Líder do centrão, Lira diz que governo Bolsonaro tem articulação nula
Resumo da notícia
- Ignorar os partidos é um erro político de articulação, afirma deputado ao UOL e à Folha
- Segundo Lira, sem apoio de siglas do centro, projetos do governo nem são pautados
- Para congressista, quando se vulgariza um tema como AI-5, daqui a pouco ele 'bate à porta'
- Líder do PP diz que PEC paralela que saiu do Senado dificilmente passará na Câmara
O governo Jair Bolsonaro (sem partido) tem articulação "nula" dentro do Congresso e terá dificuldades para aprovar novas reformas, em 2020. Esse é o entendimento de um dos principais articuladores do centrão e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Em entrevista concedida ao UOL e à Folha de S.Paulo, o deputado afirma entender que o comportamento do governo, de não interagir com líderes políticos, afugenta investidores.
"Aparentemente, Bolsonaro quer acertar, o problema está na estrutura abaixo dele, que não está engrenada, a articulação, os ministérios. É difícil quando um governo não reúne com os líderes para conversar", disse. "Ignorar os partidos é um erro político de articulação."
A falta de organização do governo, para Lira, dá protagonismo ao Congresso. Ele afirma que nenhum projeto entra na pauta da Câmara sem apoio do centrão — grupo informal composto por DEM, PP, PL, Republicanos, MDB, PSD e Solidariedade e responsável pela condução da reforma da Previdência.
Durante a entrevista, foram abordadas as acusações que o Ministério Público fez contra ele no âmbito da Operação Lava Jato, as declarações de Paulo Guedes (Economia) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre AI-5 e a queda de braço entre a Câmara e o Senado.
Leia a seguir os principais trechos da conversa, realizada anteontem pela manhã no estúdio do UOL/Folha em Brasília. A íntegra está disponível em podcast e no Youtube.
Relação entre governo e Congresso
UOL/Folha - A reforma da Previdência foi aprovada por mérito do governo ou do Congresso?
Arthur Lira - Acho que o governo teve o mérito em mandar para o Congresso a proposta, seja dita uma verdade clara, ela já vinha bastante amaciada dos debates do governo anterior [Michel Temer-MDB]. Câmara e Senado abraçaram a ideia, sabiam da necessidade de se praticar uma reforma. E teve a coragem de fazer alterações que eram necessárias e se retirou o que penalizava os mais pobres, aos pequenos. A questão do BPC (aposentadoria para idosos carentes), o abono. Muitas questões foram suavizadas.
Na sequência muitos outros projetos, como cessão onerosa e outras coisas que vieram dar mais repartição de recursos, mais equilíbrio financeiro.
Há como um projeto passar sem apoio do centrão?
É difícil. Você tem alguns partidos que compõe a esquerda, PT, PSB, PDT, PC do B, PV, Psol, Rede. Tem uma parte do PSL votando com o governo e tem os partidos de centro, 280, 300 deputados dependendo da votação. E esses partidos, há de ser reconhecido, deram muita estabilidade para o presidente da Casa.
O presidente da Câmara [Rodrigo Maia] ganhou um tamanho no Brasil. A instituição presidência da Câmara pegou um respeito pelo equilíbrio e assertividade nos temas para fazer moderação nos extremos que ficou claro para o eleitor médio que a Câmara teve um papel muito importante.
O centrão teve um papel de muita importância. E quando há um projeto que não tem apoio do centro ele sequer é pautado
Arthur Lira, líder do PP
Como fica o governo sem uma base do PSL? Como fica a negociação com o centrão?
Todos as articulações levam para um caminho de semiparlamentarismo no Brasil. O governo está na tese em que ele foi eleito. O presidente Bolsonaro não enganou ninguém, não cometeu nenhum tipo de estelionato eleitoral. Quem votou nele votou sabendo que era o que ele pregava e é o que ele está fazendo.
O governo superestima uns assuntos e subestima outros. E a gente está ali para diminuir o que ele superestima e valorizar o que ele subestima para chegar a um equilíbrio.
O governo tenta fazer um apoio projeto a projeto, que é desgastante para o Congresso e para o governo. E a gente tenta diminuir esse tipo de desgaste. Dizer que o governo tem base, bancada e apoio é difícil.
Isso tem reflexos bons. O Parlamento ganhou liberdade para ter protagonismo. E principalmente no Orçamento impositivo.
O governo não tem base e dificuldade de cumprir acordo. Com mais dinheiro e poder na mão do Parlamento, será difícil o andamento de reformas do governo?
A gente parte do princípio de que não vamos ter mais dinheiro. O problema é que o Orçamento era comandado por poucas pessoas, o núcleo do Planejamento, da Fazenda e 20 ministros. O Congresso funcionava como pedinte. 'Não é a minha prioridade', você tinha que ouvir dos ministérios.
E esse Orçamento impositivo vai democratizar. São 600 parlamentares eleitos, que não são nomeados, indicados e tem que prestar conta de tudo que faz.
E com relação à articulação?
Com relação à articulação do governo, para gente não falar bem nem mal, a articulação do governo é nula. Ela não existe. Ela, às vezes, dificulta o trabalho dos líderes.
Os líderes funcionam como porta-vozes. Ignorar a figura do líder, do presidente do partido, dos partidos políticos é um erro político de articulação.
O governo apostou nas frentes parlamentares, que são importantíssimas. Mas elas têm que cuidar de temas afins.
As reformas, tanto tributária, administrativa, pacto federativo não acontecem esse ano. E para acontecer ano que vem vão ser discussões muito duras. Para que a gente não cause prejuízos a este ou àquele setor.
O Congresso tem que saber separar os discursos populares e as questões que vão salvar o Brasil
A reforma da Previdência ainda não trouxe os efeitos, porque os efeitos são de longo prazo e muitas vezes as falas do governo afugentam aqueles que poderiam vir investir no Brasil.
'Se não aprovar a Previdência, o dólar vai para R$ 4,20', nós aprovamos a Previdência, demos quase R$ 1 trilhão de potência fiscal, como dizia o Guedes. E o dólar está a R$ 4,25.
Tem que ter um cuidado para saber das causas e efeitos e o Congresso deverá se posicionar em 2020.
O governo mexeu na articulação e colocou o general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). Não funcionou?
A gente conversa com ele. É um homem bem-intencionado. Veio do Exército, e muitas vezes ele tem que ter um tempo para que entenda da política, entenda desses trâmites.
É aquela história, você está numa casa muito bonita, com vento, brisa, mas tem poeira no chão. Você vai varrendo a poeira e a brisa bota a poeira para dentro. Isso tem sido uma ação recorrente. A articulação falha nisso, é público. O governo mudou alguns líderes, mas infelizmente, quando você não é empoderado, você não tem autonomia para bancar os acordos.
AI-5
O Congresso está fazendo esforço maior para manter o equilíbrio dos três Poderes?
Eu acho que os Poderes têm trabalhado para harmonizar e nós temos a obrigação de manter os princípios democráticos muito ativos. Essas brincadeiras de ficar citando AI-5 como maneira de tentar impedir movimentos que venham pacíficos, a gente não pode reclamar de movimento pacífico. A gente tem que reclamar de movimentos que vem o vandalismo, agressões com com violência.
Quando a gente começa a vulgarizar um tema como AI-5, que é muito caro, você vai falando, falando e daqui a pouco tem um AI-5 batendo na sua porta. A manutenção da ordem da democracia é imperiosa.
O Brasil tem dimensão e tamanha importância no mundo, que não pode viver na história da republiqueta de bananas
Previdência
Tem a PEC paralela [aprovada no Senado]. Na Câmara já havia a sinalização de que não havia clima para votar a inclusão de estados e municípios.
O Senado reabre a discussão querendo mudar a regra de transição. Querem mudar isso, aquilo, fazer concessões. Aí a gente vai. Vai voltar toda aquela história na Câmara e fica impraticável, se você abre a discussão dessa, e uma das casas pensa diferente da outra, você não termina. Nesse sentido, o que o Senado fez agora, dificilmente prospera na Câmara.
Tensão com Senado
Nas últimas sessões do Congresso, os acordos feitos entre lideranças da Câmara e Senado não são cumpridos pelos senadores. O que está acontecendo?
O Senado não vem conseguindo honrar com os acordos que são feitos pelas lideranças deles mesmos. Não é uma coisa que está contra a Câmara. É um problema interno lá. Uma questão mal resolvida, talvez um grupo querendo de mostrar e querendo ser ouvido. Mas isso tem prejudicado o andamento das sessões do Congresso.
Houve partidos que fizeram acordo e não entregou os votos, como o próprio PSDB.
A gente vê uma atuação da 'velha guarda do MDB' não contribuindo para manter esses acordos. É esse grupo que está atuando? Há um acirramento na relação entre o centrão da Câmara e a 'velha guarda do MDB'?
Não vejo por aí. Meus problemas políticos com Renan Calheiros são em Alagoas. Tem que separar as questões locais das nacionais. Não acredito em nenhuma correlação do centrão da Câmara com o centrão do Senado, ou o dito MDB. Eduardo Braga é um excelente senador, Eduardo Gomes, Fernando Bezerra. A bancada do MDB tem mais ajudado do que atrapalhado.
Agora, de fato, alguma coisa está acontecendo ali que os votos não se transformam em realidade na hora de derrubar os vetos.
Réu na Lava Jato e MPF político
O senhor tem alguns processos no Supremo, um deles, da Lava Jato. E o Ministério Público faz acusações de formação de quadrilha...
[interrompe] Não, não faz mais isso, não. O que você vai ter é o seguinte. Na época da famosa lista do Janot [Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República], que é um sujeito que fez muito mal ao país hoje paga o preço no ostracismo em que vive, vem o problema da delação.
O meu partido teve uma guerra interna. Em 2011 tivemos uma discussão muito forte e retiramos toda uma estrutura partidária que existia em liderança, ministérios, Petrobras. E quem foi prejudicado foi Alberto Yousseff, que era ligado lá à turma. E esses cara caiu por outro motivo na delação e teve que entregar alguma coisa.
Se você pegar o vídeo da delação do Youssef é cômico, os caras [procuradores] botaram um Wikipedia na frente, estado por estado para ele dizer quem recebia dinheiro.
E ao final foi feita a pergunta: 'Você entregava?' Não. 'Você via entregar?' Não. E você fica preso, 5, 6, 7 anos numa delação de um inimigo seu sem nenhuma prova.
Eu respondia a três inquéritos [movidos pela lista de Janot], dois foram arquivados. Um por unanimidade, outro por maioria. E sobrou um que os fatos são os mesmos dos processos arquivados. Como ele não tinha mais corrupção, lavagem, ele fez organização criminosa. O meu partido é uma organização criminosa porque era um grupo contra outro em busca de benefícios? Não. Isso é da política.
Os fatos tratados nessa ação já foram arquivados. Isso é uma ação morta, de desgaste político, de humilhação, de família que sofre por uma inconsequência de um procurador desvairado e irresponsável como foi o Janot e por uma legislação que permite esse tipo de coisa.
Foi uma atuação política do Janot?
Não tenho dúvidas. Não contra mim, porque ele fez contra 200 parlamentares. Quem tinha uma certa relação política com Eduardo Cunha sofreu muito na mão de Janot.
Que fim teve a delação da Odebrecht até hoje? Que fim teve a delação do cara da Transpetro, que foi pego com R$ 500 milhões na conta?
Então, essas coisas que precisam ser revistas. Esse tipo de ação que parece muito louvável, na maioria das vezes a gente vê interesse político em se candidatar após essas operações.
Isso aconteceu com Sergio Moro [ministro da Justiça]?
Vai acontecer. Aconteceu. Se você, separar, se você fosse num país como a Alemanha, como a França, um juiz que julgou um determinado partido vaza um áudio da presidente da República e depois é ministro do governo que se elege. Esse fato fala por si. Não faço críticas pessoais, mas esse fato fala por si. Não tem vínculo dizer que teve imparcialidade nessa situação e espero que a história corrija o sacramento desse assunto. Não posso fazer juízo de valor sobre isso.
Essa instituição [Ministério Público] que vai salvar o Brasil? Sem nenhum controle, sem nenhuma fiscalização, sem ninguém que puna? Porque o CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] é um órgão decorativo. O CNJ [Conselho Nacional de Justiça] ainda pune com aposentadoria compulsória, ainda afasta. Manda prender alguns casos, mas o CNMP, me diga uma?
Presidência da Câmara
O sr. já é candidato à presidência da Câmara no próximo biênio (2021-2022)?
Não, veja. Vamos deixar essa situação de candidaturas à parte. É muito cedo. Isso influencia diretamente no humor das pessoas, dos partidos, vamos precisar de todos juntos para continuarmos trabalhando para 2020.
Esse assunto a gente tem que tratar lá para outubro, novembro do ano que vem. Todo mundo que está ali dentro sonha em ser. Mas acho que o momento é inapropriado. O presidente Rodrigo tem feito um bom papel e nós precisamos estar juntos com relação a esses temas que ainda virão.
Assista à entrevista completa abaixo:
* Colaborou Luciana Amaral, do UOL, em Brasília
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