Kassio Marques plagiou advogado em dissertação de mestrado, diz revista
O desembargador Kassio Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao STF (Supremo Tribunal Federal), apresentou sua dissertação de mestrado à Universidade Autônoma de Lisboa com trechos inteiros que seriam copiados de artigos publicados na internet. As informações foram divulgadas hoje pela revista Crusoé.
Marques teria copiado trechos de artigos escritos pelo advogado Saul Tourinho Leal, integrante da banca de advocacia de Carlos Ayres Britto, ex-ministro do STF. Até erros de português foram repetidos, o que indica que o desembargador "copiou e colou" os textos sem revisão.
Com a dissertação de 2015, Kassio Marques garantiu seu título de mestre em direito. A Crusoé analisou 127 páginas do trabalho acadêmico e identificou pelo menos 10 trechos que reproduzem passagens de Tourinho Leal. Nunes Marques não faz nenhuma referência ao advogado.
Ao todo, a dissertação tem 46,2% de semelhança com textos já publicados e disponibilizados na internet. Além disso, o arquivo de texto tem o nome do advogado Saul Tourinho Leal como autor do documento. No currículo acadêmico de Marques, ele também apresenta um curso de pós-graduação pela Universidad de La Coruña, na Espanha. A instituição, no entanto, nega a existência do curso.
Em contato com o UOL, a assessoria de Marques negou as acusações de plágio, alegando que os dois trabalhos são "produções doutrinárias opostas". A "coincidência das citações", continuou, pode ser resultado da troca de informações e arquivos relacionados a um dos temas abordados.
"A universidade em que a dissertação do desembargador foi apresentada já dispunha na época da melhor ferramenta antiplágio de Portugal. Diferente de publicação de livros e outras obras, a dissertação de mestrado, com todas as citações apontadas, foi avaliada por esse programa e considerada dentro do padrão exigível pela instituição", argumentou a assessoria do desembargador em nota.
Trechos plagiados
Nas páginas 30 e 31 da dissertação de Nunes Marques, é possível identificar os primeiros trechos compatíveis a artigos de Tourinho Leal. O desembargador escreve:
"Na Constituição da Índia, no seu art. 37, ao falar de direitos sociais, diz-se que as disposições contidas nesta Parte não devem ser efetivadas por nenhuma Corte, mas os princípios aqui estabelecidos são, entretanto, fundamentais para o governo do país e deve ser um dever do Estado aplicar esses princípios ao elaborar as leis. O constituinte estabeleceu previsão acerca do conteúdo meramente programático dos direitos sociais, não só endereçando-os exclusivamente ao governo do país, mas vedando, taxativamente, a inserção, do Poder Judiciário, nas discussões relativas à concretização do direito à saúde. Não foi o que aconteceu no Brasil."
Já o artigo do advogado Tourinho Leal diz:
"A Constituição da Índia, no seu art. 37, ao falar de direitos sociais, diz-se que 'as disposições contidas nesta Parte não devem ser efetivadas por nenhuma Corte, mas os princípios aqui estabelecidos são, entretanto, fundamentais para o governo do país e deve ser um dever do Estado aplicar esses princípios ao elaborar as leis'. No caso indiano o constituinte estabeleceu previsão expressa acerca do conteúdo meramente programático dos direitos sociais, não só endereçando-os exclusivamente ao governo do país, mas vedando, taxativamente, a inserção do Poder Judiciário nas discussões relativas à concretização do direito à saúde. Não foi o que aconteceu no Brasil".
Em outro trecho, Kassio Marques reproduz um erro ortográfico. Nos dois trabalhos, o país africano Namíbia aparece como "Naníbia":
"Por sua vez, p art. 101 da Constituição da Naníbia diz que os princípios da política de estado contidos neste Capítulo não devem ser, por si sós, exigíveis legalmente por qualquer Corte, mas deve, entretanto, guiar o governo na elaboração e aplicação das leis para dar eficácia aos objetivos fundamentais dos referidos princípios", diz o trabalho assinado pelo desembargador.
No texto de Tourinho Leal, o texto: "O art. 101 da Constituição da Naníbia diz que "os princípios da política de estado contidos neste Capítulo não devem ser, por si sós, exigíveis legalmente por qualquer Corte, mas deve, entretanto, guiar o governo na elaboração e aplicação das leis para dar eficácia aos objetivos fundamentais dos referidos princípios".
Inconsistências no currículo
Não é a primeira vez que um indicado pelo presidente Bolsonaro tem erros ou inconsistências apontadas em seu lattes. Em junho, o então ministro da Educação Carlos Alberto Decotelli da Silva foi desmentido pelo reitor da Universidade de Rosário sobre a titulação de Doutor. Na mesma época, o ministro também foi acusado de plagiar a dissertação de mestrado apresentada por ele à FGV (Fundação Getulio Vargas).
A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, também tem inconsistências em seu currículo. Em discursos e palestras realizados antes de ser nomeada, ela se apresentou como "uma advogada", "mestre em educação" e "em direito constitucional e direito da família". Questionada sobre sua formação, no entanto, a ministra assumiu que nunca obteve os títulos acadêmicos.
"Diferentemente do mestre secular, que precisa ir a uma universidade para fazer mestrado, nas igrejas cristãs é chamado mestre todo aquele que é dedicado ao ensino bíblico", disse Damares.
Em fevereiro de 2019, o site The Intercept Brasil revelou que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, nunca estudou na Universidade Yale, nos Estados Unidos, e não obteve o título de mestre em direito público pela instituição americana.
A suposta formação de Salles em Yale estava em um perfil publicado no site Nexo, que informou ter usado informações disponibilizados por Salles para um artigo da Folha de S. Paulo. O ministro, então, atribuiu o equívoco à sua assessoria de imprensa.
Ex-ministros do MEC
O currículo do ex-ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, continha ao menos 22 erros na época em que ele ainda comandava a pasta, em março de 2019.
O levantamento foi realizado pelo site Nexo. Os equívocos diziam respeito à produção bibliográfica listada no currículo lattes do ex-ministro. Entre os erros, apareciam livros atribuídos a Vélez, mas que não eram de sua autoria, obras listadas fora do formato padrão, e artigos publicados em periódicos que não são científicos.
Sucessor de Vélez no MEC (Ministério da Educação), Abraham Weintraub também teve problemas apontados em seu currículo. Ao anunciar o nome do economista para comandar a pasta, Bolsonaro informou que Weintraub era doutor, mas o ex-ministro nunca obteve este título.
A informação, no entanto, não constava do currículo lattes de Weintraub e nem de seu Linkedin. Após contestações, Bolsonaro usou as redes sociais para corrigir a publicação anterior.
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