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Morte de miliciano afeta investigação sobre rachadinha de Flávio Bolsonaro?

Adriano Nóbrega era acusado de chefiar milícia no Rio de Janeiro - Reprodução
Adriano Nóbrega era acusado de chefiar milícia no Rio de Janeiro Imagem: Reprodução

Igor Mello

Do UOL, no Rio

11/02/2020 04h00

Resumo da notícia

  • A morte do ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega não deve prejudicar as investigações do Caso Queiroz, dizem juristas ouvidos pelo UOL
  • Adriano era um dos principais investigados no caso, que apura um suposto esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj
  • A apuração do MP encontrou diversos indícios de que Adriano ajudou a lavar dinheiro do esquema e obstruiu investigações

O impacto da morte do ex-policial militar Adriano Magalhães da Nóbrega nas investigações do Caso Queiroz foi amplamente discutido nas redes sociais desde que a notícia da morte dele em uma operação policial na Bahia veio a público no domingo (9).

A morte do Capitão Adriano, como o chefe do Escritório do Crime era conhecido, não deve ser determinante para o desfecho das investigações, apontam juristas ouvidos pelo UOL.

Foragido desde janeiro do ano passado, quando foi um dos principais alvos da Operação Intocáveis, Adriano foi denunciado pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio) por crime de organização criminosa. Além de integrar um dos núcleos investigados pelo MP-RJ no âmbito do Caso Queiroz, o miliciano chegou a ser investigado no inquérito que apura a morte de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, mas sua participação no homicídio não foi provada.

Adriano foi morto durante uma ação conjunta da Polícia Civil do Rio e da Polícia Militar da Bahia na cidade de Esplanada, a 171 km de Salvador, onde estava escondido em uma propriedade rural.

A versão oficial sobre a ocorrência é de que Adriano teria reagido à ordem de prisão e trocado tiros com PMs. O miliciano —chefe da milícia que controla a comunidade do Rio das Pedras, na zona oeste carioca— teria sido baleado e socorrido ainda com vida, mas não resistiu aos ferimentos.

O advogado de Adriano, Paulo Emílio Catta Preta, contou que o miliciano havia lhe dito que tinha medo de ser alvo de uma queima de arquivo —morte de uma testemunha ou envolvido em organização criminosa que possui informações comprometedoras.

Neste domingo, a expressão "queima de arquivo" esteve entre os assuntos mais comentados do Brasil no Twitter. Diversos políticos de esquerda e a viúva de Marielle Franco, Monica Benício, levantaram suspeitas sobre a circunstância da morte.

Impacto limitado nas investigações, diz criminalista

De acordo com o advogado criminalista Rodrigo Costa, professor de Direito Penal da UFF (Universidade Federal Fluminense), o impacto da morte de Adriano nas investigações deve ser limitado, uma vez que existem outros meios de prova em crimes financeiros.

"Óbvio que existe um impacto direto porque perde-se a chance de intimar o acusado para que ele preste depoimento. Mas esse impacto não é tão grande quando a investigação trata de um crime financeiro, por exemplo. Seja porque o acusado pode escolher permanecer calado ou porque há outras medidas de investigação —como medidas cautelares, quebras de sigilo e etc.— que podem ser usadas não mais para incriminá-lo, mas para provar o envolvimento de outras pessoas naqueles crimes", explica.

Costa explica ainda que as apurações sobre crimes cometidos apenas por Adriano ficarão prejudicadas, mas isso não afeta casos em que há outros investigados.

O miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega durante vida como fugitivo na Bahia - Reprodução - Reprodução
O miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega durante vida como fugitivo na Bahia
Imagem: Reprodução

"No processo penal brasileiro a responsabilidade é individual e intranscendente, ou seja, não pode ultrapassar a pessoa do condenado. Os crimes que ele praticou sozinho não vão ser punidos porque ele faleceu. Mas os que praticou em conjunto com qualquer outra pessoa não deixam de ser apurados", ressalta.

Na mesma linha, a jurista Patrícia Glioche, professora de Direito Penal da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), lembra que a morte de Adriano impede que ele viesse a se tornar um colaborador da Justiça nesse ou em outros casos. Do ponto de vista burocrático, não há nenhuma alteração na tramitação do PIC (Procedimento de investigação criminal) no MP-RJ.

"Continua valendo o mesmo PIC, mas em relação a essa pessoa está extinta a punibilidade", explica.

Patrícia Glioche lembra, porém, que a situação é diferente nos casos de homicídios em que o miliciano era investigado. "O homicídio é um crime muito difícil de elucidar, porque caso não se consiga esclarecer mais perto dos fatos fica cada vez mais difícil", diz.

Rachadinha e parentes em gabinete de Flávio

Nos pedidos de busca e apreensão que redundaram em uma operação contra o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), assim como seu ex-assessor Fabrício Queiroz e outros alvos da investigação, o MP-RJ detalhou as linhas de investigação desenvolvidas até aqui pelos promotores do Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção).

Em janeiro do ano passado, o jornal O Globo revelou que Flávio Bolsonaro empregou durante anos em seu gabinete a ex-mulher de Adriano, Danielle Mendonça, e a mãe do miliciano, Raimunda Veras Magalhães. O chefe do Escritório do Crime e suas familiares compõem um dos núcleos da suposta organização criminosa ligada ao gabinete de Flávio na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio).

Com base em informações fiscais, bancárias e dados contidos no celular de Danielle, o MP reuniu indícios de que Adriano participava ativamente das articulações de rachadinha —esquema em que funcionários devolvem parte de seus salários. Além disso, as conversas também indicam que Adriano ficava com parte dos recursos da rachadinha devolvidos por suas parentes.

As investigações apontam que Danielle e Raimunda eram funcionárias fantasmas no gabinete de Flávio e devolveram parte de seus salários para Queiroz, que é apontado como operador financeiro do esquema. No total, o ex-assessor —que foi colega de trabalho de Adriano na Polícia Militar— recebeu cerca de R$ 200 mil das ex-assessoras.

Parte desses valores passaram por contas de dois restaurantes localizados no Rio Comprido, zona norte do Rio, antes de chegaram a Queiroz. Os dois estabelecimentos têm a mãe de Adriano, Raimunda, como sócia formal. Porém, segundo os investigadores, as empresas pertenciam de fato ao miliciano e foram usadas para lavagem de dinheiro do esquema de rachadinha.

Os dois restaurantes ficam na mesma rua da agência 5663 do Banco Itaú. Segundo o primeiro relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) sobre Queiroz —que deu origem a toda investigação sobre a rachadinha—, nessa agência foram registrados 17 depósitos não identificados em dinheiro vivo na conta do ex-assessor de Flávio Bolsonaro. Eles somam R$ 91.796,00 entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017 —42% de todo o valor depositado em espécie a Queiroz nas transações discriminadas pelo Coaf.

Além de ter ajudado na lavagem de dinheiro do esquema, Adriano também auxiliou Queiroz a obstruir as investigações. Mensagens obtidas no celular de Danielle —que foi apreendido durante a Operação Intocáveis, em janeiro de 2019— mostram que a milícia chefiada por Adriano forneceu um advogado para sua ex-mulher.

Além disso, mensagens indicam que Adriano e Queiroz orientaram Danielle a faltar ao depoimento no MP-RJ.

Em diálogo em 16 de janeiro, Queiroz pergunta a Danielle se ela já havia sido chamada para depor ao MP. Diante da confirmação, ele determinou que ela não comparecesse ao local, segundo diz a Promotoria. "Eu já fui orientada. Ontem fui encontrar os amigos", responde ela. "Amigos", segundo o MP-RJ, seria como os dois se referiam à milícia chefiada por Adriano. A Promotoria afirma que essa organização criminosa teria sido responsável pela defesa de Danielle.

No dia anterior, em 15 de janeiro, Adriano já havia conversado com Danielle sobre a estratégia para atrapalhar o andamento das investigações.

"Boa noite! O amigo pediu pra vc não ir em lugar nenhum e tbm não assinar nada...", avisa o miliciano em referência a Queiroz, com quem o miliciano estaria em permanente contato.

Outro ponto que relaciona o miliciano ao clã Bolsonaro são mensagens trocadas entre Queiroz e Danielle em janeiro de 2017, quando o presidente Jair Bolsonaro já havia lançado sua pré-candidatura ao cargo. Em conversa em 5 de dezembro de 2017, o ex-assessor indica que integrantes da família Bolsonaro tinham conhecimento do fato de Danielle ser casada com o miliciano. Ele demonstra que os políticos da família temiam que o vínculo viesse a público durante a campanha eleitoral de 2018.

"sobre seu nome... não querem correrem risco, tendo em vista que estão concorrendo e visibilidade que estão", afirmou Queiroz, citando que a imprensa estava "fazendo um pente fino" em funcionários e familiares de Jair Bolsonaro e de seus filhos (a grafia das mensagens foram mantidas).

Na ocasião, o advogado Paulo Klein, que era o responsável pela defesa de Queiroz, disse que "a interpretação dada a esses diálogos é feita de forma distorcida e a partir de recortes de diálogos obtidos de forma ilegal, portanto, para que os fatos possam ser avaliados com isenção, é necessário que todo o diálogo seja apresentado". No mesmo dia, Klein deixou de trabalhar para Queiroz, que segue sem advogado constituído desde então.

Em vídeo divulgado pouco depois da operação do MP, Flávio Bolsonaro negou as acusações e se disse vítima de perseguição. Segundo o senador, todos os seus funcionários citados na investigação trabalhavam regularmente e não devolviam parte dos salários. Flávio, porém, não comentou as relações apontadas pelos promotores entre Queiroz, o miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega e seus parentes.

O ex-assessor Fabrício Queiroz em confraternização com o presidente Jair Bolsonaro (Sem partido) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) - Reprodução - Reprodução
O ex-assessor Fabrício Queiroz em confraternização com o presidente Jair Bolsonaro (Sem partido) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP)
Imagem: Reprodução

Relação com família Bolsonaro

A relação da família Bolsonaro e de Queiroz com Adriano remonta ao início dos anos 2000, bem antes de Flávio empregar a ex-mulher do miliciano em seu gabinete. Ainda nos quadros da Polícia Militar —onde, como policial do Bope (Batalhão de Operações Especiais) ganhou fama de atirador de elite—, ele trabalhou com Queiroz no 18º BPM (Jacarepaguá), justamente a comunidade que o miliciano viria a dominar posteriormente.

Em 2003, Adriano e Queiroz aparecem juntos em um registro de ocorrência por homicídio. O caso ocorreu na Cidade de Deus e é citado pelo MP na investigação da rachadinha. Queiroz já admitiu ter sido o responsável por indicar as parentes de Adriano, de quem disse ser amigo, para os cargos no gabinete.

No mesmo ano, Flávio Bolsonaro homenageou Adriano pela primeira vez. No dia 24 de outubro, o então deputado estadual concedeu uma moção de aplausos a Adriano, então no 16º BPM (Olaria). Na deferência, o filho de Bolsonaro afirmou que Adriano prestava "serviços à sociedade desempenhando com absoluta presteza e excepcional comportamento nas suas atividades".

Posteriormente, em 15 de julho de 2005, Flávio fez novo afago em Adriano, dessa vez lhe homenageando com a Medalha Tiradentes, mais alta honraria do Legislativo fluminense. O PM estava preso por homicídio quando recebeu a comenda.

Esse processo mereceu inclusive uma defesa enfática de Jair Bolsonaro, então deputado federal, no plenário da Câmara dos Deputados. Bolsonaro discursou em defesa de Adriano no dia 27 de outubro de 2005, quatro dias depois da condenação do então oficial da PM pela morte do guardador de carros Leandro dos Santos Silva, 24, na favela de Parada de Lucas, na zona norte do Rio.

Em primeira instância, Adriano Magalhães da Nóbrega recebeu pena de 19 anos e seis meses de prisão, mas posteriormente o julgamento foi anulado.

Bolsonaro descreveu Adriano como "brilhante oficial", "coitado" e "jovem de vinte e poucos anos". O motivo do pronunciamento era pedir a outros parlamentares —entre eles, a ex-juíza Denise Frossard, também deputada pelo Rio— ajuda na defesa do policial.

"Um dos coronéis mais antigos do Rio de Janeiro compareceu fardado, ao lado da Promotoria, e disse o que quis e o que não quis contra o tenente, acusando-o de tudo que foi possível, esquecendo-se até do fato de ele sempre ter sido um brilhante oficial e, se não me engano, o primeiro da Academia da Polícia Militar", criticou Bolsonaro, antes de pedir auxílio à colega. "E o tenente, coitado, um jovem de vinte e poucos anos, foi condenado. Mas não foi ele quem matou, Deputada Denise Frossard! Quem matou foi o sargento, que confessou e, mesmo assim, foi absolvido no tribunal do júri. A decisão, portanto, tem de ser revista."