As derrotas de Sergio Moro enquanto ministro da Justiça de Jair Bolsonaro
Após pouco mais de um ano no governo Bolsonaro (sem partido), o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, tem acumulado derrotas em disputas nas quais se envolve com o presidente e o Congresso.
Segundo a Folha, Bolsonaro comunicou a Moro uma troca no comando da PF (Polícia Federal), e o ministro, desautorizado, pediu para deixar o cargo. O ministério, no entanto, afirma que não houve o pedido de demissão.
Bolsonaro quer, de acordo com o jornal, tirar da diretoria-geral da PF Maurício Valeixo, que foi escolhido por Moro para a função. Valeixo é homem de confiança do ex-juiz da Lava Jato.
Desde o ano passado, Bolsonaro tem ameaçado trocar o comando da PF. O presidente quer ter controle sobre a atuação da polícia. Os ministros Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) foram escalados para convencer Moro a permanecer no governo, segundo a Folha.
Relembre dez revezes acumulados por Moro, um dos ministros mais populares do governo Bolsonaro, nestes dois anos no poder:
1 - Saída de superintendente da Polícia Federal no RJ
Esta não é a primeira rusga entre Moro e Bolsonaro devido ao comando da PF. Em agosto do ano passado, o presidente Bolsonaro disse que Ricardo Saadi, então superintendente da PF (Polícia Federal) no Rio, seria substituído por questões de produtividade. A corporação defendeu em nota o agora ex-superintendente.
Bolsonaro afirmou que sua interferência na PF —que está sob o comando da Justiça, controlada por Moro— era respaldada pela lei. Ele chegou a afirmar que questões como essa devem passar pela sua análise para que não seja taxado de um "presidente banana".
Em meio à crise, o ministro visitou a superintendência da PF no Rio, pivô da crise entre Bolsonaro e a corporação. Ele permaneceu por pouco mais de duas horas no local e saiu sem dar declarações à imprensa, inclusive vetando a presença de jornalistas durante a visita.
Após a pressão de Bolsonaro, Saadi foi exonerado da PF.
2 - Presos em contêineres
Depois de ser contrariado com a soltura de presos durante a pandemia de coronavírus, balizadas por recomendação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o ministro da Justiça, Sergio Moro, enfrentou mais um teste. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) analisa uma proposta do ministério para colocar detentos idosos ou com sintomas de covid-19 em instalações provisórias, como contêineres e barracas de campanha.
O Conselho Nacional de Direitos Humanos e o Grupo de Trabalho de Sistema Prisional da Defensoria Pública da União (DPU) são contra. Já pediram para participar da reunião do colegiado penitenciário e tentar convencer os membros do grupo a rejeitar a medida, proposta pelo Depen (Departamento Penitenciário Nacional), um órgão subordinado a Moro.
3 - Apoio a Mandetta
Em março deste ano, em meio à crise da pandemia do coronavírus no país, Moro apoiou publicamente o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, defendendo a permanência do colega no governo e apoiando suas medidas, como a do distanciamento social, por exemplo.
Segundo aliados, Moro se disse "indignado" com a decisão de Bolsonaro de romper o acordo feito, no fim de março, com ele e com outros membros do primeiro escalão do governo no sentido de buscar um discurso afinado sobre a pandemia.
O ministro ficou incomodado, por exemplo, por não ter sido chamado para participar de um encontro com o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes e outros ministros do governo para discutir a judicialização das ações federais.
A posição do ex-juiz da Lava Jato sobre a pandemia se tornou pública por meio de suas redes sociais. Ele disse estar em "auto isolamento". A avaliação feita por Moro a aliados é a de que o presidente estava descontrolado, deixando aflorar sentimentos de raiva de supostos inimigos.
4 - Tablets para presidiários
Carlos e Eduardo Bolsonaro compartilharam ontem no Twitter uma crítica à iniciativa do Ministério da Justiça de comprar 600 tablets para que presidiários conversem virtualmente com seus familiares. As visitas aos detentos foram cortadas desde o início da pandemia de coronavírus.
"Ministério da Justiça comprou 6.00 tablets para os presidiários. É isso mesmo que vocês leram. Excelente prioridade, hein? Valeu!", diz o tuíte compartilhado por Eduardo, o terceiro filho do presidente.
O Departamento Penitenciário Nacional informou ao jornal O Globo que o projeto de compra dos tablets "ainda está em fase de concepção" e que os equipamentos não ficarão sob o controle dos presos. Mas os tablets foram apenas o pretexto para os filhos do presidente argumentarem contra Moro.
5 - Pasta exclusiva para segurança pública
Em janeiro, Bolsonaro levantou a possibilidade de criar uma pasta exclusiva para segurança (hoje, englobada pelo ministério de Moro), o que, caso confirmado, deve diminuir o espaço de atuação do ex-juiz.
"Se for criado [o novo ministério], aí ele [Sergio Moro] fica na Justiça. (...) É o que era inicialmente. Tanto é que, quando ele foi convidado, não existia ainda essa modulação de fundir com o Ministério da Segurança", disse o presidente.
O comentário de Bolsonaro contrariou sua própria fala emitida em novembro de 2018, quando afirmou que a fusão da Segurança com a Justiça já estava decidida quando Moro foi convidado ao ministério.
6 - Juiz de garantias e pacote anticrime
Antes disso, houve discussões sobre o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e criação do juiz de garantias, suspensa pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux.
O texto que criou o juiz de garantias foi sancionado por Bolsonaro mesmo sob os protestos de Moro. O ministro já declarou publicamente ser contrário ao sistema, argumentando que esta nova configuração deve deixar a Justiça mais lenta.
A criação foi anexada ao pacote anticrime, sugerido por Moro, e que obteve novos traços a partir das análises do Congresso.
Em termos gerais, Moro perdeu mais do que ganhou em um projeto que, inicialmente, tinha sua assinatura. A lei foi sancionada em dezembro passado sem as principais bandeiras do ministro: o excludente de ilicitude, a possibilidade de execução da pena após segunda instância e o acordo de "plea bargain".
7 - Decreto de armas
Em maio, Moro disse que o decreto que flexibilizou as regras para a compra e porte de armas no país, assinado por Bolsonaro, não fazia parte de uma estratégia de combate à criminalidade.
"Não tem nada a ver com segurança pública. Foi uma decisão tomada pelo presidente em atendimento ao resultado das eleições", afirmou o ministro na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado na Câmara.
Questionado se assinou o decreto sem concordar com ele, Moro não entrou em detalhes, mas disse que é normal haver divergências dentro do governo.
8 - Coaf no Banco Central
Logo nos primeiros meses do governo, Moro atuou junto a parlamentares para que o Coaf fosse anexado à pasta da Justiça, no âmbito da reforma ministerial promovida pelo governo. O órgão é responsável por levantar movimentações financeiras suspeitas e auxiliar no combate à corrupção.
O trecho da Medida Provisória que estipulava o conselho na pasta comandada por Moro foi rechaçado pelo Congresso e, no último dia 7, o presidente sancionou uma lei que deixa o Coaf sob a alçada do Banco Central.
9 - Nomeação de Ilona Szabó
Nomeado com o compromisso de ter carta-branca, Moro precisou recuar da nomeação da cientista política Ilana Szabó.
Ela integraria, como suplente, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária por pressão de Bolsonaro e de uma onda de ataques nas redes sociais por causa de suas posições divergentes em relação ao governo em temas como armamento e política de drogas.
À cientista política, Moro disse que lamentava o recuo, mas justificou estava sendo pressionado.
10 - Desentendimento com Maia
Em março, Moro cobrou publicamente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a colocar em discussão o pacote anticrime. Além de desautorizar o ministro, Maia o acusou de "copiar" outro projeto que já tramita na Câmara.
Na ocasião, Maia mostrou irritação com o ministro ao chamá-lo de "funcionário do presidente Jair Bolsonaro".
"Funcionário do presidente Bolsonaro?", reagiu o presidente da Câmara ao ser questionado se havia conversado com Moro sobre o tema. "Conversa com o presidente Bolsonaro e se o presidente Bolsonaro quiser, conversa comigo. Eu fiz aquilo que acho correto. O projeto é importante. Aliás, ele está copiando projeto do ministro Alexandre de Moraes, copia e cola. Então tem poucas novidades no projeto dele", disse Maia.
Em nota, Moro rebateu Maia e disse que "talvez alguns entendam que o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não aguenta mais". "Essas questões sempre foram tratadas com respeito e cordialidade com o presidente da Câmara, e espero que o mesmo possa ocorrer com o projeto e com quem o propôs. Não por questões pessoais, mas por respeito ao cargo e ao amplo desejo do povo brasileiro de viver em um país menos corrupto e mais seguro."
Demissão em debate
No livro "Tormenta —O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos" (Companhia das Letras), a jornalista Thaís Oyama afirma que o presidente cogitou demitir Moro em 2019. Confrontado com a informação, o presidente se irritou e classificou a informação como falsa.
"O livro é fake news, mentiroso e não vou responder sobre o livro", disse Bolsonaro no último dia 14.
Segundo o colunista do UOL Tales Faria, o presidente cogitou a demitir Moro no segundo semestre do ano passado, mas o general Augusto Heleno, ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), o convenceu a manter o ex-juiz no cargo. O risco, para Heleno, era a "implosão" do governo com a saída de Moro.
*Colaboraram Alex Tajra e Stella Borges, do UOL em São Paulo
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