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De Adélio Bispo a Stédile: quem foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional

Adelio Bispo de Oliveira, agressor do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro - Polícia Militar/AP
Adelio Bispo de Oliveira, agressor do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro Imagem: Polícia Militar/AP

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

12/11/2019 13h10Atualizada em 12/11/2019 16h58

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) ameaçou ontem processar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com base na LSN (Lei de Segurança Nacional), criada durante o regime militar e que já enquadrou ao menos 156 pessoas nos últimos anos. Um deles foi Adélio Bispo de Oliveira, o homem que esfaqueou Bolsonaro durante a campanha presidencial de 2018.

A lei 7170, em vigor desde 1983, também foi usada contra outros personagens, muitos deles ligados a movimentos sociais. É o caso do coordenador do MST (Movimento dos Trabalhadores sem Terra), João Pedro Stédile, e do hoje deputado estadual soldado Marco Prisco (PSDB-BA), líder do movimento grevista de policiais militares em 2012.

Bolsonaro disse ao site O Antagonista que os discursos de Lula após deixar a prisão podem ser motivo para acionar a Justiça. "Temos uma Lei de Segurança Nacional que está aí para ser usada", disse.

Lula com bandeira no meio de seus eleitores em São Bernardo do Campo - Amanda Perobelli/Reuters - Amanda Perobelli/Reuters
Lula entre apoiadores em São Bernardo do Campo
Imagem: Amanda Perobelli/Reuters
Publicada pelo último presidente da ditadura, João Batista Figueiredo (1979-1985), a LSN tem 35 artigos que definem os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social.

Ao UOL, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) informou que pelo menos 156 pessoas foram processadas com base na lei entre 2014 e 2018: 10 em 2014, 33 em 2015, 40 em 2016, 28 em 2017 e 45 no ano passado.

"O envio deste tipo de informação ao CNJ pelos tribunais é recente e ainda possui inconsistência", informa o CNJ. "Pode haver mais processos sobre o assunto que não foram identificados e, por isso, não foram contabilizados."

Conheça algumas vezes em que a lei já foi aplicada e contra quem.

Adélio Bispo de Oliveira

Adélio Bispo de Oliveira confessou ter esfaqueado Jair Bolsonaro - Ricardo Moraes - 8.set.18/Reuters - Ricardo Moraes - 8.set.18/Reuters
Adélio Bispo de Oliveira confessou ter esfaqueado Jair Bolsonaro
Imagem: Ricardo Moraes - 8.set.18/Reuters
Autor do ataque contra o então candidato do PSL à Presidência, Adélio Bispo foi indiciado com base no artigo 20 da Lei de Segurança Nacional pelo crime de "atentado pessoal por inconformismo político".

Ele foi preso logo depois de ter esfaqueado o atual presidente durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG).

Confessou o crime, foi indiciado e depois transferido para um presídio federal em Campo Grande (MS). Apesar do processo, o autor da facada foi absolvido em junho por ser portador de uma doença mental que o teria levado a cometer o crime. Adélio Bispo foi condenado à internação compulsória.

Humberto Caporelli e Luana Bernardo Lopes

O pintor Humberto Caporelli, então com 24 anos, e sua namorada, Luana Bernardo Lopes, na época com 19, foram presos na esquina das avenidas Ipiranga e São João, em São Paulo, enquanto participavam de um protesto em outubro de 2013.

Com base no artigo 15 da Lei de Segurança Nacional, a dupla foi detida e acusada de depredar uma viatura da Polícia Civil.

Marco Prisco

Marco Prisco também comandou greve em 2012 - Lucio Tavora/ Ag. A Tarde - Lucio Tavora/ Ag. A Tarde
Marco Prisco comandou greve de policiais em 2012
Imagem: Lucio Tavora/ Ag. A Tarde
Hoje deputado estadual pelo PSDB, Marco Prisco acabou enquadrado pela mesma lei enquanto liderava um movimento grevista de policiais militares na Bahia em 2012.

Segundo o Ministério Público Federal, o tucano liderou movimentos grevistas "expressamente proibidos pela Constituição Federal", como é o caso de policiais militares.

Entre 16 e 18 de abril, afirma o MPF, "mais de cem pessoas foram assassinadas em Salvador, além de terem sido praticados saques, arrastão, roubos e restrição ao direito de ir e vir dos cidadãos".

Lula

Lula também foi processado em 1981 graças à Lei de Segurança Nacional. A acusação ocorreu antes da edição da 7170, editada em 1983. Até aquele ano, a LSN era a mesma de 1935, assinada por Getúlio Vargas. Na ocasião, o petista e outros quatro sindicalistas, entre eles Chico Mendes, foram interrogados por uma auditoria militar no dia 9 de abril de 1981, em Manaus (AM).

A audiência obedecia à representação da Polícia Federal, que o acusava de "incitamento à luta armada", "apologia à vingança" e incitamento à "luta pela violência entre as classes sociais".

"Eu fui um dia de noite lá e estava um clima pesado, muita gente armada, muita polícia, um clima muito tenso. E, aí, eu fui falar e disse o seguinte: 'Chega de trabalhador chorar a morte de companheiro. Está chegando a hora de a onça beber água'", afirmou Lula ao site "ABC de Luta", que reúne depoimentos históricos de sindicalistas do ABC paulista.

A frase dita na assembleia, "chegou a hora de a onça beber água", foi interpretada como ameaça pela polícia acreana e ele foi acusado de incitar a violência e enquadrados por subversão no artigo 36 da LSN.

João Pedro Stédile

31.out.2019 - João Pedro Stedile, um dos coordenadores nacionais do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) - Marcelo Ferraz/UOL - Marcelo Ferraz/UOL
João Pedro Stédile, um dos coordenadores do MST
Imagem: Marcelo Ferraz/UOL
Outro que também já foi denunciado e absolvido com base na Lei de Segurança Nacional foi o coordenador do MST e economista João Pedro Stédile.

Embora ele não estivesse presente no ato, foi acusado de orquestrar a destruição de 1 milhão de mudas de eucaliptos da Aracruz Celulose em março de 2006.

Em 2000, 11 agricultores do MST no Paraná também foram detidos com base na Lei de Segurança Nacional. Tudo para conter uma onda de ocupações de prédios públicos, que passou a ser combatida com a lei de 1983 e outras acusações, como porte ilegal de arma, formação de quadrilha, desobediência, resistência à prisão e incitação ao crime.

MLST

Seis anos depois, foi a vez de 116 militantes do MLST (Movimento pela Libertação dos Sem Terra) acabarem indiciados com base na Lei de Segurança Nacional. O grupo —uma dissidência do MST— foi acusado de praticar crime político por invadir a Câmara dos Deputados em junho de 2006 e entrar em confronto com os seguranças da Casa.

Os manifestantes viraram um automóvel no estacionamento, quebraram uma porta de vidro e destruíram equipamentos, levando 41 pessoas para atendimento no ambulatório médico da Câmara. O grupo reivindicava a mudança em uma lei segundo a qual toda a propriedade ocupada fica impedida de ser vistoriada para fins de reforma agrária por um período de dois anos.

O que prevê a lei?

Apesar de editada durante a ditadura, a Lei de Segurança Nacional não sofreu alterações ao longo de 36 anos de existência. Ela, no entanto, é uma adaptação de outra lei, de 1935, criada ainda pelo presidente Getúlio Vargas.

A LSN prevê penas de 1 a 30 anos de prisão para 21 crimes descritos em seus artigos, como negociar com país estrangeiro para prejudicar o Brasil, tentar dividir o país ou submeter parte de seu território a domínio estrangeiro, importar armas de uso exclusivo das Forças Armadas, tentar desmembrar o país, espionar para outro país, sabotar instalações militares, atentar contra o Estado de Direito, caluniar ou difamar o presidente, atentar contra a vida ou matar alguma autoridade da República, entre outros.

É justo prender Lula pela LSN?

Ao UOL, o professor de direito da PUC-SP Fernando Castelo Branco afirmou que a ameaça de prender Lula é "estarrecedora". "Não importa se Lula é condenado em segunda instância ou não, o que ele fez ali foi apenas criticar a política econômica, a Polícia Federal, o atual ministro da Justiça, tudo na esfera e num padrão democráticos."

Para o professor, no entanto, Lula pode se complicar se, em vez de expressar suas ideias, ele "se exorbitar". "Ele pode ser acionado civil e criminalmente por calúnia contra o presidente, por exemplo."

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