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Mandetta diz que Bolsonaro flertou com contágio de covid-19 e pede reflexão

Do UOL, em São Paulo

07/07/2020 14h07Atualizada em 07/07/2020 15h08

Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde entre janeiro de 2019 e abril de 2020, disse hoje que o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), vinha "flertando com o contágio" do novo coronavírus. Bolsonaro informou ter recebido o diagnóstico para o novo coronavírus.

"Eu sempre batia na tecla que haveria de ter um protocolo de biossegurança em torno dessas pessoas, essas personalidades que ocupam cargos na Esplanada dos Ministérios", disse Mandetta, em entrevista à Globonews.

Segundo ele, o governo federal era pouco rígido a respeito de medidas de isolamento, máscaras e itens de higiene (como álcool em gel) em diversos cerimoniais. Mas o próprio comportamento de Bolsonaro era imprudente.

"Agora, ficar dentro de Brasília, sem máscara, abraçando gente, indo em praça... Estava flertando com o contágio", criticou o ex-ministro, lembrando que a covid-19 "não é uma doença de letalidade individual elevada".

Mandetta afirmou ainda torcer por uma "recuperação pronta" de Bolsonaro. Mas pediu para que o presidente aproveite o período de recuperação para uma reflexão.

"(Vejo o caso) com o mesmo grau de preocupação que a gente vê dos milhares de brasileiros que terão seu diagnóstico hoje — mais uma confirmação de que a doença está com circulação extremante ativa. Acho que o Distrito Federal, aí em Brasília, quem estava se expondo muito tem alta chance de contrair, porque (o vírus) está com alta circulação", avaliou Mandetta.

"Agora, a gente torce pela recuperação pronta, pelo restabelecimento da saúde. E a gente quer que ele tenha sintomas leves, atravesse isso de uma maneira bem tranquila — mas, ao mesmo tempo, reflita em todas as pessoas que não têm todo o acesso a ressonância magnética no primeiro dia, médico privado, reserva de leito de CTI. A taxa de ocupação de CTI em Brasília parece que se aproxima perigosamente da lotação. Enfim, que faça as reflexões necessárias para que a gente possa prevenir outros casos", acrescentou.

Segundo Mandetta, que deixou o ministério em abril, será preciso explicar detalhadamente a Bolsonaro como se comportar enquanto estiver contaminado para que ele não coloque mais pessoas em risco ao seu redor.

"Precisa ver se ele vai ter a noção de que ele tem uma doença infecciosa e que ele contagia as pessoas que estão ao seu lado caso ele não faça o protocolo de isolamento. Tem que ser bem explicado isso para ele, de maneira bem devagar, que quando você tem uma doença infecciosa pública você tem o dever de preservar do contágio terceiras pessoas", afirmou o ex-ministro.

Cloroquina

Bolsonaro informou também ter iniciado um tratamento com hidroxicloroquina contra a covid-19, embora o medicamento não tenha eficiência cientificamente comprovada. Para Mandetta, a substância não pode ser uma política pública.

"A polêmica ficou se deveria dar (a substância) para as formas leves (da doença), mas para essa daí não havia nenhum estudo. A gente fazia a seguinte ponderação: se você sabe que a grande maioria dos pacientes vão sarar sem nenhum tipo de complicação, os jovens têm pouquíssimas complicações, será que seria correto dar um medicamento que pode ter um efeito cardiotóxico, que pode provocar arritmia, justamente para aqueles pacientes que têm o maior grupo de risco, que são acima de 80, 90 anos? Será que esses pacientes não teriam arritmias que levariam a CTI e poderia levar a óbito, muitas vezes em casa?", relembrou o ex-ministro.

"Eu sempre achei que o governo não deveria fazer isso em nome do Estado brasileiro. Os únicos Estados que tinham admitido rapidamente retiraram — principalmente o CDC (Centro de Controle de Doenças) nos Estados Unidos porque o risco de processo lá é muito grande quando você não tem evidência científica", acrescentou.

"A opinião de alguns médicos que assessoravam e assessoram o presidente era que sim, que deveria ser utilizado. Depois que eu saí (do ministério), entrou o Nelson Teich, que teve a mesma visão: o risco-benefício não está calculado. Aí depois, já sem nenhum médico no seu caminho, fizeram esse protocolo que estão procurando colocar no Brasil."

Apesar de Bolsonaro ter celebrado a melhora dos sintomas após o uso da hidroxicloroquina, Mandetta reforçou a possibilidade de reações adversas — principalmente cardíacas — com a substância. Para ele, porém, Bolsonaro tem acesso a um acompanhamento médico que grande parte da população do Brasil não tem.

"Essa medicação é usada nos casos de malária e tem entre possíveis efeitos colaterais a arritmia cardíaca, que é a que mais preocupa. O presidente tem um médico assistente que está prescrevendo e deve estar monitorando, sob eletrocardiograma contínuo. Bem diferente do que seria o uso em massa, porque você não teria como fazer o monitoramento em massa da população", analisou.