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Pedido de cassação de deputados emperra quase 2 anos após prisões no Rio

22.out.2019 - Alerj decide libertar cinco deputados presos na Lava Jato - Thiago Lontra/Alerj
22.out.2019 - Alerj decide libertar cinco deputados presos na Lava Jato Imagem: Thiago Lontra/Alerj

Maria Luisa de Melo

Colaboração para o UOL, no Rio

01/09/2020 04h00

Prestes a completar dois anos da Operação Furna da Onça, o pedido de cassação de cinco deputados estaduais do Rio continua emperrado na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio). Desdobramento da Lava Jato, a operação prendeu cinco parlamentares acusados de movimentar R$ 54 milhões em propina para votar de acordo com os interesses do ex-governador Sérgio Cabral (MDB).

Ontem, o Conselho de Ética decidiu remeter o pedido de cassação para avaliação da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Alerj —novo capítulo que garante fôlego de mais dez dias para os acusados. Era esperada decisão pela abertura ou não do processo por quebra de decoro. O autor do pedido fala em "mais uma manobra protelatória" e "corporativismo" na Casa Legislativa. Já os parlamentares alvo do pedido negam a acusação e alegam que a denúncia não tem desfecho no Judiciário.

O que está em jogo é a admissão de processos de cassação contra André Correa (DEM), Chiquinho da Mangueira (PSC), Luiz Martins (PDT), Marcos Abrahão (Avante) e Marcus Vinícius Neskau (PTB), presos em novembro de 2018 após serem reeleitos nas eleições daquele ano. Ou seja, quase dois anos após a Furna da Onça, sequer o pedido de admissibilidade da cassação foi analisado.

Eles foram soltos por decisão da Alerj em outubro passado. Na ocasião, a ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que a Casa Legislativa decidisse sobre a manutenção ou não da prisão dos parlamentares. Em plenário, decidiu-se pela soltura do grupo.

Apesar de um acordo na Alerj fixar que, mesmo soltos, eles não retomariam seus mandatos, a questão foi revertida na Justiça. Em maio, o grupo se apossou de suas cadeiras na Alerj após permissão do presidente do STF, Dias Toffoli.

Autor do pedido fala em "corporativismo"

Dois dos cinco deputados réus alegaram ontem que o processo judicial ainda não foi encerrado no TRF da 2ª Região (Tribunal Regional Federal) —tese aprovada por quatro votos a três. Mas, para outros colegas, a ação foi só mais uma forma de protelar o caso.

"Não tinha como enrolar mais. Já substituíram os membros da comissão, para pedir vistas. Agora apelaram para a CCJ", pontuou um parlamentar, que pediu para não ser identificado.

Chicão Bulhões (Novo) defendeu a abertura do processo imediatamente. Para ele, o afastamento de Wilson Witzel (PSC) do governo do Rio teve reflexos no Conselho de Ética. "Por mim, levaríamos adiante logo essa questão para darmos uma resposta à população. É necessário", afirmou.

Para Rodrigo Amorim (PSL), que votou a favor da transferência do caso para a CCJ, a ação foi necessária para evitar recursos na Justiça. "Quando falamos em perda de mandato, é preciso estar alinhado com todos os aspectos constitucionais, para que eventuais recursos na Justiça não prosperem e nos obriguem a voltar atrás", defendeu.

Na opinião de Flávio Serafini (PSOL), que propôs a abertura do processo para avaliar a cassação em 2018, o "corporativismo" da Alerj impede avanços.

"Existe um corporativismo, sim. Uma grande dificuldade de o Legislativo dar tratamento aos membros de corrupção. Mas, neste caso, ainda tem o fato de o caso afetar várias bancadas distintas. É um fio da meada que chega até o senador Flávio Bolsonaro", diz.

O deputado se refere ao fato de a Furna da Onça ter trazido à tona o relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que apontou movimentações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

O percurso do pedido de cassação

Depois de ser protocolado ainda em 2018, o pedido de abertura de processo de cassação por quebra de decoro contra os cinco deputados teve que ser refeito pelo PSOL no ano seguinte. A alegação da Alerj foi de que, com a mudança de legislatura, era necessário um novo pedido.

Já em 2019, a questão foi arrastada, passando de quatro a seis meses na Mesa Diretora ou na Corregedoria da Casa. Entregue à Mesa em fevereiro, o pedido chegou à Corregedoria em junho do ano passado.

Quase seis meses depois, o corregedor Jorge Felippe Neto (PSD) abriu prazo para a defesa dos deputados réus. Sua conclusão —favorável à quebra de decoro e cassação do grupo— ficou pronta em fevereiro e foi remetida à Mesa. Começou, então, mais um capítulo da espera.

Desde então, a papelada ficou seis meses no órgão para só depois ser encaminhada ao Conselho de Ética.

Procurado por meio de sua assessoria de imprensa para explicar sobre o período que o pedido passou na Mesa Diretora, o presidente da Alerj, André Ceciliano (PT), não se manifestou. O corregedor Jorge Felippe Neto também preferiu não se manifestar.

O que dizem os réus

Procurados, os deputados negaram terem feito uma manobra para ganhar tempo.

"Desconheço. Depois de tanta injustiça que sofri, o que existe são questões de ordem que visem garantir o cumprimento da Constituição e do regimento interno para evitar nulidade dos procedimentos e garantir o amplo direito de defesa", escreveu André Corrêa em conversa com o UOL.

Já Marcus Vinícius 'Neskau' diz que "está muito sereno com a tramitação de qualquer processo" porque confia na Justiça. "O que sempre defenderei é que todo julgamento seja justo, legal, e principalmente imparcial a fim de evitar inclusive futuras nulidades, invalidando atos processuais já realizados", completou.

Por meio de seu advogado, o deputado Marcos Abrahão disse que "desconhece qualquer tipo de articulação política para que haja adiamento da admissibilidade do processo de cassação". Ele diz que "confia na defesa, nos argumentos jurídicos já apresentados à Casa Legislativa, e nos próprios fatos que demonstram que a cassação é improcedente".

Chiquinho da Mangueira foi sucinto: "Não fiz nenhuma manobra e não entrei com recurso nenhum. Não tenho interesse de que isso vá se protelando".

Luiz Martins disse que a decisão do Conselho de Ética foi justa, porque até agora não houve julgamento do caso. "Existe um artigo das constituições federal e estadual que diz que, para haver processo de cassação, o caso deve ter tramitado em julgado. Ainda não teve nenhuma audiência, nunca prestei depoimento, mesmo tendo ficado 11 meses e 16 dias preso. Estão criminalizando a política", afirmou.