Ao citar cloroquina e incêndio inevitável, Bolsonaro preocupa e gera ironia
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Entre embaixadores, diplomatas e profissionais ouvidos pelo UOL, o discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral das Nações Unidas foi recebido com ironia e preocupação. O motivo: sua recusa em aceitar o desafio ambiental e de direitos humanos, além de não fazer qualquer aceno ao multilateralismo.
Entre as delegações estrangeiras consultadas pela coluna, a percepção foi de que o aniversário de 75 anos da ONU (Organização das Nações Unidas) levou "uma ducha de água fria" com os discursos de Bolsonaro, seguido pelo de Donald Trump. Nenhum dos dois fez referência à necessidade de se fortalecer o multilateralismo, justamente no momento em que o mundo precisa de uma resposta global aos desafios que encontra.
Bolsonaro sequer mencionou a data e não fez qualquer tipo de referência à OMS (Organização Mundial da Saúde), braço da ONU. Optou por reforçar a ideia de soberania. "É uma honra abrir esta assembleia com os representantes de nações soberanas, num momento em que o mundo necessita da verdade para superar seus desafios", disse.
Gerou ainda ironias o fato de Bolsonaro simplesmente ter ignorado a questão dos direitos humanos, as denúncias sobre violações e os ataques contra jornalistas. O presidente chegou até mesmo a ensaiar uma crítica à imprensa em seu discurso.
Mas foi seu tom no setor ambiental que gerou preocupação. Para delegações europeias, o brasileiro confirmou o temor de muitos no Velho Continente de que não há como acreditar num suposto compromisso do Brasil com o meio ambiente.
Diversos informes revelam preocupação e alto grau de desmatamento no país, inclusive com documentos recentes. "No lugar de assumir sua responsabilidade, o que vimos foi um presidente que saiu em busca de teses da conspiração", afirmou um experiente negociador na cúpula da ONU.
Pressão internacional deve continuar, e aumentar
Na comunidade internacional, a percepção é de que o discurso de Bolsonaro não irá amenizar a pressão externa contra o país e pode até mesmo inflamar protestos ao acusar indígenas.
Bolsonaro gerou especial irritação dos estrangeiros ao dizer que está sendo alvo de "uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal".
"A Amazônia brasileira é sabidamente riquíssima. Isso explica o apoio de instituições internacionais a essa campanha escorada em interesses escusos que se unem a associações brasileiras, aproveitadoras e impatrióticas, com o objetivo de prejudicar o governo e o próprio Brasil", disse. "Somos líderes em conservação de florestas tropicais", declarou o presidente.
Para membros na ONU, vender a ideia de que a entidade é usada com o objetivo de fazer uma campanha contra o Brasil é "desrespeitar" os cientistas que produzem os dados e governos estrangeiros. "O tom usado foi mais suave que em 2019. Mas as ofensas deixaram muita gente irritada", revelou um embaixador estrangeiro.
Narrativa sobre problemas no ambiente não convenceu
Nos departamentos da ONU que se ocupam do setor climático e de desmatamento, também gerou preocupação a constatação de que o presidente brasileiro continuará a questionar evidências e dados para construir uma narrativa defensiva.
"Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior. Os incêndios acontecem praticamente, nos mesmos lugares, no entorno leste da Floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas", disse Bolsonaro.
"Ele acha que não existem informações à disposição do mundo?", questionou um diplomata alemão.
Para uma escandinava, o discurso do brasileiro foi "um sinal claro" de que o mundo está distante de um compromisso por uma mudança de paradigma na proteção ambiental. Surpreendeu ele usar a palavra "inevitável" para se referir aos incêndios e a recusa em lidar com as violações aos direitos humanos.
Hidroxicloroquina: "Vocês ainda estão nessa?", pergunta técnico da OMS
Já dentro da OMS, a reação foi de ironia diante do discurso por parte de alguns membros da cúpula. Bolsonaro voltou a citar a hidroxicloroquina e um aumento do preço do remédio. "Vocês ainda estão nessa?", questionou um técnico da agência global.
Entre os especialistas, causou incompreensão o fato de Bolsonaro ter usado um discurso na direção de que o governo teve respostas à pandemia. "Nem parece que o Brasil teve três ministros da Saúde, brigas entre políticos, aglomerações promovidas pelo presidente", disse um membro do conselho da OMS.
Horas antes do discurso na ONU, mais de 240 entidades brasileiras e estrangeiras enviam uma carta a governos de todo o mundo para pedir que essas autoridades apoiem a recomendação de uma relatoria da ONU para abrir um inquérito contra o Brasil. A proposta de um mecanismo oficial da entidade foi feita nesta semana em Genebra, algo inédito no período democrático do país.
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