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Para policiais, fala de Moro constrange Bolsonaro e deve proteger PF

Pronunciamento do ministro (foto) fará presidente mudar escolha de diretor, acredita federação - UESLEI MARCELINO
Pronunciamento do ministro (foto) fará presidente mudar escolha de diretor, acredita federação Imagem: UESLEI MARCELINO

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

24/04/2020 13h36

O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luís Antônio Boudens, afirmou que um dos "legados" do ministro da Justiça, Sergio Moro, é a "vigilância" sobre atos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre a Polícia Federal a partir de agora. Isso quer dizer que, com as revelações feitas hoje, o presidente teria menos condições de interferir na Polícia Federal daqui para frente dado ao constrangimento político causado.

Ao pedir demissão nesta sexta-feira (24), o ex-ministro acusou o Bolsonaro de tentar interferir na corporação com a troca do diretor Maurício Valeixo. Ele afirmou o motivo da troca seria dar ao chefe do Executivo um canal direto com a polícia para obter informes de inteligência e o fato de o presidente ter "preocupações" com inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal. Uma dessas investigações atinge filhos de Bolsonaro. E ainda acusou disse que exoneração do diretor geral da PF tem informações falsas no Diário Oficial.

"Ele deixou o legado em trabalho e em palavras agora no final", afirmou Boudens ao UOL hoje, logo depois do pedido de demissão do ministro. "Qualquer tentativa de interferência externa, internamente é transmutada por ação administrativa, ofício, portaria, instrução normativa, freio de investigação. O Moro foi habilidoso. Ele deixou o peso sobre o novo diretor geral que vier."

O Moro deixou a batata quente no colo do presidente"
Luís Boudens, presidente da Fenapef

Segundo ele, os policiais vão ficar vigilantes. "Nós jamais vamos admitir interferência em nossas investigações. É uma coisa que a gente já tinha notícia, mas, uma vez confirmada por alguém do governo, ela causa espanto. Agora, com certeza, o presidente vai ter todas as suas ações, em relação à Polícia Federal [com] um 'quê' de desconfiança e outro quinhão de vigilância também."

Segundo Boudens, a ação de Moro hoje deve fazer Jair Bolsonaro rever suas pretensões ao escolher um sucessor para Maurício Valeixo, o ex-diretor da PF demitido pelo presidente sem o aval de Moro - apesar de o Diário Oficial incluir a assinatura do ministro e a indicação "a pedido".

Para ele, uma solução a Bolsonaro escolher o braço-direito de Valeixo na corporação, o delegado Disney Rossetti. O policial foi mencionado por Moro como um bom nome para evitar crise na continuidade dos trabalhos. "O Disney é super respeitado internamente, é um gentleman. É de uma turma que tem um legado de gestão que é bom. Esse outros nomes surgindo são de turmas mais novas."

Em nota, a Fenapef lamentou "profundamente" a demissão de Valeixo e Moro. "A Polícia Federal precisa manter sua linha de autonomia e independência nos trabalhos e investigação", diz a entidade.

Acusações de Moro merecem investigação, diz delegado

Segundo um delegado importante dentro da corporação, as acusações feitas por Moro no pronunciamento merecem investigação. Ele compartilha da ideia da Fenapef de que o novo diretor geral chega sob o manto da desconfiança. Para ele, isso vai acontecer mesmo que Disney Rossetti seja escolhido pelo presidente.

Enquanto isso, afirma, sob anonimato, é preciso investigar todas as declarações de Moro: tentativa de obtenção de relatórios de inteligência, informação inverídica em Diário Oficial, mudança de diretor motivada por inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal e por necessidade de trocar superintendentes da polícia nos estados.

Para o policial, é preciso que a Procuradoria Geral da República peça inquérito ao Supremo, que deverá autorizar. Aí, a PF entraria em ação para apurar as condutas mencionadas por Moro no pronunciamento. Paralelamente, uma analise política do caso seria feita pelo Congresso: um processo de impeachment.

O presidente da CPI mista das Fakenews no Congresso, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), afirmou que vai convocar Moro para depor na comissão. "Apresentei requerimento de convocação de Moro", disse ele ao UOL. "Quando retomarmos os trabalhos, será deliberado."

A CPI descobriu dados que vinculam um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), a perfis que fazem ataques virtuais a personalidades. Em vão, Eduardo Bolsonaro tentou impedir no STF a continuidade das investigações da comissão de inquérito.