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Como seria 2020 se Bolsonaro tivesse deixado os dislates no zap da família?

Como seria 2020 se Bolsonarro tivesse segurado a boca em 2019? - Pedro Prado/UOL
Como seria 2020 se Bolsonarro tivesse segurado a boca em 2019?
Imagem: Pedro Prado/UOL

Nina Lemos

Especial para o UOL*

03/01/2020 04h01

Resumo da notícia

  • UOL convidou vozes novas e consagradas para um exercício de reflexão
  • Sob o mote "Como seria 2020, se em 2019...", os textos revisitam o ano passado e analisam o que chega
  • Neste, a escritora Nina Lemos aborda as consequências da verborragia de Bolsonaro
  • Durante a semana, haverá textos sobre a paz no Oriente Médio e meio ambiente

No fim de agosto, o presidente do Brasil recebeu um twitter de um seguidor fazendo piada comparando Michelle Bolsonaro com a mulher de Emannuel Macron, Brigitte, de 66.

Na mensagem, há fotos dos dois casais e a frase: "é por isso que o Macron implica com o Bolsonaro", querendo dizer que se tratava de um concurso de beleza de esposas. Que Macron teria "inveja" de Bolsonaro.

Bolsonaro compartilhou a mensagem e ainda acrescentou: "também não humilha kkkk". E esse foi um dos fatos que mancharam o ano que se encerra.

Mas se em vez disso, o presidente da República tivesse tomado uma atitude sensata?

Ok, não vamos viajar muito e pensar que ele poderia ter percebido que aquele era um comentário preconceituoso e bobo. Para isso, ele teria que ser outra pessoa.

Mas e se ele tivesse rido do comentário e mandado o post para o grupo de Whatsapp que deve ter com 01, 02 e 03? Eles gargalhariam, trocariam memes de mulheres velhas e feias (segundo eles, que são "lindos)". E ficaria por aí.

O que teria acontecido? Nada.

O Brasil não teria passado uma das suas maiores críticas democráticas dos últimos tempos. Macron não teria falado publicamente no G7 que tinha pena das mulheres brasileiras, que deviam estar sentindo vergonha. Tudo teria sido evitado se o presidente ? humm, mantivesse a boca fechada!

Nós, mulheres, na ocasião, fizemos o que costumamos fazer nesses casos: tentamos resolver a crise diplomática! Assim como tentamos apartar brigas entre familiares em festas de Natal, ou pedimos desculpas por coisas que nossos filhos ou maridos fazem.

Nós fomos lá, pedir desculpas para Brigitte Macron. Ela nos agradeceu. Sim, quebramos esse galho para o Brasil.

Mas, mesmo com nossos esforços, os líderes mundiais mais "normais" falaram mal do presidente em rodinhas pelas costas. Foi o que aconteceu no G7, em agosto.

Alguém filmou Merkel, Boris Johnson e Macron conversando. Angela fez o mesmo que nós brasileiras, tentou colocar panos quentes na situação.

"Alguém tem que ligar para ele", ela diz, enquanto Macron fazia cara de surpresa: "para ele? Para o Bolsonaro?"

Merkel também foi alvo...

Por falar em Merkel, sim, ela, a mulher mais poderosa do mundo, também foi desrespeitada por Bolsonaro, o diplomata. Em uma entrevista, no meio da crise mundial provocada pelas queimadas na Amazônia, ela disse:

"Eu queria até mandar um recado para a senhora querida Angela Merkel, que suspendeu 80 milhões de reais para a Amazônia. Pegue essa grana e refloreste a Alemanha, ok? Lá está precisando muito mais do que aqui".

O que aconteceu depois disso? A Alemanha cancelou o repasse de R$ 155 milhões que doava para conservação da floresta brasileira! A justificativa foi o aumento do desmatamento. Mas talvez o dinheiro ainda caísse na conta se Jair não falasse mal de Angela em uma entrevista, mas apenas no grupo de família, com 02, 03 e 04.

Eles chamariam Merkel de chata, velha, feia etc.

Mas, depois disso, Bolsonaro conversaria com diplomatas, seria bem orientado e telefonaria para a chanceler.

Em vez de falar "A Alemanha que cuide de suas florestas", falaria que estava disposto a lutar pelo meio ambiente junto com outros países.

O que aconteceria? A Amazônia não teria perdido milhões!

O Brasil não está em condições de falar não para dinheiro, minha gente! Mas Jair Bolsonaro parece não pensar nisso.

Estamos rasgando dinheiro como se não houvesse amanhã.

Câmera flagra Merkel falando de Bolsonaro a Macron

UOL Notícias

O turismo gay também foi alvo...

O turismo gay, por exemplo, movimenta R$ 150 bilhões por ano no Brasil!

Repito: 150 bilhões!

Mas o que nosso presidente fez? Deu a seguinte declaração:

"O Brasil não pode ser um país do mundo gay, do turismo gay. Temos famílias!".

Ele ainda complementou prestando um desserviço para as mulheres, claro: Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Agora, não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay aqui dentro".

Resultado: o Brasil anda perdendo turistas. Só no primeiro semestre foram 5,4%. E o Rio de Janeiro saiu da lista das cidades mais visitadas do mundo, depois de anos figurando nela.

Foi só por causa dessa frase? Claro que não. Mas pelo conjunto da obra. Se você fosse um estrangeiro gay, visitaria o país que tem um presidente que disse isso e que já declarou que preferia ter um filho morto a ter um filho gay?

O jeito é torcer para que Bolsonaro guarde suas "piadas" para o grupo de família. Se não, o que vai sobrar de nós?

Ah, claro, nem imaginamos como seria se Bolsonaro NÃO tivesse elogiado o Pinochet, desrespeitado Michelle Bachellet, brigado com a Greta etc.

Teríamos outra imagem no mundo. E, quando falamos que somos brasileiros, não ouviríamos dos gringos um educado: "eu sinto muito".

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo - UOL - UOL
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo
Imagem: UOL

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.