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Para juristas, decisão de soltar chefe do PCC é injusta com a sociedade

Polícia prende André de Oliveira Macedo, o André do Rap, suspeito de administrar a exportação de drogas do PCC - Luís Adorno/UOL
Polícia prende André de Oliveira Macedo, o André do Rap, suspeito de administrar a exportação de drogas do PCC Imagem: Luís Adorno/UOL

Gabriela Sá Pessoa

Do UOL, em São Paulo

12/10/2020 04h00Atualizada em 12/10/2020 12h53

As decisões antagônicas do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o traficante André Oliveira Macedo —- o André do Rap, apontado como um dos chefes do PCC (Primeiro Comando da Capital) —- causam desgaste à corte, avaliaram juristas ouvidos pelo UOL.

No sábado de manhã (10), o traficante deixou a penitenciária de Presidente Venceslau pela porta da frente. Ele foi beneficiado por uma decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello, que entendeu que sua detenção era ilegal com base no no artigo 316 do pacote anticrime (Lei 13.964), aprovado em dezembro do ano passado pelo Congresso. O texto diz que prisões preventivas devem revisadas a cada 90 dias.

"Eu apliquei a lei porque o processo não tem capa, mas conteúdo. Eu não crio o critério de plantão, sou um guarda da Constituição", afirmou Marco Aurélio ao UOL, referindo-se à identidade de quem é alcançado pela decisão. "Eu não posso partir para o subjetivismo e critérios de plantão. A minha atuação é vinculada ao direito aprovado pelo Congresso Nacional: ali está a essência do Judiciário."

O jurista Miguel Reale Jr., professor universitário e coautor do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), reagiu à declaração do ministro do STF: "A prisão preventiva é decretada em função da capa, não em função da lei. A lei diz que tem que haver renovação a cada 90 dias, mas isso não exime que se tenha uma medida de prudência".

"Se [Marco Aurélio] não olhou a capa, não dimensionou as consequências de sua decisão. Ele ficou preso à estrita letra da lei, sem avaliar o mérito efetivo e as consequências desse ato. O juiz tem que ver o conjunto. Acho que esse amor formalista à letra da lei, que desconhece a sociedade e desconhece a capa, leva a situações muito injustas", disse Reale Jr.

Horas depois de André do Rap deixar a prisão, o presidente do Supremo, Luiz Fux, atendeu pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República) e suspendeu a liminar de Marco Aurélio sob o argumento de que a decisão violava a ordem pública. Entre uma decisão e outra, revelou o colunista do UOL Josmar Jozino, o traficante foi de carro até Maringá (PR), de onde, segundo investigadores, ele embarcou em um voo para o Paraguai. Desde então, André do Rap é considerado foragido.

O criminalista José Roberto Batochio, ex-presidente nacional da Ordem do Advogados do Brasil (1993-1995), comentou que acha "estranho que um ministro possa revogar, monocraticamente, decisão de outro ministro, seu igual e, além do mais, juiz natural da causa". Para o advogado, "a todos cabe cumprir a lei, independentemente de quem seja o beneficiado ou alcançado. A lei é para ser cumprida por todos, sob pena de não sê-lo por ninguém".

Wálter Maierovitch, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, diz que Fux não passou por cima do colega, mas reagiu a uma manifestação do Ministério Público Federal. O conflito entre os ministros, diz, provoca um dissenso em que a sociedade é colocada de lado. "O interesse da sociedade não pode ficar descoberto em razão do processo judicial moroso", diz.

O jurista opina que, diante do esgotamento da prisão preventiva, Marco Aurélio poderia ter prorrogado mais uma vez a detenção de André do Rap com um "puxão de orelha" alertando para o prolongamento da prisão preventiva, em vez de determinar a soltura do traficante. "Ele poderia oficiar dizendo 'estou prorrogando pela última vez, por um prazo menor, resolvam'", afirmou Maierovitch.

Para ele, o ministro deveria ter considerado "a peculiaridade do caso, gravíssimo".

Fux não escapou às críticas. Para o criminalista Alberto Toron, a decisão do presidente do STF é absurda.

"Justamente o ministro Fux, que sustenta não caber habeas corpus contra ato de ministro do STF, valeu-se de uma lei feita para outra situação para suspender ato do ministro Marco Aurélio. Ele concedeu um habeas corpus às avessas para mandar prender. É um absurdo. Inacreditável."

Surrealismo jurídico

Especialistas em segurança pública também comentaram a soltura do chefe do PCC. Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima chamou os eventos de "surrealismo jurídico".

Na rede social, Lima defendeu ainda que o STF, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e o colégio de Chefes de Polícia Civil deveriam aproveitar o que ocorreu e criar um protocolo de ação conjunta "que evite tantos ruídos e bateções de cabeça".

Ver um chefe de facção criminosa, como André do Rap, sair pela porta da frente de um presídio é um escárnio sob qualquer justificativa, diz Rafael Alcadipani, professor de Estudos Organizacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e também membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

"Passa um sinal de não combate ao crime organizado, de escárnio com o trabalho de combate ao crime organizado. É um péssimo sinal do Judiciário para as facções criminosas", diz Alcadipani, num momento em que, segundo ele, o PCC vem sofrendo reveses com operações da Polícia Federal.