Ex-chefe do PNI relata falta de vacina, pede campanha e critica politização
A ex-coordenadora do PNI (Programa Nacional de Imunizações) do Ministério da Saúde Francieli Fontana Fantinato afirmou hoje, em depoimento à CPI da Covid, que o processo de vacinação contra a covid-19 no país teve dois problemas principais: número insuficiente de doses e falta de comunicação publicitária efetiva e uniforme.
"Faltou para o PNI, sob a minha coordenação, quantitativo suficiente para a execução rápida de uma campanha, e campanhas publicitárias para a segurança dos gestores, profissionais de saúde e população brasileira", disse aos senadores.
"Bem, senhoras e senhores, para um programa de vacinação ter sucesso, é simples: é necessário ter vacinas, é necessário ter campanha publicitária efetiva. E, infelizmente, eu não tive nenhum dos dois", também declarou.
Ela disse que, até hoje, indefinições no cronograma de entrega de vacinas atrapalham planejamentos a longo prazo do PNI.
Francieli ainda revelou ter recebido do coronel Elcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, pedido para não incluir a população carcerária entre os grupos prioritários.
A ex-coordenadora da vacinação no país disse ter se recusado a seguir a orientação dada pela secretaria-executiva do Ministério da Saúde para que presidiários fossem preteridos no processo de definição de grupos prioritários.
Segundo ela, trata-se de um nicho social que enfrenta condições insalubres e vive em ambientes que favorecem o rápido alastramento do vírus.
Francieli afirmou ter respondido ao coronel Elcio Franco, que era o "02" da Saúde na gestão do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que, caso ele levasse adiante a intenção de relegar pessoas encarceradas (a secretaria-executiva tem autonomia para tomar tal decisão), a medida aconteceria à revelia do posicionamento do PNI.
A profissional, que é enfermeira de formação e tem mestrado em Medicina Tropical, estava à frente das políticas de vacinação desde outubro de 2019 e pediu demissão do cargo na semana passada.
Saída por razões pessoais e 'politização'
Indagada pela CPI sobre o motivo de sua saída, a depoente negou que a decisão tenha ocorrido por conta da pressão gerada pela Comissão Parlamentar de Inquérito. A enfermeira alegou razões pessoais e também culpou a "politização" em relação ao tema das vacinas.
"A politização chegou em um limite que eu decidi caminhar com as minhas questões pessoais."
"Essa politização do assunto trouxe para mim uma condição de investigada sem ter sido ouvida, sem que eu tivesse oportunidade nem de falar", emendou a depoente.
Francieli compareceu hoje ao colegiado inicialmente como investigada. Nessa condição, ela poderia optar por ficar em silêncio, mas decidiu responder aos questionamentos dos parlamentares.
Na reunião, após considerar que Francieli estava colaborando com as investigações, a CPI acabou retirando-a da lista de investigados e reverteu sua quebra de sigilo.
'Falas de Bolsonaro atrapalham execução do PNI'
A ex-coordenadora do PNI evitou fazer uma crítica direta e contundente ao presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), quando questionada a respeito da politização da vacinação no país. Mas respondeu, ressaltando que se tratava de uma opinião pessoal, que as falas do "líder da nação" atrapalharam a execução da estratégia nacional de imunização.
Para Francieli, "qualquer pessoa que fale contra a vacinação traz dúvidas para a população brasileira". Nesse sentido, ela voltou a criticar a ausência de uma "comunicação única" e "uniforme". E ressaltou que diversas vezes gostaria de ter ido à imprensa para abordar o tema, mas que isso não foi possível.
"A falta de comunicação pode ter trazido algum prejuízo para a campanha de vacinação", resumiu.
Francieli afirmou que era preciso ter campanhas massivas a favor da vacinação desde o início da pandemia para mostrar à população a importância dos imunizantes, o que não aconteceu em quantidade ou maneira suficiente, avaliou.
Lobby para definição de grupos prioritários
Francieli Fantinato disse que houve pressão incluir determinados grupos entre os núcleos definidos como prioritários (tais como a população idosa e pessoas com doenças prévias). Na visão dela, esse lobby prejudicou a campanha de vacinação.
"Sofrer pressão de todos os segmentos para entrada de grupos trouxe dificuldades na execução da campanha. Se tivesse vacina suficiente, não precisaria dessa fragmentação."
Ela explicou como foram definidos os primeiros grupos prioritários:
"Definiram-se objetivos para a vacinação, que eram, primeiramente, a manutenção da força de trabalho do setor saúde, porque a gente precisava que esses profissionais estivessem vacinados para poder atender a população brasileira. Na sequência, aqueles que mais morriam por morbidade e mortalidade e, na sequência, a manutenção do funcionamento dos serviços essenciais."
Essa definição dos grupos prioritários foi porque a gente imaginou que talvez não conseguisse vacinar, num primeiro momento, toda a população brasileira."
Francieli Fantinato, ex-coordenadora do PNI
A enfermeira também destacou que sua indicação para chefiar o PNI não foi política, e sim técnica.
"O que mais me orgulha é ser servidora pública, efetivada por concurso público. Por que? Porque é um trabalho nobre, muitas vezes de pouco reconhecimento e, nesse último ano, de nenhum reconhecimento, mas que salva muitas vidas", afirmou.
"Ressalto que fui uma indicação técnica da minha antecessora, não uma indicação política".
Em depoimento à CPI, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, afirmaram que o presidente Bolsonaro teria citado o nome do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), por possível envolvimento em "rolo" ao ouvir denúncia de pressão atípica para a importação de doses da Covaxin.
Francieli avaliou em nota técnica que o governo federal deveria solicitar mais dados de eficácia e segurança sobre a vacina Covaxin, oito dias após a assinatura do contrato. A nota foi citada hoje pela ex-coordenadora do PNI na comissão.
*Com colaboração de Gabriel Toueg
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