Supremo
Ninguém [na CPI] está preocupado com a eleição do Bolsonaro. Ele tem o mérito de ter ganho a eleição. Ele nunca ganharia uma eleição, somada a facada, apenas por causa de uma boa estrutura de rede social.
A CPI não vai ter esse foco. Os deputados que eu conheço que estão lá e os senadores não vão aceitar. Mesmo aqueles que são de esquerda e estão mais ao centro, não vão aceitar transformar a CPI no terceiro turno.
O senhor mesmo é um alvo frequente dessas manifestações na internet. Algumas delas o compararam fisicamente ao personagem 'Nhonho', do seriado Chaves. O senhor falou recentemente que às vezes perde o sono. Como lida com isso?
No início, para mim, era uma novidade. Depois eu fui compreender o que é isso, movimentos que precisam ser ativados todo dia, toda semana, porque movimentos radicais não ficam estáticos. Sem aqueles que estão estimulando esses movimentos de ultra direita, ultra esquerda, se eles não são alimentados, eles vão procurar outra coisa para fazer esse mundo virtual.
Passei a falar nas redes sociais para o meio ambiente. Então isso [os ataques], para mim, deixou de ser relevante. Eu sei que os robôs estão aqui enlouquecidos, me criticando, e na maioria são robôs que não representam ninguém.
Tomá lá, dá cá
Apesar do discurso do governo de nova política, houve negociações durante a aprovação da reforma da Previdência. O governo cedeu ao tomá lá, dá cá?
Eu acho que não. Acho que o governo tomou a decisão de fazer um governo de forma mais independente em relação ao Legislativo. O Legislativo entendeu, ao longo dos primeiros meses, depois de alguns conflitos, que esse era o melhor caminho de fortalecimento do Parlamento. Aprovar o Orçamento impositivo, não só a emenda de bancada. Todo o orçamento público brasileiro hoje é impositivo. O que significa? Que o governo vai mandar a peça [orçamentária]. Nós vamos manter ou retificar, e a que nós aprovarmos precisa ser executado pelo Poder Executivo.
Amplia o poder da decisão do parlamentar em relação à sua base estadual ou municipal. Sem dúvida nenhuma, essas questões de liberação ou não de emenda, elas não foram decisivas.
O senhor disse que não esperou a liberação dos recursos para a votação. O governo enviou ao Congresso um PLN [autorização para gerar crédito extra] no valor de R$ 3 bilhões, para cobrir o valor de emendas.
[O PLN] Não foi votado até hoje. Ninguém deixou de votar a Previdência por isso. Nós compreendemos que o Orçamento do governo é executado com temas de interesse do Poder Executivo e do Parlamento e é legítimo que se lute para que se libere esses recursos. Mas nem pelo atraso do PLN nós deixamos votar as matérias de interesse do Brasil.
Eleições 2022
Qual o caminho o senhor pretende trilhar em 2022. É centro, é o centro mais à direita ou é o centro mais à esquerda?
Outro dia recebi um grupo de deputados mais jovens, dos partidos que fecharam questão contra a Previdência, e eles votaram a favor. Jovens muito preocupados, se perguntavam: será que vamos ser expulsos, para que partido a gente vai? Eu disse a eles: olha, o problema de vocês não é partido, o Brasil tem muitos partidos, opções não vão faltar.
O problema de vocês, o meu e o de todos nós é construir um projeto de centro democrático com uma agenda, com princípios, independentemente de quem seja o candidato desse projeto.
Esse ambiente de centro, que garante a democracia, as reformas, os projetos que vão reduzir a desigualdade, precisa ter clareza para atrair parlamentares de vários partidos. Esse ambiente representa 60% da sociedade que está órfã.
Deveríamos chamar esse ambiente de centro democrático e trazer para ele pessoas de centro-esquerda, de centro-direita, de centro, e dar clareza sobre o que nós pensamos do Brasil. O que nós pensamos do Estado brasileiro, e o que nós queremos para que esse Estado possa reduzir desigualdade e voltar a gerar emprego.
Câmara x Senado
Qual vai ser a solução para a disputa sobre partilhas dos recursos do pré-sal?
Infelizmente, o senador Cid [Gomes, PDT-CE], que eu respeito e admiro, criou uma narrativa falsa e alguns governadores entraram nessa onda. Nós nunca pensamos em não garantir os 15% para estados e municípios. Ao contrário, a PEC da cessão onerosa passou primeiro na Câmara, não foi no Senado. E quem incluiu 15% para cada ente foi a Câmara, na forma da lei.
O Senado que resolveu colocar a forma da distribuição [pelos fundos] na emenda. Mais uma vez constitucionalizando tudo. Uma mania do Brasil de achar que a Constituição precisa ser uma enciclopédia, o que acaba gerando muita judicialização. E aí, resolveram fazer uma falsa verdade que a Câmara queria tirar o dinheiro dos governadores. Depois é que a verdade vem à tona.
Para passar [a destinação dos recursos] por emendas parlamentares?
Nós nunca falamos disso, nunca passou pela Câmara. Não é verdade. Por isso que eu estou dizendo, o Cid Gomes mentiu nesse aspecto. Se tem alguém que está tentando tirar o dinheiro dos estados e transferir para emendas, são senadores.
Então eu acho que o senador foi infeliz. Eu acho que ele não deveria atacar da forma como atacou. Aliás, ele pareceu muito esses movimentos de rede social, de ultra direita, que atacam, gerando ódio nas pessoas.
Então esses ataques, como esse do Cid à Câmara, não fazem sentido do ponto de vista político. Não tem nada que a gente faça que não seja bem ajustado com o presidente do Senado. Quando o Senado muda o que a Câmara faz, a gente não fica reclamando. A gente não fica que nem criança pequena, chorando, berrando e pedindo chupeta. Nós entendemos e mudamos ou mantemos o texto do Senado, como é do processo democrático.
Veja a entrevista completa abaixo e ouça a íntegra da conversa no podcast UOL Entrevista.
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