Topo

Vacina, Escola sem Partido e foro de Flávio serão testes para Kassio no STF

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

05/11/2020 04h00Atualizada em 05/11/2020 08h37

Primeiro indicado pelo presidente Jair Bolsonaro ao STF (Supremo Tribunal Federal), Kassio Nunes Marques, 48, toma posse hoje, às 16h, tendo à frente julgamentos que vão servir de teste à sua independência do bolsonarismo.

A obrigatoriedade da vacina contra o coronavírus, o projeto Escola sem Partido e o foro privilegiado do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho mais velho do presidente, são alguns dos temas de interesse de Bolsonaro e seus apoiadores mais fiéis que estão no horizonte de julgamentos do STF.

Os votos de Kassio vão apontar, segundo pesquisadores que acompanham o Supremo ouvidos pelo UOL, se o novo integrante da corte cederá às pressões da base bolsonarista, se vai se alinhar a outras correntes entre ministros do tribunal ou se buscará atuar com mais independência.

Para a professora Juliana Cesário Alvim, da Faculdade de Direito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a estreia de Kassio no tribunal, composto por 11 ministros, será uma oportunidade para avaliar a independência com que ele vai atuar em relação ao presidente que o indicou.

"Em tese, na teoria constitucional clássica, era para a corte agir contramajoritariamente sem se preocupar com a opinião pública, mas a gente sabe que não acontece na prática, são pessoas de carne e osso que chegam lá com suas visões de mundo", afirma Juliana. "Isso tem sido exacerbado por ministros que têm dito que decidem na linha da opinião pública."

O professor associado do Insper Diego Werneck Arguelhes ressalta que, nos próximos meses, Kassio estará sob o olhar atento dos apoiadores de Bolsonaro, já que o presidente será cobrado em breve por sua segunda indicação ao STF, em julho de 2021, com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello. Kassio entra hoje no lugar de Celso de Mello, que se aposentou,

"Do ponto de vista do presidente, Kassio terá atingido os objetivos que Bolsonaro tinha em mente? Claro que isso pode não ser relevante para Kassio, mas é para Bolsonaro, porque ele vai ter que indicar outro depois", afirma o professor do Insper.

Já o professor de direito constitucional da USP Conrado Hübner Mendes diz que a chegada de Kassio ao Supremo ocorre num momento em que o presidente alterou sua estratégia de confrontação com o Congresso e o Judiciário e agora ensaia obter influência sobre a corte por meio da aproximação política.

"Bolsonaro mudou a sua técnica de sedução, não está mais ameaçando fechar com um cabo e um soldado nem com intervenção militar constitucional, mas é um Bolsonaro mais bonachão, jantando nos círculos de Brasília com juízes e assim por diante", afirma Hübner.

O professor diz ver um momento "perigoso" de tentativa de cooptação do tribunal pelo presidente. "[O STF] é uma corte ainda ambígua e talvez fique assim por muito tempo: é uma corte do morde e assopra em relação a Bolsonaro, mas o assopra é muito grave", diz.

Gênero e sala de aula

Bolsonaro tem indicado que a pauta de costumes terá peso na sua segunda indicação ao prometer um nome evangélico para o STF.

O primeiro desafio para Kassio poderá vir na próxima semana, quando estão na pauta do plenário na quinta-feira (11) três ações contra leis municipais que instituíram a política do Escola sem Partido e também proibiram a discussão sobre gênero e sexualidade em sala de aula.

Vacina da covid

Tradicionalmente dividido em discussões penais, como a prisão em segunda instância e temas ligados à Lava Jato, o STF mostrou coesão recentemente ao impor derrotas a propostas do governo Bolsonaro, como na decisão que deu poder a governadores e prefeitos de impor medidas de isolamento social.

O professor Arguelhes, do Insper, diz acreditar que os próximos debates relacionados à pandemia tem potencial de deixar o Supremo mais polarizado, em parte porque o governo amenizou a adoção de posturas radicais e em parte pela própria complexidade jurídica dos temas.

"Muitos dos casos nos quais o tribunal se uniu foi porque havia ideias absolutamente radicais e com um claro viés ideológico. O Supremo teve a tarefa importante, mas mais fácil juridicamente, de dizer: não vamos aceitar políticas públicas feitas com o fígado", afirma Arguelhes.

É o caso da obrigatoriedade da vacina. Bolsonaro é crítico à imunização compulsória e afirmou que "isso não é questão de Justiça".

quatro ações no STF que questionam declarações de Bolsonaro sobre a obrigatoriedade da vacinação ou a afirmativa do presidente de que o governo federal não irá comprar a CoronaVac, desenvolvida pelo Instituto Butantan, de São Paulo, em parceria com o laboratório chinês Sinovac. Ainda não há data para os processos serem julgados.

Foro de Flávio e Lava Jato

Kassio Marques vai integrar a Segunda Turma do STF, responsável por julgar recursos de processos da Lava Jato. Além de Edson Fachin, relator da operação no STF, a Turma é composta por Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

Gilmar é crítico dos métodos da Lava Jato e tem imposto na turma derrotas a investigações relacionadas à operação, acompanhado pelo voto de Lewandowski e, anteriormente, por Dias Toffoli, que hoje faz parte da Primeira Turma.

Além da Lava Jato, caberá à Segunda Turma decidir sobre o foro privilegiado concedido a Flávio Bolsonaro pelo TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) no caso da "rachadinha" no gabinete do então deputado estadual no Rio. Flávio nega irregularidades.

O ministro Gilmar, relator do recurso do Ministério Público contra a decisão do TJ do Rio que tirou a investigação da primeira instância, não emitiu decisão individual sobre o pedido e não marcou data para o recurso ser julgado.

Coalizão e apoio

A escolha de Kassio foi tornada pública por Bolsonaro em encontro na casa de Gilmar Mendes que teve a participação do próprio indicado, de Toffoli, do ministro das Comunicações, Fabio Faria, e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre.

Para o professor Hübner, o contexto da indicação pode apontar para uma atuação de Kassio mais próxima de Gilmar e Toffoli.

"O processo da carreira pode formar outras coalizões, mas Kassio entra, um pouco, nesse colegiado por essa porta, pela porta que lhe abriu Gilmar Mendes", afirma o professor da USP.