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Bolsonaro rejeita telefone oficial e se expõe a grampos, dizem analistas

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) fala ao telefone celular em janeiro de 2019 - Isac Nóbrega/PR
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) fala ao telefone celular em janeiro de 2019 Imagem: Isac Nóbrega/PR

Eduardo Militão e Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

25/10/2019 04h01Atualizada em 25/10/2019 12h09

Resumo da notícia

  • Bolsonaro não usa o telefone criptografado oferecido pela Abin
  • Dilma e Temer também não usavam o aparelho
  • Especialistas levantam razões para a recusa: incompatibilidade com aplicativos ou desconfiança com a Abin

Ao imitar o comportamento de seus antecessores, Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) se expõe ao risco de ser vítima de um grampo ou outro tipo de violação de comunicações, apontam especialistas em segurança ouvidos pelo UOL.

Na crise com o PSL, o presidente teve conversa gravada por um deputado do próprio partido. Segundo relato de pessoa presente à reunião, um deputado federal dentro do gabinete presidencial atendeu a ligação de um colega no próprio celular e a repassou a Bolsonaro.

Bolsonaro teve a fala gravada e divulgada nas redes sociais. Ele pedia apoio para o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho, ser líder do partido na Câmara, e divergia da alegação pública de Bolsonaro de que não se intrometia em assuntos partidários.

Abin oferece telefone criptografado

Assim como Dilma e Temer, Bolsonaro se recusa a usar o telefone criptografado fornecido pela Abin (Agência Brasileira de Segurança) e pelo GSI (Gabinete de Segurança Institucional).

No início do ano, o presidente, vice e os ministros receberam celular com programas próprios para dificultar o vazamento de informações. No entanto, poucos aderiram ao aparelho pela menor compatibilidade com sistemas usados comercialmente.

No final de setembro, indagado se o celular que Bolsonaro carrega conta com alguma proteção especial, Heleno admitiu que o presidente continua usando o WhatsApp para troca de mensagens. Questionado se havia alguma recomendação para Bolsonaro, Heleno brincou que "vai aparecer um emoji daquele com 'cuidado presidente!'".

Para um funcionário da Abin ouvido pela reportagem, a relação com o telefone "vai de cada mandatário" e, por mais que a segurança governamental tome precauções, não há muito o que ser feito se o mandatário não colaborar.

Segundo um dos organizadores do maior evento de criptografia do Brasil, a Cryptorave, o analista Gustavo Gus, os riscos se dão em diferentes etapas do telefonema ou da troca de mensagens.

"Pode ser interceptado na antena da rede de telefonia, na operadora e no próprio telefone se tiver algum malware ou outro programa espião", afirma.

Alvo fácil

O professor de ciência da computação do Instituto Federal do Piauí, Dann Luciano, diz que, "com certeza", Bolsonaro vai ser vítima.

"A comunicação móvel é cheia de falhas de segurança, porque os protocolos são antigos e as operadoras não se preocupam em atualizar, porque isso causaria muita inconsistência", avalia ele, que dá aulas sobre como utilizar ferramentas de criptografia.

Analista de políticas públicas na ONG Coding Rights de defesa da privacidade, a advogada Bruna Santos diz que uma medida recente adotada pelo governo pode minimizar isso. A Anatel agora pode bloquear sinais de celulares a um raio de 200 metros do presidente, de acordo com informação divulgada pelo Planalto.

No entanto, isso não resolve, ela explica. "A ideia de usar criptografia é porque se trata de questões de Estado", avalia Bruna.

Para Gustavo Gus, é preciso saber a razão pela qual Bolsonaro rejeita as ferramentas de segurança. Ele tem dois palpites: um é que o presidente pode não querer um telefone incompatível com aplicativos comerciais, como WhatsApp, Telegram, Twitter e Instagram. Ou ele não confia na Abin.

"Os presidentes preferem ser grampeados por governos estrangeiros e por aliados do que pela Abin", avalia.

Procurado pelo UOL, o GSI disse que não se manifestará sobre a gravação telefônica de Bolsonaro.

O ministério, sob o comando do general Augusto Heleno, também não quis se manifestar se considera ter havido falha na segurança, se há aparelhos instalados no gabinete para inibir essa conduta e se protocolos de entrada no gabinete presidencial e procedimentos de comunicação serão revistos.

Grampeados: as conversas presidenciais vazadas

Interceptações de conversas presidenciais não são exclusivas de Bolsonaro. Relembre outros casos:

  • Julho de 2015. Arquivos da agência de inteligência dos EUA indicam grampos em telefones e e-mails de Dilma Rousseff e de outros membros do governo.
  • Março de 2016. Dilma ligou para o celular de Lula, que era alvo de um grampo da PF. A conversa acabou interceptada.
  • Abril de 2016. Vaza um discurso do então vice-presidente Michel Temer, prestes a assumir o governo. Era um áudio de WhatsApp enviado a um grupo.
  • Maio de 2017. Michel Temer é flagrado em grampos feitos no telefone do assessor Rodrigo Rocha Loures pela PF. Temer ainda foi gravado dentro do Palácio do Jaburu numa reunião secreta com o empresário Joesley Batista.
  • Outubro de 2019. Jair Bolsonaro atende à ligação de correligionário do PSL. A conversa vaza e amplia a crise com o partido e com o Congresso.