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"Prescrição pública de cloroquina ecoa desespero", diz ex-secretária à CPI

Do UOL, em São Paulo

02/06/2021 16h57Atualizada em 02/06/2021 17h36

Durante depoimento à CPI da Covid, no Senado, a médica infectologista Luana Araújo disse entender que, em situações de exceção, "quando as pessoas consideram que existe uma coisa que é rápida, fácil, ágil, barata e que substituiria todo um processo de educação de hábitos, de usar máscara, de lavar a mão, de distanciamento, que exigem uma compreensão básica do processo, é uma coisa muito mais complexa. É muito mais simples medicalizar tudo".

A fala veio em resposta à senadora Leila Lopes (PSB-DF), que quis saber a sua opinião sobre o chamado tratamento precoce, que incluem remédios como a hidroxicloroquina, a azitromicina, a ivermectina e a nitazoxanida, além dos suplementos de zinco e das vitaminas C e D. A eficácia desse mix farmacológico contra a covid não é reconhecida por entidades como a OMS (Organização Mundial da Saúde).

Eu vou lá e dou um remédio, uma pílula qualquer, que está pronta, funcionando. Então, eu acho que essa adoção, infelizmente, encontra na população um desconhecimento técnico e um desespero, um despreparo emocional para lidar com isso que acaba ecoando. Então, quando alguém coloca isso de uma forma pública, ela encontra eco naquelas pessoas que estão desesperadas e que precisam sair de manhã, por exemplo, para trabalhar, porque a comida do dia depende daquele dia."
Luana Araújo

Luana foi anunciada em maio para o cargo de secretária extraordinária de enfrentamento à covid-19, mas nomeação foi cancelada dez dias depois. O assunto foi retomado, depois, pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN):

Eu sou responsável pelo que eu prescrevo, pelo que eu digo para meu paciente. E isso é muito claro. Não posso terceirizar essa responsabilização. Quando eu prescrevo qualquer medicação que seja, eu preciso pesar os riscos e os benefícios daquela prescrição e também entender o que fazer em caso do paciente evoluir de uma forma diferente. A medicina não é uma ciência exata. A gente diz, tanto na medicina como no amor, nem sempre, nem nunca."
Luana Araújo

"A medicina não é uma ciência exata. A gente diz, tanto na medicina como no amor, nem sempre, nem nunca", prosseguiu. "Mas existem caminhos que a estatística nos ajuda a compreender que são os caminhos mais claros de benefício para o paciente. A autonomia médica entra aí."

À CPI, ontem, a médica Nise Yamaguchi, uma das principais defensoras da cloroquina e da sua derivada, a hidroxicloroquina, no tratamento contra a covid-19, se queixou a senadores por estarem colocando em dúvida suas condutas médicas.

"O que estão dizendo aqui é que eu não posso prescrever ou que tenho prescrito. Eu estou aqui sendo colocada em xeque com relação às minhas condutas médicas. Eu estou sendo questionada", protestou Nise, visivelmente irritada.

Uma semana e três dias no governo

Luana Araújo foi escolhida para uma secretaria especial de combate à covid-19 do Ministério da Saúde pelo ministro Marcelo Queiroga, e contou aos senadores que chegou a trabalhar por 10 dias mesmo sem ser nomeada, até ser dispensada.

A médica relatou ter sido informada pelo próprio ministro que, apesar do convite, não poderia ser nomeada porque não tinha sido aprovada pelo Palácio do Planalto. A infectologista evitou, no entanto, tecer qualquer comentário que comprometesse o ministro, a quem se referiu como "um homem da ciência" e bem intencionado.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.