Sem Moro, Lava Jato tem investigados soltos e derrotas na 2ª instância
Resumo da notícia
- TRF-4 é o tribunal que julga ações da Lava Jato na 2ª instância
- Historicamente, ele tem entendimentos alinhados com os da força-tarefa da operação
- Neste ano, o tribunal tem imposto derrotas ao MPF-PR
- Decisões libertaram investigados e mudaram a tramitação de processos
A Lava Jato sofreu uma derrota importante no STF (Supremo Tribunal Federal) no início deste mês, quando a Corte aprovou uma tese jurídica que pode vir a anular sentenças dadas em processos da operação.
Não é só no Supremo, entretanto, que os argumentos da força-tarefa de combate à corrupção têm sido rejeitados. Historicamente alinhado com os entendimentos jurídicos da Lava Jato, o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) também tem imposto reveses à operação recentemente.
Só neste ano, desembargadores do TRF-4, que julgam na segunda instância os processos da Lava Jato, já contrariaram decisões da Justiça Federal de Curitiba e pedidos do MPF-PR (Ministério Público Federal do Paraná) pelo menos sete vezes.
O novo comportamento do tribunal já chamou a atenção de advogados e até de integrantes do próprio MPF, apesar de o órgão não se manifestar sobre o assunto.
Por causa dele, réus investigados foram soltos, um processo foi paralisado e outro transferido para uma vara judicial na qual integrantes da força-tarefa da Lava Jato do Paraná não podem atuar.
A mudança coincide com a saída do ex-juiz Sergio Moro da 13ª Vara Federal de Curitiba. Ele deixou a primeira instância para se tornar ministro da Justiça no governo Jair Bolsonaro (PSL).
Paulo Preto "escapa" da Justiça Federal do Paraná
Esta transferência, aliás, beneficiou Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, ligado a políticos do PSDB e ex-presidente da Dersa, a estatal paulista que era responsável por obras em rodovias.
Ele foi preso na 60ª fase da Lava Jato do Paraná, deflagrada em fevereiro. Na época, a força-tarefa o relacionou ao esquema de lavagem de dinheiro da Odebrecht e de pagamento de propinas para ex-diretores da Petrobras. Por isso, seu pedido de prisão foi expedido pela Justiça Federal do Paraná.
Paulo Preto chegou a ser denunciado pela Lava Jato paranaense duas vezes. Sua defesa, porém, alegou que suspeitas contra ele estavam relacionadas a um processo que já corria na Justiça Federal de São Paulo. Por isso, seu processo deveria ser transferido para lá.
A Justiça no Paraná negou a transferência do processo e o manteve em Curitiba. Entretanto, a 8ª turma do TRF-4 decidiu por unanimidade, no início deste mês, que o caso deveria, sim, ir para São Paulo, contrariando o que também defendiam os procuradores da Lava Jato.
O desembargador federal João Pedro Gebran Neto, relator dos processos da operação no TRF-4, não viu ligação do caso de Paulo Preto com a Petrobras. Por isso, decidiu por sua transferência. "O MPF não faz relação entre as supostas condutas de lavagem de dinheiro com o pagamento de agentes da Petrobras, o que seria necessário para justificar a conexão com os demais feitos da Lava Jato."
Paulo Preto segue preso preventivamente em Curitiba. O futuro de sua prisão será definido agora pela Justiça Federal de São Paulo.
Lava Jato prende, TRF-4 solta
Já estão soltos, contudo, quatro investigados presos a pedido da Lava Jato neste ano. Três executivos do Banco Paulista e Márcio Lobão, filho do ex-ministro Edison Lobão, foram libertados após recorrerem ao TRF-4.
Márcio Lobão teve sua prisão decretada pela Justiça Federal do Paraná por causa da suposta participação num esquema de corrupção na Transpetro. Segundo procuradores da Lava Jato, ele também é suspeito de lavar dinheiro comprando obras de arte.
Sua prisão foi revogada por Gebran Neto em setembro já que o desembargador entendeu que outras medidas cautelares seriam mais adequadas ao caso. Ele estabeleceu uma fiança de R$ 5 milhões para que o filho do ex-ministro deixasse a prisão. Lobão já está em liberdade, assim como os executivos três do Banco Paulista.
No caso do trio, a 8ª turma do TRF-4 decidiu que não há elementos suficientes que comprovem uma participação central dos executivos no esquema de lavagem de dinheiro investigado na Lava Jato. Por isso, eles deveriam ser soltos mediante o pagamento de fiança. Os executivos foram proibidos de deixar o país.
Outros decisões do TRF-4 contrárias à Lava Jato
- Gebran Neto libertou o empresário Guilherme Esteves em julho contrariando a Lava Jato, que viu em operações de repatriação de dinheiro uma tentativa de ocultação de bens
- O desembargador suspendeu temporariamente, também em julho, a tramitação de um processo contra o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, por possível conexão com crime eleitoral. O pedido já havia sido negado na primeira instância
- O TRF-4 aceitou parcelamento de dívida e libertou em abril o ex-deputado federal Luiz Argôlo mesmo após a Justiça de Curitiba negar seu pedido
- A 8ª turma do Tribunal concedeu liberdade em março a Armando Ramos Tripodi, ex-chefe do gabinete da Presidência da Petrobras, acusado de fraudes em fundos de pensão pela Lava Jato
Advogados veem cautela e política
Para o advogado Antonio Figueiredo Basto, que defendeu diversos réus da Lava Jato desde o início da operação, o TRF-4 está hoje mais cauteloso quando trata de prisões provisórias e mais crítico ao analisar os argumentos da Lava Jato.
"Penso que existe hoje uma maior reflexão sobre a operação em todos os níveis. O efeito manada foi abrandado e estamos vendo um pensamento crítico sobre a condução da investigação", disse ele. "A posição do TRF-4 mostra cautela e prudência. A mudança é bem-vinda, pois reflete o respeito ao trato constitucional da questão."
Basto ainda vê um contexto político diferente afetando os rumos da operação.
Esse novo contexto também é apontado pelo advogado e professor de Direito Penal da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Francisco Monteiro Rocha Júnior, como causa da mudança nas decisões do TRF-4. "A questão é que os ventos políticos mudaram. E não é só o STF que é um tribunal político ultimamente", disse ele.
O TRF-4 foi procurado pelo UOL para comentar suas últimas decisões, mas não respondeu.
A força-tarefa da Lava Jato no Paraná não quis se manifestar. Também não se manifestou a Procuradoria Regional da República da 4ª Região, órgão que atua nos casos da Lava Jato que chegam ao TRF-4.
Lula não se beneficia
Apesar das recentes decisões contrárias à Lava Jato no TRF-4, o tribunal segue juridicamente alinhado com os entendimentos da operação quando trata de casos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A defesa de Lula solicitou ao tribunal a inclusão as mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil no processo do sítio de Atibaia (SP) e a suspeição de desembargadores para julgá-lo. Os pedidos foram negados.
Lula também recorreu ao TRF-4 para comparecer ao enterro de seu irmão Genivaldo Inácio da Silva, o Vavá, que morreu em janeiro. O TRF-4 negou.
Pediu ainda que os bens referentes ao espólio de Marisa Letícia fossem desbloqueados, o que foi rejeitado em setembro.
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