Processo sobre Bolsonaro não vai ficar com novo ministro do STF, diz Mello
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello disse hoje, durante sua participação no UOL Entrevista, que o inquérito que apura as acusações do ex-ministro Sergio Moro de suposta tentativa de interferência política do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no comando da Polícia Federal (PF) não deve ficar com o ministro que substituirá Celso de Mello, relator da ação, quando este se aposentar.
Em entrevista ao colunista do UOL Josias de Souza, Marco Aurélio disse que seria "péssimo" se o procedimento ficasse aguardando o indicado pelo presidente para ter sequência normal. Decano do tribunal, Celso de Mello deixará o cargo em novembro, quando completa 75 anos, e caberá a Bolsonaro a indicação de seu substituto.
O procedimento criminal atrai a urgência, e atraindo a urgência, ocorre a redistribuição do processo entre os integrantes do tribunal. E seria péssimo se o procedimento ficasse aguardando o indicado pelo presidente para ter sequência normal. Teria-se sob suspeição o próprio relator, o novo ministro indicado pelo presidente. Aposentado o ministro, o inquérito estará tramitando com diligências sendo implementadas. E aí cabe ao presidente do Supremo determinar a redistribuição do inquérito, que o computador me poupe de ser relator desse inquérito.
Marco Aurélio disse que a tramitação da ação sobre Bolsonaro ocorrerá no plenário, com todos os ministros envolvidos, e não na turma, já que o investigado é o presidente da República. "O órgão competente para isso é o plenário", argumentou.
Ato de Moraes foi "nefasto" para Ramagem
Marco Aurélio Mello criticou o colega Alexandre de Moraes, que barrou a nomeação de Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da Policia Federal. Para o ministro, a Corte só deveria ter agido, caso houvesse necessidade, depois da posse.
Atuação do Supremo não deve estar ligada ao ato de nomeação. E se houver desvio de conduta do diretor da Polícia Federal, aí ok o Supremo atuar, mas ele sequer seria competente para julgar uma impugnação a respeito. Por isso vejo com certas reservas.
No início da semana, Marco Aurélio encaminhou uma proposta ao colega Dias Toffoli, presidente do Supremo, em que sugere que ações contra atos do Legislativo e do Executivo sejam julgados pelo plenário da Corte, não pelos ministros individualmente.
A sugestão será avaliada por uma comissão de três ministros presidida por Luiz Fux, que já pediu manifestações da PGR (Procuradoria-Geral da República) e da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) sobre o tema.
Para Marco Aurélio, a decisão de Alexandre de Moraes foi "nefasta" para a carreira de Ramagem. Atual chefe da Abin (Agêcia Brasileira de Inteligência), ele era delegado da PF e conheceu Bolsonaro em 2018, quando assumiu a segurança do recém-eleito presidente.
Quem fica mal é o delegado da PF que não tomou posse do cargo e, ao que tudo indica, tem perfil de vida profissional elogiável. Para ele, foi algo nefasto. Agora, o desgaste institucional se mostrou muito grande, não só do presidente como do próprio Supremo.
"Temi pela eleição de Bolsonaro"
O ministro do STF afirmou que temeu a eleição do presidente Jair Bolsonaro em 2018, mas que agora torce para que ele "acerte" em suas decisões ao logo do mandato.
Disse [à época] temer muito a eleição do então deputado Jair Bolsonaro como presidente da República, mas houve uma escolha da maioria dos eleitores e ele foi eleito. Agora temos que observar o desenrolar do mandato e que ele acerte.
Porém, Marco Aurélio fez hoje diversas críticas a comportamentos recentes do presidente entre elas a minimização da pandemia do novo coronavírus, declarações grosseiras e apoio a atos antidemocráticos.
"Quando o presidente diz que se trata apenas de uma 'gripezinha', ele evidentemente não reconhece a realidade e, de certa forma, influencia certos segmentos. Vejo e ouvi de um integrante do Ministério da Saúde que não chegamos ao pico. Que teremos esse pico somente em junho e julho. As pessoas hoje já estão baixando a guarda, já não estão mantendo a cautela que deveriam manter", alertou o ministro.
"Arroubo de retórica" do presidente
O ministro ainda classificou como "um arroubo de retórica indevido" a fala do presidente, que disse na semana passada "eu sou a Constituição".
"O pessoal geralmente conspira para chegar ao poder. Eu já estou no poder. Eu já sou o presidente da República", disse Bolsonaro no dia 20 de abril, que, em outro momento, afirmou: "Eu sou, realmente, a Constituição".
O ministro afirmou também que, por ser uma pessoa pública, o presidente deveria ter apresentado o resultado dos exames que fez para identificar se estava ou não contaminado pelo coronavírus. Criticou ainda o costume de Bolsonaro de "papear", como disse o ministro, com manifestantes nos portões do Palácio do Planalto, o que na visão de Marco Aurélio gera desgastes.
Distintas são as privacidades do homem comum e do homem público. O homem público deve ser um livro aberto e, diante da celeuma que surgiu, cabia ao Presidente da República, já que negou que estava contagiado, cabia mostrar um exame efetuado, o que ele não fez.
"Judicialização" da política
Marco Aurélio Mello criticou o excesso de judicialização e os conflitos políticos que vão parar na Corte para deliberação.
O ministro afirmou que determinados temas poderiam ser resolvidos seguindo o caminho da política, com votações na Câmara dos Deputados e no Senado.
"Não é o fato de o Supremo não ter um órgão em cima dele que o levará a forçar a mão em certas matérias, pelo contrário. Temos responsabilidade maior no exame das matérias. Eu penso que se avança um pouco, às vezes, e se invade uma área que não é designada ao Supremo. Mas como há judicialização das matérias, há", declarou Marco Aurélio.
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