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"É uma quebra de regra do bem", diz prefeito tucano que desafiou Plano SP

Daniel Alonso (PSDB), prefeito de Marília (SP) - Reprodução/Facebook
Daniel Alonso (PSDB), prefeito de Marília (SP) Imagem: Reprodução/Facebook

Lucas Borges Teixeira*

Do UOL, em São Paulo

04/02/2021 04h00

Marília entrou para a lista de cidades paulistas que desafiaram o Plano São Paulo e deixaram de cumprir as recomendações do governo estadual de combate à pandemia. Mesmo com quase 80% dos leitos da região ocupados, a cidade liberou a abertura do comércio e dos bares e restaurantes desde sábado (30), quando todo o estado estava na fase vermelha.

O prefeito Daniel Alonso, do mesmo partido do governador João Doria (PSDB), diz não querer enfrentá-lo e cita motivos econômicos para o decreto, que chama de "quebra de regra do bem". O governo paulista, por sua vez, tem chamado as cidades desafiantes de "maçãs podres".

"Os comerciantes já não estavam suportando mais manter as lojas fechadas depois de duas semanas. Esse pessoal é a ponta mais frágil da cadeia produtiva. São pequenas lojas de rua, pequenos restaurantes", argumenta, em entrevista ao UOL. "No ano passado, os empresários tiveram ajuda do governo federal, isenção de imposto, financiamento. Dessa vez, não tem mais nada. É uma situação muito difícil."

A região de Marília entrou para a fase vermelha no dia 15 de janeiro e, segundo ele, cumpriu "rigorosamente" o plano neste período, mas o comércio começou a pressioná-lo, acusando falência. "Em função disso, tivemos, infelizmente, que quebrar a regra do Plano SP. Mas é aquela história: é uma quebra de regra do bem, não é do mal. A gente sabe da dificuldade dessas atividades", continua Alonso.

Ontem, o governo paulista anunciou um pacote econômico de R$ 125 milhões de ajuda aos empreendedores do estado, com medidas que incluem suspensão de corte de água e luz para os comerciantes que tiverem com contas atrasadas.

"Mais difícil controlar os essenciais"

Com a terceira maior taxa de ocupação de UTI (unidade de terapia intensiva) entre as 17 regiões do estado (78,6% dos leitos indisponíveis), Alonso diz que está preocupado com a situação, mas avalia que a restrição ao comércio e a restaurantes não é o pior lado.

Baseado na experiência própria de gestão na quarentena, ele diz ser mais complicado controlar as aglomerações nos serviços essenciais do que nos comércios fechados na fase vermelha.

O mais difícil de fiscalizar nunca foram esses restaurantes, mas nos serviços essenciais: é na fila do banco, da lotérica, nos supermercados, em alguns horários do transporte coletivo. Não é nesse tipo de atividade paralisada.
Daniel Alonso, prefeito de Marília

O governo paulista vê de forma oposta. Desde o início de janeiro, o Plano São Paulo voltou as atenções à vida noturna no estado, onde, segundo o Centro de Contingência do Coronavírus, está o maior nível de transmissão.

Os bares foram fechados nas fases laranja e vermelha e, na amarela, só podem funcionar com horário reduzido até as 22h. "Já foi provado que nestes ambientes as chances são muito maiores. As pessoas, conversam, comem, não usam máscara", afirma o pneumologista Paulo Menezes, coordenador do Centro de Contingência.

Há, ainda, a pressão dos setores. Comerciantes da capital e do interior têm protestado com frequência contra voltar a fechar as portas —e muitos têm desafiado a fiscalização e deixado suas lojas semiabertas. Alonso diz, como prefeito, sentir isso com mais força.

As pessoas não moram na União ou no estado, moram na cidade. Com os problemas, ela procura o vereador, bate na porta da casa do prefeito. A gente vive na ponta, a realidade é difícil.
Daniel Alonso, prefeito de Marília

O estado diz que não vai ceder. Tanto Doria quanto o secretário estadual da Saúde, Jean Gorinchteyn, já declararam em diferentes ocasiões que não irão flexibilizar o Plano São Paulo por pressão do comércio. O Centro de Contingência, por sua vez, recomenda até o oposto, um aperto maior nas regras —mas isso o governo também desconsidera.

"Maçãs podres"

O Palácio dos Bandeirantes tem tratado os prefeitos "desafiantes", como Marília, Bauru e Araçariguama, como "maus exemplos" ou "maçãs podres". Nas coletivas e entrevistas, os membros da equipe têm criticado duramente as deserções.

"A imensa maioria [das cidades] segue o Plano SP e trabalha com articulação. Mais de 95% dos municípios seguem plano. Temos maus exemplos, mas trabalhamos para coibir", declarou Marco Vinholi, secretário de Desenvolvimento Regional.

Alonso diz que não tem a intenção de desafiar Doria e que tomou a decisão por "sensibilidade com o comércio". Se os números piorarem ainda mais, promete, voltará a fechar.

"Não é nossa intenção fazer polêmica. Eu não vou discordar [de Doria], é a função dele. Ele priorizou desde o início a ciência e nós continuamos a receber a ajuda do estado", afirma o prefeito. Segundo ele, Marília recebeu 30 dos 250 leitos de UTI distribuídos pelo governo em janeiro. "Não posso reclamar."

Para conter os possíveis avanços, diz que aumentou a fiscalização e, desde sábado, não houve abusos por parte dos comerciantes. As festas seguem coibidas. Não há, no entanto, um plano B para controlar os quase 80% de leitos ocupados a não ser cancelar o decreto. "É aquilo: se ficar o bicho pega, se correr o bicho come", conclui.

Prefeita de Bauru rebate críticas

Um outro decreto municipal que desafiava o Plano São Paulo foi parar na Justiça —foi o caso de Bauru. A prefeita Suéllen Rosim (Patriota) decidiu permitir o funcionamento de setores não essenciais na semana passada. Mas a Procuradoria-Geral do Estado acionou a prefeitura na Justiça, e a medida foi revogada.

Por causa deste decreto, Suéllen foi alvo de críticas duras do governador e sua equipe.

A Prefeita de Bauru, Suellen Rosim (Patriota), e o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), durante encontro em Brasília - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
A prefeita de Bauru, Suellen Rosim (Patriota), e o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), durante encontro em Brasília
Imagem: Reprodução/Instagram

Em coletiva, Doria chamou a prefeita de "negacionista" e afirmou que ela fazia "vassalagem para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), visitando-o no Palácio do Planalto em vez de proteger a população de Bauru e defender a vida e a saúde de seus habitantes". "Vassalagem" é um termo da Idade Média. O vassalo era um indivíduo que pedia algum benefício a um nobre e, em troca, jurava fidelidade a ele.

O UOL apurou que o decreto de Bauru foi interpretado no Palácio dos Bandeirantes como um "ato de rebeldia desnecessário".

Para Suéllen, alterar as regras sanitárias do Plano SP era uma questão de defesa da economia do município. "Não é a prefeita que é louca e desobediente. Estou defendendo o município, na saúde e economia. Num primeiro momento, as ações que ele [Doria] tomou foram realmente necessárias até entender o que estava acontecendo. Mas no segundo momento 'lockdown' não é possível depois de um ano de pandemia. Por isso adaptei o Plano São Paulo", disse ao UOL.

Em resposta às críticas de Doria, ela afirmou que esteve entre 26 e 27 de janeiro em Brasília "a trabalho".

Eu ouvi duas três vezes [a crítica] para ouvir se era real. Negacionista eu não sou, nunca neguei a pandemia. Vassala foi um termo pesado, como se fosse buscar do meu senhor, me colocando como inferior. Ora, eu fui como uma prefeita de um município. Outros municípios fizeram adequações em seus decretos, mas não tiveram seus nomes citados em rede nacional.
Suéllen Rosim, prefeita de Bauru

Eleitora de Jair Bolsonaro em 2018, Suellen evita criticar a condução da pandemia pelo governo federal, considerado internacionalmente o pior gestor do mundo da maior crise de saúde do século.

"Não me arrependo [de ter votado em Bolsonaro]. As pessoas esperam que eu entre num embate. Eu estou no barco que é o Brasil. Quem está na presidência é Bolsonaro. Eu acho ignorância querer que o barco afunde comigo estando dentro dele. Temos que torcer para dar certo."

*(Colaborou Leonardo Martins)