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Fake news podem levar a Capitólio brasileiro, diz instituto de Felipe Neto

Youtuber Felipe Neto fundou Instituto Vero - Reprodução/Instagram
Youtuber Felipe Neto fundou Instituto Vero Imagem: Reprodução/Instagram

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

22/07/2021 04h00

Fundado pelo youtuber Felipe Neto, o Instituto Vero projeta um possível desfecho trágico para as eleições presidenciais de 2022 caso ocorra uma combinação que relacione a circulação de fake news sem restrições determinadas por lei a uma eventual derrota de Jair Bolsonaro (sem partido) nas urnas.

Um relatório elaborado pelo instituto obtido com exclusividade pelo UOL mapeou 15 projetos de lei apresentados por parlamentares da base governista em apenas um ano com o objetivo de limitar o controle das plataformas na internet contra informações falsas nas redes sociais — quatro deles, inclusive, criticam a suspensão das contas de Donald Trump, ex-presidente norte-americano acusado de incitar a invasão ao Capitólio.

Inspirado na ação de trumpistas no Capitólio nos Estados Unidos em janeiro deste ano que deixou cinco mortes, avalia o estudo, o presidente poderá incitar uma ação violenta nas redes sociais por parte dos seus apoiadores sob a falsa alegação de fraude no pleito.

Se aprovadas, as 15 proposições listadas podem blindar a propagação de notícias falsas sem o filtro das plataformas de redes sociais.

Exemplos de algumas atualmente em circulação são as acusações infundadas de fraudes nas urnas eletrônicas ou a divulgação de medicamentos sem comprovação científica contra a covid-19. Os posicionamentos são apontados pelos pesquisadores como os assuntos mais recorrentes de desinformação da base governista nas redes sociais.

A gente pode ter um Capitólio brasileiro. O Bolsonaro já instiga os seus apoiadores a se armar, faz acusações reiteradas de fraude eleitoral e diz que não vai aceitar o resultado das eleições caso perca. Com uma legislação que restrinja o controle das plataformas em vigor, não seria permitido remover a conta de Bolsonaro caso ele incitasse seus apoiadores em alguma ação violenta, como uma invasão ao Congresso."
Caio Machado, diretor do Instituto Vero e pesquisador da universidade de Oxford

O relatório 'Desinformação privilegiada: como parlamentares estão se movimentando para desativar ações contra a desinformação', relaciona a apresentação dos projetos de lei ao decreto assinado em maio de 2020 por Trump, presidente dos Estados Unidos na época, para restringir a moderação das plataformas de redes sociais em postagens com informações falsas.

Apenas um dos 15 projetos foi apresentado pela base governista no Congresso antes do decreto de Trump. Segundo o levantamento, 12 das 15 proposições foram apresentadas pelo PSL. Ao todo, são 23 parlamentares do partido, entre autores e coautores —apenas quatro deputados são de outros partidos.

Essa não é a primeira iniciativa encabeçada por Felipe Neto de oposição ao bolsonarismo. Em março deste ano, ele lançou o 'Cala a Boca Já Morreu' para oferecer assistência jurídica gratuita a pessoas processadas ou investigadas por críticas a qualquer autoridade pública.

A ação foi motivada por ele ter sido enquadrado em "crime contra a segurança nacional" — da Lei de Segurança Nacional, redigida durante a ditadura militar — por ter feito críticas à postura de Bolsonaro ao longo da pandemia, se referindo ao presidente como "genocida".

Em defesa a Trump, parlamentares citam 'liberdade de expressão'

As proposições incluídas no relatório que citam a remoção dos perfis de Trump alegam "ameaça à democracia", "abuso de poder das mídias digitais" e exigem "liberdade de expressão". Um deles, inclusive, faz referência à invasão ao Capitólio.

  • PL 23/2021, do deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) - As recentes suspensões (...) revelam a extensão do poder exercido mundialmente por companhias detentoras de aplicações de internet. Tamanha concentração de poder é um risco para diversos direitos constitucionalmente instituídos, como a liberdade de expressão, a liberdade à informação e, em última instância, é também uma ameaça à democracia;
  • PL 246/2021, da deputada federal Carolina de Toni (PSL-SC) - A exclusão da conta de Trump no Twitter reforça a emergência de uma resposta legislativa a esse tipo de atentado contra a liberdade de expressão;
  • PL 449/2021, do deputado federal Igor Kannário (DEM-BA) - É preocupante que empresas privadas possam ter autonomia para silenciar uma autoridade com fundamento em convicções particulares de seus executivos;
  • PL 495/2021, da deputada federal Soraya Manato (PSL-ES) - As recentes remoções de conteúdo (...) envolvendo a invasão do Capitólio nos Estados Unidos são um flagrante exemplo de abuso de poder por parte das mídias digitais.

Em nota, a deputada Soraya Manato negou a relação entre o projeto de lei e a propagação das fake news. "Em nenhum momento o texto prevê o apoio da disseminação de notícias falsas. O direito de voz foi a grande conquista que a internet trouxe para a sociedade", disse, em um dos trechos do texto.

"Temos que ter responsabilidade e bom senso com as informações que disseminamos nas redes. Jamais irei concordar com a divulgação de notícias falsas na internet", completou.

Procurados pelo UOL para que se posicionassem sobre a inclusão dos projetos de lei no relatório, os outros parlamentares citados nesta reportagem não se manifestaram. Se enviados seus posicionamentos, eles serão publicados.

'Será como ganhar o direito de desinformar'

Caio Machado, diretor do Instituto Vero e pesquisador da universidade de Oxford, participou da elaboração de relatório que mapeou 15 projetos de lei para restringir ação das redes sociais em publicações com fake news - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Caio Machado, diretor do Instituto Vero e pesquisador da universidade de Oxford
Imagem: Arquivo pessoal

Em entrevista ao UOL, Caio Machado, diretor do Instituto Vero e pesquisador da universidade de Oxford, relaciona o mapeamento dos projetos de lei com as ações do presidente Jair Bolsonaro.

O que motivou esse levantamento?
As fake news estão no nosso radar e acompanhamos os movimentos legislativos sobre o Marco Civil da Internet desde o ano passado. Então, fizemos o mapeamento de projetos de lei, principalmente após a invasão do Capitólio e a remoção de Trump [Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos] das redes sociais. Esse episódio sinalizou a alguns grupos políticos no Brasil para a possibilidade de exclusão das redes sociais.

O relatório atribui esses projetos de lei a uma base governista. Como foi possível detectar isso?
Esses projetos de lei foram apensados ao PL das Fake News, que já passou no Senado. São alterações que tentam distorcer o projeto original. O PSL, partido formado por apoiadores de Bolsonaro, propõe 12 desses 15 projetos de lei. A cereja do bolo foi perceber essa movimentação na fala do presidente, que demonstra uma posição política bem clara de impedir a remoção de conteúdo e suspensão de contas nas redes sociais [por fake news], diminuindo o poder das plataformas sobre o próprio espaço.

Na prática, quais as possíveis consequências disso na propagação de fake news?
Jair Bolsonaro, os seus aliados políticos e os seus seguidores passaram a espalhar desinformação sem nenhum embasamento sobre fraude eleitoral para defender a volta do voto impresso. Esse tipo de conteúdo vem sendo removido de forma mais rápida pelas plataformas. Se esses projetos de lei forem aprovados, o presidente terá o direito de inventar uma história sem que o conteúdo seja retirado. Será como ganhar o direito de desinformar. É uma ameaça muito presente.

Quais outras fake news estão no radar do instituto?
O principal desinformador sobre a pandemia é a alta cúpula do governo. O presidente propagou informações falsas sobre a eficácia da cloroquina e contra políticas de isolamento, colocando a ciência em descrédito. Essas manifestações colocam em risco a vida das pessoas.