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Decisão do STF sobre André do Rap é correta, mas ineficaz, dizem advogados

Ministro Luiz Fux - reprodução de vídeo
Ministro Luiz Fux Imagem: reprodução de vídeo

Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

14/10/2020 22h51

O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) julgou em sessão na tarde de hoje o caso do traficante André de Oliveira Macedo, o André do Rap, um dos chefes do PCC (Primeiro Comando da Capital). Para advogados ouvidos pelo UOL, o ministro Marco Aurélio Mello não avaliou as consequências para a sociedade ao soltar André e, por isso, corte acerta na nova decisão.

Com 6 votos, a maioria da corte manteve a ordem de prisão do traficante. Advogados constitucionalistas ressaltam, porém, que isso pode não surtir efeito já que André já está foragido da Justiça. Dois advogados penais ouvidos pela reportagem, no entanto, veem a decisão como contrária à Constituição.

"A meu ver, a manutenção da prisão dele pela decisão de hoje é correta. Só que não vai ter muita eficiência. Deveria ter sido feita feito antes, na medida em que — e aqui entram as críticas ao ministro — ele aplica a letra fria da lei e, com isso, não mede consequências para a sociedade", diz o constitucionalista e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Flávio de Leão Bastos.

Nós não estamos falando de um traficante qualquer, estamos falando de um chefe. Que pega um avião particular para fugir do país."
Flávio de Leão Bastos, professor do Mackenzie

O ministro Marco Aurélio Mello determinou a soltura de André com base no trecho do pacote anticrime que determina o prazo de 90 dias para a revisão das prisões preventivas. A decisão do ministro foi revogada no mesmo dia pelo presidente do STF, Luiz Fux, mas André do Rap, que é considerado um dos maiores traficantes internacionais do país, já havia deixado a prisão e permanece foragido.

O professor explica que a revisão da pena a cada 90 dias é um direito de todo preso em situação de encarceramento preventivo, mas a ressalva feita pelo presidente da Corte neste caso é válida. "Eu não acho que a lei foi mal feita, o que faltou ali foi uma eficácia operacional para não deixar esse indivíduo sair, ao passo em que isso pode prejudicar a situação de outros."

Para advogado Marcellus Ferreira Pinto, a decisão corrige uma "aberração jurídica" provocada com a soltura de André e até o próprio Marco Aurélio Mello deve rever sua decisão ao votar amanhã. Até o momento, votaram a favor da prisão, o presidente Luiz Fux e os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Dias Toffoli. Com a aposentadoria de Celso de Mello, dez ministros votam do julgamento.

Todos os requisitos para a manutenção da prisão preventiva estavam presentes, estavam estampados pública e notoriamente por ser ele um líder de uma facção criminosa notoriamente envolvido com o crime organizado."
Marcellus Ferreira Pinto, advogado

Para Marcellus, o Supremo é mais indulgente com traficantes do que com políticos e empresários. "Não precisaria do pacote anticrime, nem de nenhuma inovação legislativa para que o Supremo reavaliasse prisões arbitrárias, o que não foi feito, por exemplo, durante a Operação Lava Jato. Tivemos casos de prisão preventiva que perduraram aí durante anos, presos preventivamente, sem nem sequer uma decisão colegiada", diz o advogado que já defendeu réus da Lava Jato.

Ele explica que liminares como a de Marco Aurélio têm consequências imediatas semelhantes a uma Medida Provisória. "A medida provisória não é uma lei, mas tem força de lei. A partir do momento que é publicada, ela produz efeitos concretos. A liminar é da mesma forma. Não é um acórdão, não é uma sentença, mas ela já produz os efeitos concretos, ainda que possa ser revista no segundo momento."

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) apoiou em nota a decisão do Supremo. "A decisão, confirmada pela maioria do plenário do STF nesta quarta-feira, corrige uma interpretação isolada e monocrática do ministro do STF, Marco Aurélio Mello."

"A discussão sobre esse tema, em um caso tão emblemático, reforça também a bandeira da prisão em segunda instância já que evita que um cidadão condenado em segundo grau, com recurso especial e recurso extraordinário pendente tenha, a cada 90 dias, uma revisão da prisão", acrescenta.

Decisão contra Constituição

Já dois advogados penais veem a decisão como uma violação do que determina a Constituição Federal. Sobre o argumento do presidente Luiz Fux de que a soltura de André do Rap "viola gravemente a ordem pública", o diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim) e professor de Direito Processual Penal, Yuri Félix, afirma que, na lei brasileira, prevalece a presunção de inocência.

Mais uma vez, com todo respeito à Suprema Corte, desviou-se da Constituição e da letra da lei. O que foi aplicado pelo ministro Marco Aurélio é aquilo que consta na Constituição e adentrou no ordenamento jurídico em dezembro do ano passado."
Yuri Félix, diretor da Ibccrim

"Ele ser um traficante, integrar a organização criminosa, é algo que ainda será objeto de apreciação das cortes desse país. Nós não temos uma decisão transitada que diga efetivamente que ele seja membro de organização criminosa e traficante", completa.

Outro tema em questão no julgamento de hoje foi o poder do presidente do Supremo para derrubar decisões liminares (provisórias) dos demais ministros.

O advogado criminalista Bruno Salles, que também é contra a decisão do Supremo, ressalta que o resultado abre precedentes para que o presidente da Corte revogue cada vez mais decisões de ministros. "A ministra Rosa Weber disse em sua fala que, apesar de ter votado a favor da prisão, vê com ressalvas tal atitude."

Marco Aurélio tem sido um crítico de atos da presidência que sustam decisões dos colegas e afirmou que a decisão de Fux "desacredita o Supremo".

O professor do Mackenzie Flávio de Leão Bastos também argumenta nesse sentido e vê com cautela esse ponto do julgamento. "Se a cada decisão polêmica houver uma decisão posterior do presidente alterando uma decisão monocrática você vai criar uma situação de posições individuais contrárias que não é bom para a segurança jurídica do país nem para o STF como instituição."