Queiroz pagou cabos eleitorais de Flávio Bolsonaro com caixa 2 em 2018
Resumo da notícia
- Operador do esquema de rachadinha usou recursos na campanha de Flávio ao Senado
- Dinheiro partiu da mesma conta na qual recebia repasses de assessores do filho do presidente
- UOL teve acesso a dados da quebra de sigilo bancário do policial militar aposentado
- Flávio Bolsonaro negou que sua campanha tenha usado recursos de caixa 2
O policial militar aposentado Fabrício Queiroz pagou com dinheiro de caixa 2 pelo menos quatro cabos eleitorais da campanha de Flávio Bolsonaro ao Senado, em 2018. Os pagamentos constam da quebra de sigilo bancário de Queiroz, determinada pela Justiça do Rio de Janeiro no âmbito da investigação do caso da rachadinha e obtida pelo UOL.
A reportagem confirmou com exclusividade que essas pessoas trabalharam para a campanha de Flávio Bolsonaro, por meio de entrevistas gravadas, textos e vídeos publicados em redes sociais.
Foram 15 transferências bancárias da conta de Queiroz para essas pessoas, no total de R$ 12 mil, entre 3 de setembro e 8 de outubro de 2018, período de campanha eleitoral até o dia seguinte ao primeiro turno. Nenhum dos pagamentos foi declarado à Justiça Eleitoral — nem entre as receitas, na forma de doação de Queiroz para a campanha, nem entre os gastos — o que configura caixa 2, de acordo com a legislação eleitoral e especialistas ouvidos pelo UOL.
Ainda no período eleitoral, Queiroz sacou R$ 63,8 mil em dinheiro — sendo 11 saques de R$ 5 mil cada e outros de menor valor. Não há evidências de como o valor foi utilizado.
O dinheiro saiu de uma conta bancária pessoal de Queiroz, a mesma na qual ele recebeu pagamentos de assessores do gabinete de Flávio Bolsonaro no caso da rachadinha -- repartição ilegal de salários de funcionários do gabinete de Flávio na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). O MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) denunciou Flávio, Queiroz e outras 15 pessoas pela prática dos crimes de organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita, entre os anos de 2007 e 2018.
Somente em setembro e outubro, período relativo à campanha eleitoral de Flávio Bolsonaro em 2018, Queiroz recebeu ao menos R$ 49 mil de cinco assessores, segundo dados do MP-RJ. Na época, o filho do presidente estava filiado ao PSL. Hoje, o senador é filiado ao partido Republicanos. A campanha de Flávio ao Senado recebeu, oficialmente, R$ 712 mil e contratou R$ 491 mil em despesas.
A investigação do MP-RJ já mostrou que Queiroz usou o dinheiro do esquema da rachadinha para pagar ao menos R$ 261 mil das despesas pessoais de Flávio Bolsonaro e sua família, a exemplo de contas do plano de saúde e mensalidades da escola das filhas. Descobertos pela reportagem do UOL em meio aos dados da quebra de sigilo bancário do PM aposentado, esses pagamentos a cabos eleitorais revelam agora o primeiro indício de que o mandato de senador de Flávio foi obtido com ajuda de caixa 2.
Procurado pelo UOL, o senador Flávio Bolsonaro afirmou que desconhece pagamentos feitos fora da determinação legal e diz que todas as despesas de sua campanha foram registradas na Justiça Eleitoral.
"Todos os pagamentos da campanha de 2018 foram registrados junto à Justiça Eleitoral e estão dentro das regras. O senador Flávio Bolsonaro desconhece qualquer tipo de pagamento que não tenha cumprido as determinações legais", disse a assessoria, em nota. "Quaisquer insinuações de irregularidade na campanha são mentirosas, não passam de ilações mal-intencionadas."
O advogado de Fabricio Queiroz, Paulo Emilio Catta Preta, disse que não conseguiria se posicionar pois seu cliente está incomunicável, cumprindo prisão domiciliar. "Somente poderei tratar desses temas na minha próxima visita pessoal", afirmou.
É caixa 2, dizem especialistas
"Isso é claramente caixa 2. Um exemplo típico de caixa 2, em que tudo veio por fora. O dinheiro saiu de algum lugar por fora da campanha. E entrou na campanha por fora", diz Daniel Falcão, advogado e professor de direito eleitoral do Instituto Brasiliense de Direito Público.
Essa é a mesma interpretação do advogado Marcelo Issa, diretor do movimento Transparência Partidária. "Típico caso de caixa 2. Recursos não declarados, com comprovação de utilização para contratação em benefício da campanha eleitoral".
"Isso tem cheiro de caixa 2. O fato de as prestações de serviço não estarem declaradas indica alta probabilidade de que esses recursos sejam oriundos de dinheiro proveniente de caixa 2 de campanha", afirma Roberto Livianu, procurador de Justiça em São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção. "Fica evidente que Queiroz era o operador principal de recursos não contabilizados de um esquema criminoso que visava sabotar a democracia".
O caixa 2 na campanha de Flávio Bolsonaro não é mais passível de ações na Justiça Eleitoral — o prazo máximo é de 15 dias após a diplomação dos candidatos eleitos. No entanto, caberia uma ação penal por falsidade ideológica eleitoral, crime previsto no artigo 350 do Código Eleitoral. A punição é de reclusão por até cinco anos e pagamento de multa. Após uma eventual condenação, o juiz responsável pode decretar a perda do cargo após o trânsito em julgado (quando não há mais possibilidade de recurso). Segundo especialistas, raramente essas ações chegam ao fim antes do fim do mandato.
Quarteto de mulheres
Queiroz fez dez pagamentos para Edianne de Abreu, Gaby Damasceno e Larissa Dantas, somando R$ 10.260. As três fizeram parte de um quarteto feminino de cabos eleitorais. Jack Souza era a quarta integrante do grupo. Em um dos depósitos para Gaby, Queiroz fez a anotação "Jack". O UOL confirmou que as contas bancárias em que o dinheiro caiu pertencem, de fato, às três mulheres. Os nomes delas não aparecem na prestação de contas enviadas pela campanha de Flávio Bolsonaro à Justiça Eleitoral.
A atividade do quarteto de mulheres está extensamente registrada nas redes sociais. Os posts mostram que os adesivos e santinhos entregues por elas eram da campanha de Flávio Bolsonaro, acompanhados de número e imagem da candidatura presidencial do pai. Ao pedir votos para Flávio Bolsonaro, as mulheres também faziam campanha para Jair Bolsonaro.
Em um vídeo de agosto de 2018, Gaby, Larissa, Jack e Edianne se aproximam de uma banca de revista e perguntam se os dois homens que estavam ali dentro eram "Bolsonaro". Diante da indicação positiva, comemoram e entregam um adesivo da campanha de Flávio para senador e Bolsonaro para presidente. Um cliente da banca diz: "Mas assim vocês vão ganhar muitos votos pro Bolsonaro, hein. Só menina bonita né, fazer o quê?"
Em outro vídeo, as mulheres fazem o gesto de "arminha", popularizado por Jair Bolsonaro, ao lado de um artista de rua pintado de estátua. Ele segura material gráfico com os números de urna e imagens de Flávio e Jair. Gaby fala: "Bolsonaro! Flávio Bolsonaro".
"Foram quatro na equipe. Eu e mais três meninas. Trabalhamos dia e noite, sem tempo para dormir, para comer. Na rua, o tempo inteiro, panfletando com os candidatos, rodando os 92 municípios [do Rio de Janeiro] ", disse Gaby Damasceno, por telefone. Segundo ela, o grupo se formou com o propósito de fazer campanha eleitoral, por iniciativa de Edianne. Antes da campanha, Gaby não conhecia Larissa ou Jack.
"Só tinha a gente fazendo isso. A gente era o ponto focal para bandeirar, panfletar, parar rua. Foram 45 dias de sol, chuva. Chegávamos em casa à 0h. E saíamos às 5h da manhã".
Gaby Damasceno disse que não se lembra dos pagamentos feitos por Queiroz e acrescentou que ele "era um grande amigo para todos". Edianne desligou o telefone na cara da reportagem. Já Larissa não respondeu. O UOL procurou Jack Souza por meio de seus perfis em redes sociais, mas não obteve resposta.
Queiroz ainda fez cinco depósitos para Bruna Godinho, somando R$ 1.740. Quatro deles tinham a anotação "Deco" ou "Dco". Este é o apelido de André Machado, marido de Bruna. Ao ser questionada por telefone sobre os valores recebidos de Queiroz, Bruna disse: "É o Fabrício que trabalha com o Flávio Bolsonaro? Meu esposo trabalhou fazendo campanha para ele [Flávio]. Distribuía panfleto, aquelas coisas todas". Machado não respondeu à reportagem.
Candidata não fez campanha
A cabo eleitoral Edianne de Abreu foi, ela própria, candidata a deputada federal pelo PSL nas eleições de 2018. Porém, em um post no Instagram Edianne declarou que não fez campanha para si, mas para os "Bolsonaro": "Quero agradecer a você que acreditou na minha pessoa, mesmo sem eu fazer minha própria campanha, pois estava engajada na campanha dos Bolsonaros, e mesmo assim, vcs [sic] ainda me concederam 1.413 votos em menos de 24 horas que divulguei meu número nas redes sociais como candidata a deputada federal".
Em sua prestação de contas, Edianne declarou um padrão de receitas e gastos idênticos aos de outras nove candidatas pelo PSL do Rio naquele ano. Segundo entendimento já aplicado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ao avaliar um caso no Piauí, "a extrema semelhança dos registros de campanha denota claros indícios de maquiagem contábil".
A candidata recebeu R$ 2,9 mil de recursos públicos para fazer campanha. Com esse valor, contratou empresas ligadas a dois assessores de Flávio para serviços jurídicos e de contabilidade, e apenas um cabo eleitoral: a própria Gaby Damasceno, sua colega do quarteto que fazia campanha para Flávio Bolsonaro.
Mas Gaby disse para o UOL que não fez campanha para Edianne, e sim para um concorrente dela, o também candidato a deputado federal Hélio Bolsonaro. Em um post no Facebook, Gaby escreveu a respeito de Hélio Bolsonaro: "Grande honra e orgulho ter caminhado 45 dias ao lado desta grande pessoa e de termos obtido com muito êxito 345 mil votos, o Deputado Federal mais votado do Rio de Janeiro".
A reportagem procurou Hélio Bolsonaro por telefone e mensagem, mas o deputado não respondeu.
Gaby afirmou que não recebeu dinheiro da campanha de Edianne. Mas a reportagem apurou que o dinheiro foi sim transferido para uma conta em seu nome — a mesma em que Queiroz depositou.
As demais mulheres do quarteto de cabos eleitorais não receberam nenhum valor declarado à Justiça Eleitoral por sua participação na campanha, somente os pagamentos de Queiroz.
Edianne, que é dentista, foi nomeada em setembro para cargo de coordenadora na Secretaria Nacional do Audiovisual do governo de Jair Bolsonaro. Em outubro, a Justiça anulou a nomeação, afirmando que a dentista não tem "formação acadêmica e profissional apta ao regular desempenho" do cargo.
Gaby Damasceno ocupa cargo de confiança na Secretaria de Estado da Casa Civil e Governança do governo do Rio. E Larissa Dantas foi nomeada para cargo em comissão na Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação.
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