Governo e Congresso seguram pauta de costumes para priorizar a economia
Resumo da notícia
- Preocupação do governo hoje é arranjar dinheiro para bancar o novo programa social autorizado por Bolsonaro
- Liderança do governo no Congresso quer evitar discussões acaloradas sobre matérias comportamentais que podem desagradar a opinião pública
- PECs de cunho econômico já em tramitação, como a do pacto federativo e de regulamentação do teto de gastos, serão prioritárias
Projetos ligados a costumes ou ideologias, caros aos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), devem desacelerar no Congresso Nacional nas próximas semanas. Diante da necessidade de abrir os cofres públicos para minimizar efeitos negativos da pandemia e de olho nas eleições de 2022, a prioridade do governo federal serão as pautas econômicas.
A principal preocupação do governo hoje no Parlamento é arranjar dinheiro para bancar o novo programa social autorizado por Bolsonaro ao relator do Orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (MDB-AC). Assim, nesta semana, as reuniões entre ele, a equipe econômica e as lideranças no Congresso para viabilizar verbas vão se intensificar.
PECs (Proposta de Emenda à Constituição) de cunho econômico já em tramitação, como a do pacto federativo e de regulamentação do teto de gastos, estavam com a análise em marcha lenta desde a suspensão da maioria das atividades presenciais no Congresso em março. Agora, elas são vistas como o caminho para contemplar as vontades do Planalto.
O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), afirmou que a intenção é se concentrar em estruturar as versões finais de PECs que abram espaços nos cofres públicos e aprovar o máximo possível até o final do ano.
Na semana passado, Bolsonaro disse ter proibido qualquer discussão sobre o programa que substituirá o Bolsa Família após a repercussão negativa de estudos de medidas como o congelamento de aposentadorias e o corte de benefícios sociais de idosos e portadores de deficiência de baixa renda.
Nos bastidores, contudo, a história é outra. Parlamentares e técnicos do governo afirmam que o programa deve ser criado no âmbito da PEC do pacto federativo, também sob responsabilidade de Bittar. Os recursos podem vir de outra PEC que extinguiria fundos públicos. Para tanto, é preciso destravá-las no Congresso.
A avaliação de governistas é que a popularidade de Bolsonaro foi alavancada pela distribuição do auxílio emergencial em meio à pandemia. Assim, buscam manter esse ritmo favorável visando reeleições em 2022.
Outra justificativa para o foco em pautas econômicas é que a União gastou muito mais do que o previsto com o surgimento da crise do novo coronavírus — ao menos R$ 273,8 bilhões até o final de julho — e é preciso garantir que a distribuição de verbas para áreas necessitadas não fique limitada pelo teto de gastos. Ainda não há consenso quanto à permissão ou não da flexibilização do teto.
Essa conjuntura faz com que a atual liderança do governo no Congresso passe longe de discussões acaloradas sobre matérias comportamentais que podem desagradar a opinião pública e atrasar as medidas tidas como urgentes.
Líderes da base aliada até pediram que as novas ações da equipe econômica sejam divulgadas em textos enxutos de linguagem mais informal. Querem facilitar a compreensão dos parlamentares e da população quanto às propostas, acelerando aprovações.
O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e a maioria do centrão — grupo informal de partidos que se aproximou de Bolsonaro nos últimos meses e emplacou o deputado Ricardo Barros (PP-PR) na liderança do governo na Casa — não têm pautas ideológicas como motivação ou bandeira eleitoral.
Discurso fica mais restrito a bolsonaristas
O discurso de costumes ficou mais restrito aos bolsonaristas mais fiéis no Congresso e, mesmo assim, esses não têm força para tocá-lo sozinhos. O deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO) é defensor da desburocratização do acesso a armas e da regulamentação da educação domiciliar. Com sua troca por Barros, o Planalto optou por outro estilo de liderança, mais pragmática.
A deputada Policial Kátia Sastre (PL-SP), também com segurança pública como principal bandeira de mandato, concorda que o governo tem de responder às necessidades decorrentes da pandemia, mas avalia que as demais pautas não devem ser abandonadas.
Ela cita a violência doméstica como problema que cresceu na pandemia e pede que projetos que combatam agressões em casa sejam pautados até o final do ano.
Kátia ainda ressalta que os crimes de segurança pública não deixaram de acontecer e, por isso, defende que a Câmara discute a facilitação de porte e posse de armas. "Temos de caminhar as outras [pautas] também, mesmo que mais lentamente e com maior cautela", disse.
Exceção é bancada da bala, diz pesquisadora
Doutora em Ciência Política e pesquisadora do Observatório do Legislativo Brasileiro, ligado à Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Débora Gershon afirma ser pouco provável que as pautas de costume avancem pelo menos até as próximas eleições internas do Congresso, marcadas para fevereiro de 2021. Ela destaca, porém, justamente a força da bancada da segurança pública.
"Já se mostrou forte o suficiente para pautar seus projetos em meio a uma crise. A perspectiva [para as pautas de costume] é muito pequena, mas atenção à bancada da bala. É o grupo mais organizado do ponto de vista das bancadas e se fortaleceu nesta legislatura", falou.
Levantamento do Observatório mostra que os partidos que mais têm votado com o governo nas pautas de costume na Câmara são Novo, PSL e PSC. O centro de pesquisas chegou ao resultado após análise de 46 votações nominais de nove proposições acerca de três temas: defesa e segurança; direitos humanos e minorias; e arte, cultura e religião.
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