Justiça adiou Furna da Onça, mas lei não veta prisão antes do 2º turno
Resumo da notícia
- Furna da Onça foi realizada após eleição para evitar "uso político", segundo desembargador
- Não há vedação legal para prisões de parlamentares entre o 1º e o 2º turnos
- Furna da Onça incluía relatório do Coaf que revelava indícios de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro
- Suplente de Flávio Bolsonaro no Senado o acusa de receber informação antes de a operação ser realizada
- Flávio nega a acusação e alega que não era alvo da Furna da Onça
A Furna da Onça, operação da Polícia Federal e da Lava Jato no Rio que tornou público documento com dados suspeitos sobre o senador Flávio Bolsonaro, foi realizada após o 2º turno da eleição presidencial em 2018 para evitar "uso político", segundo justificou o desembargador Abel Gomes, relator da operação.
Porém, a legislação brasileira não tem nenhum veto a prisões de deputados estaduais no período anterior ao 2º turno quando não estão mais envolvidos diretamente no pleito. O caso voltou à tona após entrevista do empresário Paulo Marinho, suplente de Flávio Bolsonaro, à Folha de S.Paulo em que afirmou que o senador foi avisado pela PF antes de a Furna da Onça ser deflagrada. Já havia suspeitas de vazamentos da operação durante a sua realização.
Flávio Bolsonaro não era alvo da Furna da Onça, mas a investigação continha documentos do antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) sobre Fabrício Queiroz, seu ex-assessor, que basearam a apuração sobre a prática de "rachadinha" no seu gabinete —devolução de parte dos salários ao parlamentar.
A Furna de Onça atingiu dez deputados estaduais acusados de receber propinas mensais. Foi realizada no dia 8 de novembro pouco depois do 2º turno eleitoral, no dia 28 de outubro, com prisões de políticos e apreensões em suas casas. Desses dez deputados, cinco tinham sido reeleitos em 7 de outubro no 1º turno.
Após a denúncia de vazamento da PF feita por Marinho, o desembargador do TRF -2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) Abel Gomes, responsável pelo caso, disse, por meio de nota, que a operação foi feita após o 2º turno em acordo entre MPF (Ministério Público Federal), Polícia Federal e ele. Procurada pelo UOL, a Procuradoria Regional da República confirmou essa versão do acordo entre as partes.
Diz a nota de Abel Gomes: "O fundamento foi que uma operação dirigida a ocupantes de cargos eletivos, deputados em vias de reeleição inclusive, como foi a Furna da Onça, não deveria ser deflagrada em período eleitoral, visto que poderia suscitar a ideia de uso político de uma situação que era exclusivamente jurídico-criminal, com o objetivo de esvaziar candidatos ou até mesmo partidos políticos, quaisquer que fossem, já que os sete deputados alvos da Furna da Onça eram de diferentes partidos."
Entre adiar e autorizar, o uso político da Furna Onça
No entanto, juristas ouvidos pelo UOL apontam que não há nenhum veto à realização de prisões antes do 2º turno.
Pelo código eleitoral, os candidatos não podem ser presos 15 dias antes da eleição a não ser em caso de detenção em flagrante ou de sentença por crime inafiançável.
Os deputados participaram do pleito no 1º turno, em 7 de outubro, sendo que cinco foram reeleitos. Como os políticos eram também eleitores, não podiam ser presos até 48 horas depois da eleição. Depois disso, não havia vedação a serem presos a partir de 9 de outubro. Até porque já tinham sido eleitos ou não. Como eleitores, a lei também poderia lhes dar proteção cinco dias antes do 2º turno desde que não fosse prisão em flagrante.
De jeito nenhum [havia veto à prisão]. O juiz diz que não tem uso político, mas o silêncio também tem uso político. Um juiz que decide soltar a operação ou permanecer quieto pode ser uso político. O melhor é que o juiz solte, que permita às pessoas julgar. Na dúvida, entre a investigação ser pública ou não, é melhor ser pública. Não tem nada que diga que não pode soltar essa operação
Daniel Falcão, professor de direito eleitoral do Instituto Brasiliense de Direito Público
Mesma análise fez o advogado Erick Pereira, especialista em direito eleitoral e criminal. "As vedações existem previstas no período eleitoral [anterior ao pleito do 1º turno], como salvo-conduto para aqueles que são candidatos."
Uma operação ser deflagrada é ato discricionário pelo relator ou pelo juiz. No juízo subjetivo dele, haveria interferência. Não há amparo legal para fazer adiamento ou para fazer suspensão [de operação]. Na conveniência dele, ele entendeu que seria melhor para não criar estados mentais nos eleitores que iriam para o 2º turno
Erick Pereira, advogado e especialista em direito eleitoral
"Quando se preocupa com influência eleitoral, se preocupa com fatos que não são verídicos. A operação é verdadeira, tinham fatos verídicos", avaliou o jurista.
Cronologia: Lava Jato pediu prisões 12 dias antes do 2º turno
O MPF apresentou os pedidos de prisão dos deputados estaduais em 16 de outubro. Seu relatório citava nove vezes os documentos do Coaf sobre operações atípicas de funcionários da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) e parlamentares. Havia descrição de algumas dessas operações desses funcionários da Alerj que geraram suspeita e foram incluídas na denúncia.
No dia 25 de outubro, o TRF-2 aceitou as medidas cautelares pedidas pela Procuradoria. Dois dias depois do 2º turno foram expedidos os mandados de prisão. E só em 8 de novembro, efetivamente, os deputados foram presos.
O UOL apurou que a PF que costuma determinar as datas das operações após a aprovação pela Justiça. Mas, conforme informaram os órgãos envolvidos, houve um acordo entre as partes para realizar as detenções depois da eleição.
"Quem determina a data é quem vai executar e quem vai executar é a PF. Exige no mínimo 30 dias antes. Recrutamento de novos agentes e o planejamento deles. Dez dias antes começam o monitoramento dos alvos", explicou o advogado Erick Pereira.
Por que a operação poderia complicar Flávio Bolsonaro
Na Furna da Onça, constava o relatório do Coaf com todas as movimentações atípicas de funcionários da Alerj e de deputados. Esse documento foi revelado posteriormente, no início de dezembro, pelo jornal O Estado de S. Paulo que mostrou movimentações financeiras atípicas do ex-PM e ex-funcionário do gabinete de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz.
As operações bancárias de Queiroz indicam que ele recebia depósitos de outros funcionários do gabinete de Flávio e fazia saques em dinheiro. Por isso, o senador e seus ex-funcionários são investigados pela prática de "rachadinha", forma de desviar dinheiro público se apropriando de parte dos salários de servidores. Até agora, não houve conclusão sobre essa investigação que é realizada pelo Ministério Público do Rio em esfera diferente da Justiça Federal.
Um dia antes do pedido de prisões do MPF, Flávio Bolsonaro exonerou Fabrício Queiroz de seu gabinete na Alerj. Natália Queiroz, filha do ex-assessor, foi exonerada na mesma data do gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados.
Segundo o suplente de Flávio, Paulo Marinho, ele foi avisado sobre a Furna da Onça por uma pessoa envolvida na investigação antes desta ser realizada. O MPF abriu uma nova apuração sobre esse tema, já que um primeiro inquérito não encontrou indícios de vazamentos. Durante a operação, já havia suspeitas de que informações haviam sido vazadas.
Senador alega não ter relação com Furna da Onça
Diante das acusações de Paulo Marinho, o senador Flávio Bolsonaro afirmou que não era alvo da operação Furna da Onça.
"Nem eu, nem meu ex-assessor, éramos alvo da operação da Polícia Federal (PF) denominada 'Furna da Onça'. Mas, segundo meu suplente Paulo Marinho (agora assumidamente represente de Dória no Rio - PSDB), eu teria recebido informações de que a PF investigava meu ex-assessor", disse ele, no Twitter.
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