"Tem que haver controle": advogados que ouviram Aras questionam a Lava Jato
O procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que a Corregedoria do MPF (Ministério Público Federal) está apurando suspeitas de irregularidades no trabalho da Lava Jato. Durante live com advogados nesta terça-feira, Aras disse ainda que a força-tarefa de combate à corrupção de Curitiba teria 50 mil documentos num banco de dados paralelo e também acesso a dados de 38 mil pessoas.
Aras falou sobre a Lava Jato em evento virtual do grupo Prerrogativas, coletivo que reúne alguns dos mais renomados criminalistas do país. Para advogados do grupo ouvidos pelo UOL, as revelações do procurador-geral indicam supostos abusos de membros da Lava Jato em suas investigações, o que foi negado pela força-tarefa em nota emitida hoje.
Documentos "encobertos"
Aras disse que a Lava Jato de Curitiba tinha em seu banco de dados 50 mil documentos "encobertos", aos quais nem a Corregedoria do MPF teria acesso.
Resoluções que disciplinam o trabalho de membros do MPF determinam que todos os documentos aos quais investigadores tenham acesso sejam registrados num sistema interno do órgão. O registro serviria para controle do trabalho de procuradores, inclusive pela corregedoria.
"Tem que haver um controle sobre todo mundo", afirmou o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que integra o Prerrogativas e esteve no encontro com Aras. "Isso é controle interno. Ninguém pode estar acima da lei." Kakay defende o ex-senador Romero Jucá, entre outros implicados na operação.
Aras indicou que o procedimento não estava sendo cumprido na Lava Jato de Curitiba, que rebateu: "Não há na força-tarefa documentos secretos ou insindicáveis das Corregedorias", declarou a força-tarefa em nota. "Os documentos estão registrados nos sistemas eletrônicos da Justiça Federal ou do Ministério Público Federal e podem ser acessados em correições ordinárias e extraordinárias."
Dados de 38 mil pessoas
Aras também disse que a Lava Jato de Curitiba detém dados de 38 mil pessoas. Foi além, disse que não se sabe como esses dados foram coletados.
Segundo advogados ouvidos pelo UOL, a quantidade de dados em poder da força-tarefa levanta a suspeita de que foram acessados dados de pessoas que não estavam necessariamente sendo investigadas. O acesso indiscriminado seria ilegal pois não estaria baseado em indícios claros de crime.
"O número indica uma quebra de sigilo de pessoas sem um critério claro", afirmou Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Prerrogativas. Ele não atua como criminalista e não tem clientes envolvidos na Lava Jato.
A Lava Jato informou que 38 mil é "o número de pessoas físicas e jurídicas mencionadas em relatórios encaminhados pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), a partir do exercício regular da supervisão de atividades suspeitas de lavagem de dinheiro."
Banco de dados de Curitiba supera o de todo o MPF
O procurador-geral também comparou o tamanho do banco de dados da Lava Jato de Curitiba com o tamanho dos arquivos do restante do MPF. Segundo ele, a força-tarefa do Paraná tem 350 terabytes de dados em seus arquivos. Já o restante do MPF, 40 terabytes.
"Toda a Procuradoria tem cerca de 10% do que só a Lava Jato tem em arquivos? Isso causa estranheza. Será que tudo foi obtido seguindo os devidos procedimentos?", provoca Roberto Podval, defensor do ex-ministro José Dirceu.
A Lava Jato ressaltou que trabalha dentro da legalidade: "A extensão da base de dados só revela a amplitude do trabalho até hoje realizado na operação Lava Jato. Ao longo de mais de setenta fases ostensivas foi colhida grande quantidade de mídias de dados —como discos rígidos, smartphones e pendrives —sempre em estrita observância às formalidades legais", informou. "Para que se tenha ideia, por vezes apenas um computador apreendido possui mais de 1 terabyte de informações."
Grupo Prerrogativas estuda pedir CPI
Marco Aurélio de Carvalho disse ao UOL que o coletivo estuda acionar o Congresso Nacional para que seja instalada uma CPI sobre a Lava Jato.
"O que o procurador-geral disse ontem é gravíssimo", afirmou. "Queremos que isso seja apurado não só pela corregedoria do MPF, mas acho que numa CPI."
O Prerrogativas denuncia supostos abusos da Lava Jato há anos. Por isso, o fato de o procurador-geral participar de um live do grupo foi considerado simbólico para os advogados.
A Lava Jato de Curitiba lembrou em nota que alguns advogados do Prerrogativas "patrocinam a defesa de influentes políticos e empresários investigados ou condenados na operação".
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