Topo

Em carta a Bolsonaro, Ernesto Araújo fala em 'narrativa falsa' contra ele

Segundo o chanceler, "ergueu-se contra ele uma narrativa falsa e hipócrita" - WALLACE MARTINS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Segundo o chanceler, 'ergueu-se contra ele uma narrativa falsa e hipócrita' Imagem: WALLACE MARTINS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Colaboração para o UOL

29/03/2021 21h52

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, divulgou, na noite desta segunda-feira (29), a carta que enviou ao presidente Jair Bolsonaro, com o seu pedido de demissão.

No documento, ele diz que "surgiu nestes últimos dias uma situação que me torna impossível seguir trabalhando por nossos ideais na posição que neste momento ocupo. Ergueu-se contra mim uma narrativa falsa e hipócrita, a serviço de interesses escusos nacionais e estrangeiros, segundo a qual minha atuação prejudicaria a obtenção de vacinas".

"Exibi todos os fatos que desmentem tais alegações, mas infelizmente, neste momento da vida nacional, a verdade não importa para as correntes que querem de volta o poder - esse poder que, durante as décadas em que o exerceram, só trouxe ao Brasil atraso, corrupção e desgraça", acrescentou o agora ex-chanceler, que foi substituído por Carlos Alberto Franco França.

Críticas de senadores

O ex-ministro foi duramente criticado por senadores, durante sessão no Senado realizada na última quarta-feira (24), na qual foi discutida a atuação do Itamaraty na compra de vacinas contra a covid-19.

Os senadores apontaram a responsabilidade do Itamaraty pelo atraso no acesso a vacinas e insumos vindos de outros países para o Brasil. Eles cobraram o ministro por gestões diplomáticas para acelerar a obtenção de imunizantes contra a covid-19 e pediram a renúncia dele. O senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) chegou a chamá-lo de 'office boy de luxo.'

Autor do requerimento para a sessão, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) apontou diversas falhas na condução da política externa durante a pandemia, com declarações ofensivas contra outros países por parte de integrantes do governo. Ele questionou o ministro sobre o motivo de descumprir seu papel constitucional e atuar contra interesses do Brasil "com viés ideológico e contrário às recomendações diplomáticas e da ciência".

"Perdoem-me por ter sido, talvez, contaminado com a emoção, mas quando se fala de vida, estou falando de história, de relações, de famílias dilaceradas pela covid-19, mas que tem a digital inegável do presidente da República, do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Saúde", lamentou o senador.

A presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE), senadora Kátia Abreu (PDT-TO), classificou o quadro diplomático como "desastroso". Ela apontou recorrentes problemas com parceiros comerciais relevantes do país, como China e Estados Unidos, e tratamento descortês com o presidente da Organização Mundial de Saúde (OMS), que estaria impedindo o acesso do Brasil um excedente de vacinas controlado pela organização.

"Esse é o meu questionamento: o senhor se sente à vontade para ter sucesso nessa empreitada, que é a maior que nós temos hoje? Nós precisamos vacinar um terço da população, nós precisamos vacinar 70 milhões de brasileiros para conter a desgraça que estamos vivendo. Nós teremos essa vacina, senhor chanceler?", questionou a senadora.

O ministro também foi questionado por senadores sobre a posição contrária do Itamaraty à quebra de patentes das vacinas apoiada por outros países emergentes, como a Índia e a África do Sul. Os defensores da medida alegam que, com as patentes suspensas temporariamente, os imunizantes seriam produzidos em sua versão genérica em larga escala, possibilitando o acesso de maneira mais rápida e com custo menor para os governos.

Vários senadores se disseram insatisfeitos com as respostas do ministro. Alguns deles se dirigiram ao chanceler pedindo que ele renuncie ao cargo. Foi o caso Tasso Jereissati, que classificou o chanceler de "dificultador" da relação do Brasil com outros países e fez um apelo para que ele se afaste.

"Esse momento seu é ruim para o país. Em nome do país e desses que podem morrer daqui para lá, renuncie e bote um diplomata — peça ao seu amigo presidente — que tenha acesso fácil, que tenham uma visão difícil, que tem amizades até em todas essas instâncias internacionais."

A senadora Simone Tebet disse que o gesto da exoneração do ministro seria uma redenção do Brasil perante a China e os Estados Unidos, o que facilitaria a obtenção de vacinas desses dois países.

Jorge Kajuru (Cidadania-GO), Rose de Freitas (MDB-ES) e Mara Gabrilli (PSDB-SP) pediram consciência por parte de Ernesto Araújo da importância do cargo que ocupa. Para eles, a questão não é pessoal e o ministro precisa pensar nas vidas que estão sendo perdidas. "Por favor, chanceler, ponha a cabeça no travesseiro, pense com consciência, se não valeria a pena o senhor abrir mão desse cargo. (...) Eu tenho certeza de que agora, para o Brasil, é melhor sem o senhor. Peça para sair e durma com a consciência tranquila, que o senhor vai ajudar a salvar vidas," pediu Mara Gabrilli.

Respostas do chanceler durante a sessão

Em resposta aos senadores, o chanceler negou ter hostilizado representantes de outros países e afirmou que o Brasil não tem problemas diplomáticos que estejam dificultando a obtenção de imunizantes. Ele destacou conversas com Estados Unidos, Reino Unido e Índia para a aquisição de diferentes vacinas.

Segundo o ministro, somente a partir da estratégia traçada pelo Ministério da Saúde, o Itamaraty entra para participar das negociações internacionais. Ernesto Araújo disse que nenhuma questão política está impedindo a importação de vacinas e de insumos.

"Vossas Excelências estão alegando que há uma deficiência no trabalho do Itamaraty na questão das vacinas, isso é absolutamente improcedente. Tenho aqui todos os elementos para mostrar que nós temos conseguido obter tudo aquilo que está dentro da estratégia do plano de vacinação brasileiro. Como eu digo, novamente reitero, nós somos um braço de relacionamento externo desse programa de vacinação. O Itamaraty não define o programa de vacinação, o Itamaraty não define as vacinas a serem compradas," disse o ministro.