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'Inércia' de Bolsonaro foi decisiva para denúncia, dizem entidades

O presidente Jair Bolsonaro em evento realizado em Manaus - Marcos Corrêa/PR
O presidente Jair Bolsonaro em evento realizado em Manaus Imagem: Marcos Corrêa/PR

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

28/11/2019 13h09Atualizada em 28/11/2019 15h52

Resumo da notícia

  • Denúncia contra Bolsonaro foi apresentada ontem ao Tribunal Penal Internacional
  • Para entidades, Bolsonaro incita o ódio e violência contra indígenas
  • Documento contém 33 atos de Bolsonaro que demonstrariam as práticas
  • As atitudes representariam crimes contra a humanidade e de incitação ao genocídio

A "inércia" e "omissão" do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) diante do episódio que ficou conhecido como Dia do Fogo foi ponto decisivo para que uma denúncia contra o presidente fosse levada ontem ao TPI (Tribunal Penal Internacional), segundo as entidades responsáveis pela medida.

O Dia do Fogo foi um momento-chave das queimadas na Amazônia. Naquela data, em 10 de agosto, fazendeiros, madeireiros e empresários teriam coordenado a queima de áreas de Novo Progresso, no Pará.

Bolsonaro foi denunciado ao TPI por "crimes contra a humanidade" e "incitar o genocídio e promover ataques sistemáticos contra os povos indígenas do Brasil". A representação é da Comissão Arns e do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos.

"A degradação ambiental tem um efeito marcado e desproporcional sobre os povos indígenas, cuja existência física e estilo de vida dependem da floresta", diz trecho do documento entregue ao tribunal internacional.

O texto diz ainda que, "sob o pretexto de desenvolver a região amazônica, o governo Bolsonaro está transformando a política do governo em incentivo a ataques aos povos indígenas e suas terras no Brasil".

"A gente já vinha reunindo todas as questões, mas aquele [o Dia do Fogo] foi um fato muito grave que nos mobilizou a compilar e escrever [a denúncia]", diz a advogada Juliana Vieira dos Santos, uma das signatárias da petição. Na avaliação dela, o episódio concretiza as consequências de medidas e discursos do presidente contra o meio ambiente e os povos indígenas.

"A questão do Dia do Fogo acaba demonstrando todas as questões de inércia do governo, o desrespeito do presidente à sociedade civil, o desmonte das estruturas de fiscalização que levam a essa situação", afirma.

A advogada destaca, ainda, que o governo foi alertado três dias antes do Dia do Fogo de que produtores rurais pretendiam realizar a queimada. A reportagem foi publicada pela revista Globo Rural.

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A advogada Juliana Vieira dos Santos, o presidente da Comissão Arns, José Carlos Dias, a advogada Eloisa Machado e o advogado Belisário dos Santos, em coletiva sobre a denúncia contra Jair Bolsonaro
Imagem: Ana Carla Bermúdez/UOL

Na denúncia entregue ao tribunal, foram apresentados 33 atos realizados por Bolsonaro desde o início do seu mandato que, segundo as entidades, compõem o cenário de incitação ao discurso de ódio e violência contra os povos indígenas.

"Deles, 20 são medidas efetivamente tomadas pelo governo, como medidas provisórias e portarias, 8 são discursos de incitação à violência proferidos, e 5 grandes omissões frente a deflagração de conflitos", explica a advogada Eloisa Machado, que também assina a petição.

"O Dia do Fogo é expoente dessa nossa comunicação, quando ficou clara a demora na tomada de ações [por parte do governo]", complementa.

Entre as demais medidas comunicadas, estão a suspensão de convênios de ONGs que atuavam na Amazônia, constantes mudanças na Funai e o deslocamento de diretores dos principais órgãos ambientais, como o Ibama.

"Sentimos que foi nosso dever levar a conhecimento da procuradora [do tribunal internacional] uma série de discursos, atos e medidas que, na nossa interpretação, já se caracterizam como crimes de incitação a genocídio e contra a humanidade", afirma Machado.

Segundo o presidente da Comissão Arns, José Carlos Dias, a representação foi levada ao tribunal internacional por uma possibilidade de esses eventuais crimes não serem apurados pelo sistema judiciário brasileiro.

"Não podemos falar que isso tudo está comprovado. O que queremos é que seja investigado", diz Dias.

"Nosso maior objetivo é que essa onda de violência se cesse, que vítimas sejam reparadas e que o presidente Bolsonaro seja responsabilizado, se assim for o caso", diz Machado.

Próximos passos

A denúncia foi entregue à procuradora-chefe do Tribunal, Fatou Bensouda. Agora, ela poderá solicitar informações a Estados, órgãos das Nações Unidas, organizações intergovernamentais ou não-governamentais e a outras fontes que considere relevantes para entender melhor o caso.

Caso ela acredite que, a partir disso, há base suficiente para iniciar uma investigação, poderá então apresentar um pedido de autorização de investigação à Câmara de Questões Preliminares.

Depois disso, a próxima etapa é o início de uma investigação e a instauração do inquérito para apurar os crimes.

Segundo Eloisa Machado, uma eventual investigação pode gerar, "nas consequências mais graves, a solicitação de prisão de um chefe de estado". O tribunal, no entanto, não pode interferir em cassações de mandato, por exemplo. Não há prazos estabelecidos para que nenhuma dessas etapas ocorra.

O TPI investiga e julga acusados de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão. Por serem considerados de alta gravidade, os crimes sob jurisdição do TPI não prescrevem. Isto é: mesmo que seu mandato chegue ao fim, Jair Bolsonaro continuará passível de punição pelo tribunal.