Após adotar discrição digital, Carlos Bolsonaro se mantém vereador calado
Longe do Twitter por um mês e um dos alvos da CPMI das Fake News no Senado, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), que completou 37 anos ontem, vive a contradição de ser um dos principais influenciadores digitais da extrema-direita no país e passar por uma espécie de silencioso isolamento virtual do governo.
Neste domingo, após quase 30 dias de silêncio, o vereador se manifestou na rede social com um vídeo de um chef de cozinha. Resta saber se será a retomada de um ativismo ferrenho que o caracterizou ou apenas um gesto para seus seguidores.
O UOL acompanhou por alguns dias a rotina do filho do presidente Jair Bolsonaro, que havia saído das suas contas nas redes sociais em 12 de novembro.
Após abandonar as postagens na internet, Carlos Bolsonaro não elaborou nenhum projeto de lei.
No intervalo de 30 dias anterior à sua saída do Twitter, o filho do meio do presidente apenas apareceu como um dos 27 apoiadores do projeto de lei do vereador Junior da Lucinha (MDB-RJ), sobre a discriminação do destino de multas sobre veículos. O levantamento foi feito pelo UOL no site da Casa.
Na segunda (2), Carlos reativou o seu perfil no Instagram, que tem mais de 1,9 milhão de seguidores. Mas ainda não fez postagens. Lá, seguem em destaque postagens referentes às ações do governo federal.
Cartaz sobre Marielle no corredor
Todos os dias, Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) passa em frente a um cartaz com a pergunta: "Quem matou Marielle?". O pôster está afixado na porta do gabinete do vereador Tarcísio Motta (PSOL-RJ), que fica a caminho do seu local de trabalho, no nono andar do prédio da Câmara Municipal, no centro do Rio de Janeiro.
O filho do presidente depôs como testemunha nas investigações sobre o assassinato da vereadora do PSOL, devido à uma discussão entre os seus gabinetes, porém nada até agora liga o vereador ou sua família diretamente ao crime, além do fato de o PM aposentado Ronnie Lessa, preso pelo atentado, ser vizinho dos Bolsonaros no Rio.
O porteiro do condomínio, que havia dito que "seu Jair" autorizou a entrada no local de Élcio Queiroz, preso como comparsa de Lessa, acabou desmentindo o próprio depoimento à Polícia Federal após divulgação do fato pela TV Globo e a exposição de sua identidade pela revista Veja.
No fim da tarde de terça-feira (26), após o plenário, havia movimentação no gabinete do vereador.
Num intervalo de 30 minutos, aparecem por ali três assessores e dois seguranças, que acompanham todos os deslocamentos do vereador.
Nesse horário, só havia a presença da reportagem no estreito corredor com cerca de 20 metros, onde rivais políticos se encontram casualmente e onde ocorreu a discussão entre Carlos e um assessor da vereadora Marielle.
"Você vai para onde?", questiona uma assessora, a caminho do elevador. Em seguida, ela fica parada por alguns segundos em frente ao gabinete, enquanto olha para o celular. Em momentos distintos, os dois seguranças deixam o gabinete para monitorar o local.
A sensação é de que a presença de qualquer pessoa no corredor é capaz de gerar apreensão. Às 17h44, a porta do gabinete é aberta mais uma vez. Com um segurança à frente e outro atrás, Carlos Bolsonaro deixa o local, com uma mochila às costas.
Ele não vai para o elevador: caminha em direção à escada de emergência, olhando para o repórter, que acena com a cabeça. Ele retribui, com um movimento rápido.
Apatia no plenário
Nem mesmo a presença em pauta do projeto de lei que permite o armamento da Guarda Municipal do Rio de Janeiro, uma das bandeiras defendidas pelo clã Bolsonaro, parecia afetar Carlos na tarde de 27 de novembro. O ambiente na Câmara era polarizado naquele momento.
De um lado da galeria, no segundo andar do plenário, camelôs estendem mensagens como "chega de repressão" e "camelô é trabalhador". Do outro, os servidores exibem faixas atribuindo a redução de homicídios à ação da guarda.
Vereadores trocam ideias entre si, sobem ao púlpito para discursar e circulam de um lado para o outro no plenário. Carlos, não.
Encostado na parede e com as mãos no bolso do blazer azul, ele observa a tudo com um certo distanciamento, alheio à tensão.
Ele não reage nem mesmo quando é citado pelo vereador Jones Moura (PSD-RJ), autor do projeto, que elogia a sua articulação nos bastidores, gerando manifestações de apoio entre os guardas municipais que acompanham a sessão na galeria. A votação acabou sendo adiada por falta de quórum.
Por volta das 18h30, Carlos Bolsonaro deixa a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, cercado por três seguranças. Abordado, ignora a presença da reportagem, afastada rapidamente por um dos seguranças. Em seguida, entra em um carro e deixa o local.
A reportagem do UOL ainda tentou contato com o vereador através de seu gabinete e por email, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Raros pronunciamentos
Apesar de ter sido o vereador mais votado nas últimas eleições, com 106.657 votos, Carlos apresenta uma atividade considerada modesta no legislativo municipal, com raros pronunciamentos no seu quinto mandato.
Segundo reportagem publicada pelo UOL em fevereiro deste ano, o vereador ficou mais de um ano sem subir ao púlpito do plenário para discursar. Ele ficou o ano passado inteiro sem se pronunciar. Em 2017, se manifestou em relação a um projeto de sua autoria, que previa penas mais rígidas para autores de pichações em instalações da cidade.
Ele é e sempre foi uma pessoa absolutamente omissa no plenário da Câmara. Não participa de debates nem em temas do seu interesse. Não argumenta, não defende o seu ponto de vista
Vereador Tarcísio Motta (PSOL-RJ)
O vereador Motta diz ter rompido relações com Carlos Bolsonaro no começo do ano, quando pediu assinatura dele para uma emenda.
"Ele disse: 'Você fala mal do meu pai e depois quer a minha assinatura?'. Eu tentei argumentar. Mas ele disse para eu sair de perto e virou as costas. Depois disso, não nos falamos mais. Ele passou a ser grosseiro. E isso acabou interrompendo qualquer possibilidade de relação. É o único vereador na Câmara com quem eu não tenho nenhum tipo de relacionamento".
Esclarecimentos na CPMI das Fake News
O senador Angelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News, que investiga a propagação de notícias falsas nas eleições de 2018, disse que Carlos Bolsonaro deve ser chamado para prestar esclarecimentos. O vereador apagou o seu perfil no Twitter em meio às investigações.
"Por ser uma pessoa muito atuante nas redes sociais, a saída dele da internet é, no mínimo, estranha. O próprio pai [o presidente Jair Bolsonaro] já disse que Carlos era o responsável pelas suas redes sociais. Por isso, será chamado para falar sobre as postagens para verificarmos se foram feitas dentro da legalidade eleitoral".
Ouvida na quarta-feira (4) na CPMI, a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) acusou o presidente Jair Bolsonaro de usar 2 milhões de robôs entre os seus seguidores para propagar fake news.
"Vamos investigar se esses robôs influenciaram nas eleições e se estão sendo bancados por dinheiro público", explica o Coronel.
Joice também afirmou existir um esquema de organização criminosa articulado na internet durante a campanha eleitoral. E acusou o vereador Carlos Bolsonaro de tentar montar uma estrutura no governo para monitorar possíveis ameaças à segurança do país.
Calado desde a adolescência
Na juventude, Carlos sempre foi considerado pelos colegas de escola como um garoto quieto e educado. Estudou no Colégio Palas, da Tijuca, na zona norte do Rio, conhecido pelo perfil conservador.
Nas aulas, só participava quando era exigido. Não costumava ir à casa de amigos ou sair à noite, até porque gostava de acordar bem cedo para fazer pesca submarina e surfar, de acordo com integrantes de seu círculo.
Segundo pessoas próximas, a vida social de Carlos segue pacata. Quando era ativo nas redes sociais, gastava parte do tempo com postagens de apoio ao governo do pai e às políticas conservadoras.
Sem perfil no Twitter há quase um mês, a rotina do vereador se resume aos deslocamentos de casa para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, onde raramente interage com pessoas fora do seu gabinete.
* Colaborou Chico Alves
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